domingo, 3 de julho de 2022

Vitória do patinho feio

 


Nem sempre uma corrida é ganha pelo melhor piloto na pista. Por variados motivos, um destaque da corrida não consegue a vitória e até mesmo nem completa a corrida. Porém, a emocionante corrida em Silverstone tiveram vários destaques e o vencedor da prova foi um dos pilotos menos brilhante do dia. Carlos Sainz saiu da pole pela primeira vez na carreira e pode-se afirmar que a primeira vitória do espanhol na F1 não foi após uma pilotagem brilhante. Sainz errou quando estava sob mais pressão, segurou seu companheiro de equipe mais rápido acima do necessário até ter que ceder sua posição à Leclerc por estar mais lento, mas numa corrida atípica como foi a de hoje, Sainz tirou proveito da sorte e da situação para colocar o sobrenome de sua família na história do automobilismo, pois pela primeira vez uma linhagem tem vitórias no WRC, Dakar e F1.


Porém, tudo isso poderia ter ficado em segundo plano. E novamente falaremos do Halo. Mais cedo na F2 um acidente assustador só não resultou em tragédia por causa do aparato de segurança, salvando a vida de Roy Nissany. Agradecemos por mais uma vida salva, mas na F1 o Halo provou que deixou de ser polêmico para ser essencial nas corridas de monopostos. Na primeira largada, George Russell saiu muito mal e foi sendo ultrapassado por vários pilotos. O chinês Guanyu Zhou ficou lado a lado com o inglês da Mercedes, enquanto Pierre Gasly achou que dava para passar entre os dois. Russell moveu seu carro, acertou Gasly e foi para cima da Alfa de Zhou. O carro do chinês imediatamente capotou, mas o pior não foi isso. De cabeça para baixo, o carro deslizou no chão a alta velocidade, destruindo o roll-bar ou o mais conhecido santo-antônio, ficando apenas o Halo evitando que o pescoço de Zhou raspasse no asfalto. O carro catapultou, passou por cima da barreira de pneus e atingiu a cerca de proteção à alta velocidade, ficando bem perto das arquibancadas. Uma tragédia em potencial. Afortunadamente, Zhou nada sofreu, mesmo que pela posição do seu carro, ficou dez minutos preso dentro dele, enquanto a F1 segurava a respiração e atrasava em uma hora a corrida. Ainda no rescaldo do acidente, Albon foi atingido em cheio por Ocon e foi levado ao hospital para averiguações. Felizmente, tudo bem com o piloto da Williams. Russell, culpado pelo melê, saiu do seu carro correndo para ver como estava o companheiro de profissão, numa bela ação cavalheiresca, mesmo que não tirando sua culpa de tudo e seu primeiro abandono em 2022. Mais importante de tudo foi que o Halo contabilizou mais uma vida salva na F1, sem contar a de hoje na F2 e em outras categorias. Apesar do visual longe do agradável, o Halo está fazendo a diferença e sua presença está longe de atrapalhar, como temia os puritanos.

Passado o susto, Carlos Sainz se preparava para a segunda largada sabendo que não poderia cometer o mesmo erro da primeira, quando foi ultrapassado de forma até mesmo fácil por Verstappen. Na ocasião, Max usou os pneus macios como handicap, mas de forma estranha não repetiu a tática e largou com pneus médios, os mesmo da maioria dos pilotos ao seu redor, porém, o neerlandês não deixou de largar muito bem, mas Sainz estava preparado e se defendeu de forma bem agressiva dos ataques do piloto da Red Bull. Isso fez com que Leclerc e Pérez fossem para a briga, com os quatro muito próximos, resultando num toque entre Charles e Sérgio, danificando ambos os carros, mas se Leclerc permaneceu na pista, Pérez teve que ir aos boxes trocar a asa dianteira. E iniciar uma soberba corrida de recuperação. Enquanto Leclerc mitigava o problema em sua asa dianteira, Sainz via Verstappen encher seu retrovisor, mas Max nem precisou forçar muito, quando Sainz errou na entrada da reta Hangar. A moral de Sainz sofria outro golpe, mas tudo foi minimizado com um problema na carroceria de Verstappen, que o fez perder muito rendimento. Max entrou nos boxes suspeitando de um pneu furado, mas o problema era mais sério e o piloto da Red Bull tentou apenas diminuir o prejuízo, marcando o maior número de pontos possíveis com um carro sem ritmo algum.


