Sonhar faz parte da vida do homem, independentemente da idade ou do momento da vida. Sempre estamos sonhando. Muitas vezes temos sonhos que não são tangíveis, como ser feliz ou ser independente. Outras vezes temos sonhos materiais: comprar uma casa ou obter aquele carro de luxo. Vivemos, trabalhamos e lutamos para realizar alguns desses sonhos. Eu mesmo já realizei alguns desses sonhos, mas havia um, bem particular, que eu tinha: assistir uma corrida de F1 in loco.
Desde que me entendo por gente acompanho a F1 e me via em algum momento sentindo a emoção de ver tantos os carros como os pilotos de perto. Haviam alguns empecilhos, pois vivo no Ceará e o Grande Prêmio do Brasil se realiza bastante longe de onde moro. Outro era o preço, proibitivo enquanto você ainda somente estuda. Como falei, nós batalhamos para realizar alguns dos nossos sonhos. Nos últimos anos comecei a me programar para ver a F1 na pista, só não contava com a dificuldade que era conseguir um ingresso, mesmo tão caro. Quando ouvia falar do início da venda de ingressos para o GP Brasil do ano seguinte, rapidamente se esgotavam. Em certo momento já me conformava em ver, como sempre faço desde o final da década de 1980, as corridas em Interlagos da mesma forma como as demais etapas do calendário da F1: pela TV. No entanto, uma combinação de situações me pôs em contato com uma excursão de Pernambuco e em 2024 finalmente pude colocar meus pés no templo sagrado de Interlagos.
Já havia assistido corridas de forma presencial no surrado e resiliente circuito do Eusébio (outro autódromo correndo risco de desaparecer), tendo visto corridas de F3 e da Truck. Como me falou Márcio Madeira, para quem curte automobilismo, vale a pena ver uma corrida no autódromo pelo menos uma vez na vida para sentir toda a emoção do automobilismo. Porém, a F1 é muito diferente de tudo que já havia presenciado. O ronco do motor de um F1 está longe de arrebatar corações, mas quando me aproximava do portão do setor A de Interlagos e a primeira sessão de treinos livres já havia iniciado, escutei um carro passar. Senti o primeiro arrepio do final de semana. Quando finalmente entrei, quase quebrei uma regra, pois como criança, queria correr para ver a pista, não me importando muito se havia um procedimento para uma pessoa iria ingerir bebidas alcoólicas ou não. Então, vi uma Mercedes passando na minha frente. A sensação de velocidade era absurda, saindo do Café em direção a reta dos boxes. Parei e apenas curti. Como já havia experimentado em outros tipos de corridas, há uma mistura de sentidos quando um carro de competição passa na sua frente. Há a sensação de velocidade, há o som do carro e também o cheiro de gasolina de competição no ar. Mas com todo respeito aos F3 que havia assistido muitos anos atrás, não dá para comparar com um F1. Fiquei esperando passar cada carro de cada equipe, identificando um a um. Sim, tudo que havia visto pela TV estava passando na minha frente. O colorido dos carros e os capacetes, mesmo escondidos pelo Halo, eu também pude identificar. Para a minha sorte, as equipes não mudaram muito as cores dos carros, então vi o vermelho Ferrari, o preto/prata da Mercedes e por aí vai.
Fiz um cálculo de cabeça e provavelmente os carros passavam a mais de 300 km/h por ali. Fui explorar outros setores. Aproveitei minha altura e enxerguei outras partes da pista. A velocidade em que os carros fazem o Laranjinha é impressionante, com os bólidos no limite da aderência. Um fato que me chamou atenção foi a entrada dos boxes. Algo que pela TV é banal, ao vivo é algo que você respeita o que esses caras fazem. Os carros entram muito rápido e então freiam forte e vocês escuta as marchas baixando. Os estalos do motor. Então os carros fazem o Esse de alta antes de adentrar os pits. Acabou o treino. Adrenalina ainda a mil. Tirei algumas fotos, peguei algumas dicas de quem já havia vindo à Interlagos outras vezes. Uma delas falava do clima maluco que faz ali. Para quem vem do Ceará, frio não é algo comum, ainda mais com o sol forte que fazia no momento em que chegamos, mas já sabia que havia previsão de chuva para os três dias. Estava despreparado para o que viria. Na sexta à tarde, o tempo mudou radicalmente. Se não choveu, começou a ventar e esfriou repentinamente a ponto do cearense da gema aqui ficar com os braços cruzados. Fiquei mais próximo da pista, a velocidade dos carros é incrível.
No sábado pela manhã, o céu em São Paulo era tão limpo que até brinquei: Se o dia amanhece assim no Ceará, não chove de jeito nenhum. Mas estava a mais de 2.000 km da minha terrinha e a previsão de chuva era forte para mais tarde. Para a minha sorte, o hotel havia dado de brinde aos participantes da excursão uma capa de chuva. Levei por precaução. Não me arrependeria, pois a fama das quatro estações do ano aparecerem num mesmo dia em Interlagos é bastante real. Na largada da Sprint Race, com o sol ainda forte, fiz o que me disseram: fica perto do grid. Foram as melhores cenas que presenciei em muito tempo. Colado ao alambrado, nas últimas filas, vi as equipes esperarem os carros chegarem antes do grid e serem colocados em skates rumo ao seu respectivo colchete. Estava a pouco mais de dez metros de um carro de F1. Nesse momento também vi alguns personagens. Bottas e seus mullets chegando de patinete em alta velocidade. Ocon ficou bem próximo de mim, acenou para nós e me impressionei com a sua altura. O mesmo, só que inversamente, Tsunoda. Como é pequeno o japonês! Vi passar Ju Cerasoli e James Hinchcliffe através do grid, além de Jonathan Wheatley conversando animadamente com a turma da Racing Bulls, com Laurent Meckies ao lado. Quando os carros estavam para sair, Helmut Marko foi falar com Pérez e Tsunoda, nas últimas filas. Os carros saem para a volta de apresentação, mas o som está longe de ser ensurdecedor. Para quem ouviu os V10s, se dizia que o mundo parecia que iria acabar no momento da largada. E antes da largada da Sprint, outro momento especial. Os carros saem da curva do Café bem lentos e de repente, arrancam. O cheiro de gasolina de competição se misturava à borracha queimada.
Com dois telões, dá para ver a corrida muito bem, apesar de preferir ver o que se passava na pista. A torcida vaiava Verstappen, vibrava com Hamilton, mas a torcida argentina foi um capítulo à parte. Os vendedores ambulantes falavam em castelhano enquanto uma turba de argentinos passavam. A brincadeira que se fazia era que se Franco Colapinto for mesmo para a Red Bull em 2025, Interlagos teria mais argentino do que brasileiro. E como sabem torcer os argentinos! Vibravam quando Franco passava, mesmo o portenho tendo tido seu pior final de semana em sua curta carreira na F1. Será que os brasileiros farão o mesmo com Bortoleto ano que vem?
Depois da Sprint, o sol foi se escondendo aos poucos, mas nada dizia que uma tempestade de avizinhava. Na corrida da Porsche, que por sinal tem um ronco mais bonito que o da F1, o céu escureceu de uma vez e uma tromba d'água se abateu sobre Interlagos. Só depois soube que São Paulo havia parado. De longe dava para ver que a Curva do Lago fazia jus ao seu nome. Vai ter treino? Não vai? O chefe da excursão preferiu não arriscar e chamou todo mundo de volta. Sábia escolha.
Com o tênis encharcado, meias idem e com o preço da capa de chuva pulado de dez para setenta reais, me preparei para a corrida. Mas será que vai ter corrida? O domingo amanheceu chuvoso, mas bem longe do toró de sábado. Por sinal, não parou mais de chover em São Paulo até a minha viagem de volta. E então tive a sorte de ver uma das melhores exibições individuais da história da F1. A classificação, no domingo muito cedo, foi tão atribulada que ainda assisti o final, com Norris na pole e Verstappen, ainda punido, saindo em 17º. Parecia que o campeonato iria ficar ainda mais aberto. Como escreveu muito bem Lucas Giavoni, vimos que mesmo a F1 sendo uma competição onde muitas vezes o resultado ainda depende do equipamento, o piloto ainda faz muita diferença e Max Verstappen fez um recital. Para quem estava no autódromo, era impressionante a facilidade com que o piloto da Red Bull deslizava nas condições traiçoeiras de Interlagos, enquanto Norris literalmente naufragava. A dupla da Alpine se destacou demais, mesmo que no momento de maior chuva, Ocon deu uma destracionada na minha frente que pensei que ele iria aquaplanar ali mesmo! Verstappen parecia de outra categoria, com ultrapassagens incríveis na freada para o Esse do Senna. E falando nele, outro arrepio que tive no final de semana foi quando Hamilton deu uma acelerada no miolo com o McLaren MP/5B depois da classificação. Muita gente chorando enquanto Lewis passava e passava rápido com a McLaren de Senna, muito presente em Interlagos. Pena, que nada se falou sobre os 50 anos do bicampeonato de Emerson Fittipaldi...
Quando Max tomou a liderança, ele começou a marcar volta mais rápida em cima de volta mais rápida. No começo, ninguém se impressionou muito, mas na medida em que ele passava e o telão mostrava outra volta mais rápida, começaram a surgir os 'oh'. Eu mesmo exclamei: ele agora tá só brincando! Os apupos se transformaram em aplausos de respeito quando Max Verstappen cruzou na nossa frente pela última vez. Fora uma exibição de gala. E eu estava lá!
Ao falar para o pessoal da excursão que era a minha primeira vez na F1, muita gente falou que eu iria me viciar que voltaria sempre. A organização da excursão foi espetacular e a turma de Caruaru foi muito receptiva, porém, a organização do Grande Prêmio... Por estar no autódromo, tive pouco acesso às redes sociais e por isso não vi as reclamações, mas era flagrante as falhas. Uma fila quilométrica fez que muita gente no sábado não visse nenhum carro de F1. Apenas um portão no Setor A funcionava, mas o que mais me preocupava era a saída. Um efeito funil e um portão estreito me causava calafrios caso precisasse uma evacuação de emergência. Dentro de Interlagos, o desconforto era totalmente desproporcional ao preço que você paga para estar lá. As arquibancadas não tem assento e por isso, você fica a maior parte do tempo em pé. Tudo extremamente caro. Uma camisa oficial de uma equipe custava 'módicos' 800 reais. Um boné? 500 pilas. Para comer e beber, além de caro, faltava opção e por isso, fiquei sem almoçar os três dias de evento. Não sei se foi algo específico desse ano, mas soube depois que as reclamações foram gigantescas e no domingo, pelo menos abriram um portão a mais e a fila foi menos traumática...
No entanto, o último arrepio que senti e esse foi o mais forte, foi quando saía de Interlagos depois da corrida (Não arrisquei invadir a pista...). Eu tinha conseguido realizar meu sonho. Aqueles carros e pilotos que via apenas pela TV, tinha visto com meus próprios olhos. Senti o que era a velocidade de um carro de F1 e até senti seu cheiro. Pelo investimento feito, talvez o perrengue era grande demais, mas isso não importava muito. Indico demais para todo fã de F1 que, se puder, vá pelo menos uma vez à Interlagos.
Vale a pena!