A Ferrari agora tinha uma tranquila dobradinha nas mãos. Será? Na primeira largada Hamilton havia subido para terceiro, mas o inglês não emulou a manobra na segunda partida e acabou perdendo a quarta posição para Norris. Lewis demorou um pouco demais para ultrapassar o compatriota, mas quando completou a ultrapassagem, começou a diminuir a diferença para a dupla da Ferrari. Mesmo com o carro intacto, Sainz nitidamente segurava Leclerc e uma ordem de equipe era esperada a cobrada por Leclerc via rádio. De forma estranha, a Ferrari deixou o espanhol na frente, o parando antes, enquanto Leclerc via Hamilton se aproximar cada vez mais. O novo pacote da Mercedes realmente deu um pulo de desempenho para o carro e correndo em casa, pela primeira vez em 2022 vimos um Hamilton com sangue nos olhos. Leclerc fez sua parada e retornou teimosamente atrás de Sainz, enquanto Hamilton via a Mercedes cometer um ligeiro erro que fez Lewis se distanciar um pouco das Ferrari, contudo, logo estava se aproximando novamente. A presença de Sainz na frente de Leclerc já beirava o ridículo e quando a ordem foi dada, Leclerc rapidamente disparou na frente, enquanto Sainz parecia que seria um alvo fácil de Hamilton. Mais atrás, Ocon brigava com o avariado Verstappen e logo após completar a ultrapassagem, o francês da Alpine encostou seu carro com problemas ao lado do muro da antiga reta dos boxes. Era um Safety-Car certo. Talvez menos para o estrategista da Ferrari. Leclerc passou reto da entrada dos boxes, enquanto Sainz e Hamilton entravam nos pits para colocar pneus macios novos, o mesmo fazendo também Norris e Alonso. Além de Pérez! Sim, o mexicano escalou o pelotão e teve a sorte do SC na hora certa para colocar os pneus macios e ainda se manter no pelotão da frente. Já Leclerc teria que enfrenta-los com pneus duros usados. Agora era a vez de Leclerc se tornar um alvo fácil.


Quando a relargada foi dada, começou outro show de pilotagem, dessa vez de Leclerc. Se Sainz não foi muito colaborativo com o companheiro de equipe, o monegasco foi um verdadeiro piloto de equipe. Na relargada, não fez muito para evitar a ultrapassagem de Sainz, enquanto Pérez atacava Hamilton. O mexicano parecia que teria chances de uma vitória inacreditável, mas então encontrou novamente Leclerc na sua proa. Mesmo com pneus muito abaixo dos rivais, o piloto da Ferrari deu um show, segurando Pérez e Hamilton, praticamente ganhando a corrida para Sainz, que se destacava dos demais. Por sinal, esse foi o ponto alto da prova. Leclerc, Pérez e Hamilton trocaram várias vezes de posições em disputas fortes, agressivas e limpas. Hamilton chegou a beliscar o segundo lugar quando Ferrari e Red Bull saíram da pista, mas Pérez colocou por dentro numa manobra faca nos dentes e retomou o segundo lugar, trazendo consigo Leclerc. Hamilton efetuou uma manobra belíssima por fora na Woodcote, mas tomou o troco numa manobra antológica na Copse, lembrando a tão discutida manobra do ano passado. Para mim, hoje ficou provado que tanto Max poderia ter feito a curva mais aberta, como Hamilton poderia ter recuado ligeiramente. Não aconteceu nem uma coisa, nem outra, resultando na maior polêmica da F1 no século 21. Voltando à 2022, Hamilton não tardou a ultrapassar Leclerc, mas o pódio estava formado justamente por causa das ações de Charles. Sainz já tinha quase 4s de frente para Pérez quando tudo se acalmou, enquanto Hamilton já estava 3s atrás da Red Bull e sem condições de ataque. Leclerc ainda teve que segurar Alonso e Norris nas voltas finais para salvar um quarto lugar, mas a Ferrari já pode pedir música no Fantástico ao estragar a terceira vitória de Leclerc, sendo que duas vezes por causa de seus estrategistas. Após a corrida Mattia Binotto foi visto tendo uma discussão tensa com Leclerc. Não se sabe o que foi dito, mas Leclerc tem muito o que reclamar dos pontos perdidos, sem contar o tempo perdido atrás de Sainz mais cedo. Por mais que tenha ganho hoje, Sainz prova que não tem estofo no momento para bater Verstappen e sua Red Bull, que provavelmente teriam ganho sem o problema que afetou o atual campeão. Porém, a Ferrari perdeu valioso pontos novamente para Leclerc, que tirou poucos pontos de um dia ruim de Verstappen.


Menos mal que a Ferrari comemorou a vitória de Sainz. Mesmo sem ser brilhante e podendo até mesmo perder o segundo lugar, Sainz foi combativo e nunca desistiu, mesmo quando tudo estava contra ele. Com a primeira vitória, talvez venha a confiança para que o espanhol possa evoluir. Pérez fez outra corrida excelente no que vem sendo sua especialidade: provas de recuperação. Num dia ruim de Verstappen, a Red Bull pôde contar com Pérez para garantir bons pontos. Hamilton teve sua melhor exibição no ano e se não fosse a má segunda largada, poderia até mesmo brigar pela ponta, algo que não fez em 2022. Com um carro que se deu muito bem em Silverstone, vimo um Hamilton de alto nível hoje, mas fica a pergunta: qual motivo não vemos esse Hamilton de hoje mais vezes?


Alonso e Norris brigaram bastante próximos pelo posto de melhor do resto, que ficou com o espanhol na última parada, mostrando o crescimento da Alpine, mesmo com o abandono de Ocon que acabou por definir a prova no final. Por sinal, a Alpine deu uma demonstração de garra ao trocar a suspensão de Ocon, envolvido na confusão da primeira largada e deixar o francês pronto para a relargada. Finalmente Mick Schumacher pontuou na F1, fazendo uma corrida sólida rumo ao oitavo lugar. O jovem alemão tinha mais ritmo do que Verstappen, mas não querendo desperdiçar a chance de marcar pontos, Mick preferiu não atacar de forma mais enfática, garantindo os primeiros pontos na carreira e para melhorar o dia para Schumacher, seu companheiro de equipe Kevin Magnussen completou a zona de pontuação, com o aniversariante e mentor Vettel em nono. Latifi passou boa parte da corrida na zona de pontos, mas acabou saindo de lá após o SC, porém, o canadense fez sua melhor corrida na carreira. A Alpha Tauri teve muito o que lamentar, com seus dois carros batendo na primeira largada e para complicar tudo, Tsunoda acabou errando quando ultrapassava Gasly e ambos rodaram. Tost terá muito o que conversar depois da prova. Não bastasse o grave acidente de Zhou, Bottas abandonou, acabando o dia da Alfa.


Foi a melhor corrida do ano, com disputas pelas primeiras posições e muita movimentação dos pilotos. Porém, tudo poderia ser pior, com acidente de grandes proporções, mas que felizmente não resultou em maiores ferimentos para ninguém. Outro fato foi uma manifestação de uns malucos que invadiram a pista na primeira volta. Por sorte, a bandeira vermelha apareceu e uma segunda tragédia foi evitada. Leclerc perdeu outra corrida que poderia ser sua, Verstappen viu a confiabilidade da Red Bull lhe assombrar novamente, Pérez fez outra grande corrida vindo de trás e a Mercedes teve seu melhor desempenho do ano. Porém, foi Sainz quem passou por cima disso tudo para vencer pela primeira vez na F1. O espanhol foi combativo a prova toda, mas se lhe faltou brilho, lhe sobrou sorte e no fim Sainz garantiu um surpreendente triunfo. 

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