domingo, 14 de novembro de 2021

The Last Dance

 


A série da Netflix contando a história da última temporada de Michael Jordan no Chicago Bulls se tornou referência para as grandes despedidas nos últimos anos. A última dança. No baile da vida, a MotoGP viu seu maior piloto dizer 'ciao' numa das despedidas mais emocionantes e apoteóticas do esporte. Para quem tem mais de trinta anos e acompanhou a carreira de Valentino Rossi, foi difícil não se emocionar com a corrida em Valencia e seu final. 

Não adianta muito querermos entrar no mérito se Rossi foi o melhor piloto da MotoGP. Agostini, Hailwood, Rainey, Márquez... Todos eles tem méritos para bater de frente com Valentino na história, mas o que o italiano de Tavulia fez em impressionantes vinte e anos de carreira entrou para os livros do esporte. Sim, comparar Rossi com os citados acima seria como comparar Senna com Fangio, Schumacher ou Hamilton na F1. Não há dúvidas quem tem mais títulos e dominou mais, mas o carisma de Senna o faz ser incomparável em certos aspectos e por isso muitos o colocam como o maior da história da F1. Rossi é dessa estirpe. Não da mesma forma de Senna, que era extremamente tenso em sua luta diária para ser o melhor. Valentino era exatamente o oposto de Ayrton. Rossi parecia estar sempre relaxado, brincando e fazendo tudo ao natural. O próprio italiano falou que só foi treinar fora das motos quando chegou nas 500cc, onde  havia uma maior necessidade de preparo físico. E Rossi sorria. Sorria muito!

Porém, por trás daquela simpatia toda, havia um piloto implacável e que destruiu vários rivais dentro das pistas, principalmente em seu auge nos anos 2000. Muitas vezes tinha dó de Sete Gibernau, que liderava a corrida inteira para ser ultrapassado por Rossi nas últimas voltas. E Rossi fez isso várias vezes e não apenas com Gibernau, mas com Biaggi, Barros, Capirossi, Lorenzo...

A virada para a década de 2010 trouxe novos pilotos inspirados em Rossi, surgindo uma tríade que realmente começou a bater o italiano: Casey Stoner, Daniel Pedrosa e Jorge Lorenzo. Usando um pouco a metodologia de Rossi, mas nunca chegando perto do seu carisma, esses três pilotos conquistaram vários títulos em cima de Rossi, que teimava em se manter competitivo mesmo passando dos trinta anos. Foi então que surgiu outro piloto tão ou mais talentoso do que Valentino e com uma mentalidade nova, mais agressiva e usando o limite do limite de sua moto: Marc Márquez. O espanhol surgiu como um furacão com sua Honda e derrotou a turma que veio na esteira de Rossi. Em 2015 Valentino teve sua última temporada realmente competitiva, mas acabou cedendo à pressão dos espanhóis Lorenzo e Márquez, perdendo a chance de conquistar seu décimo título.

Não apenas a turma de Rossi, mas a geração posterior a de Rossi começava a se aposentar. Praticamente todos os pilotos que surgiam na MotoGP tinha uma foto quando criança ao lado do italiano. Sem contar alguns que nem eram nascidos! O campeão da Moto3 Pedro Acosta nasceu em 2004, quando Rossi já estava em sua nona temporada do Mundial de Motovelocidade e conquistava o seu quatro título seguido da MotoGP, a primeira com a Yamaha. O recém coroado campeão da Moto2 Remy Gardner, tendo garantido seu título hoje numa prova dramática, nasceu em 1998, primeiro ano de Rossi nas 250cc após conquistar seu primeiro título mundial nas 125cc no ano anterior. E até mesmo o atual campeão da MotoGP Fabio Quartararo ainda estava no berço quando Rossi conquistou seu segundo título mundial, em 1999. Rossi tem quase o dobro da idade de Fabio!

E o fim chegou numa corrida dominada pela Ducati, uma das motos pilotadas por Rossi e curiosamente a única onde o italiano não obteve sucesso. Passados dez anos da passagem de Valentino, a Ducati construiu uma moto onde não apenas a potência do motor é o ponto forte da máquina. Bagnaia conseguiu sua quarta vitória no ano, se colocando como um dos favoritos para 2022. Jorge Martin conquistou com justiça o título de Novato do ano e mantém a sina de jovens pilotos espanhóis surgindo a todo momento na Motovelocidade. O sempre desastrado Jack Miller completou o pódio da Ducati, na primeira vez em que a marca italiana consegue esse feito na MotoGP. Uma mostra do quão forte a Ducati irá para 2022.

Quartararo foi apenas quinto com sua Yamaha, levada nas costas pelo francês em 2021, mas o próprio Fabio já cobra uma maior potência de sua moto se quiser enfrentar a força da Ducati. Franco Morbidelli não mostrou a que veio no momento em que assumiu seu lugar na equipe oficial da Yamaha, mas melhor fisicamente e mais entrosado, o ítalo-brasileiro tentará andar no nível de Quartararo. Nem de longe Joan Mir conseguiu defender seu título e a Suzuki, que tem uma moto inspirada na Yamaha, também procurará mais potência, além de um piloto que caía menos. Alex Rins ficou fora do top-10 do campeonato pelas constantes quedas ao longo do ano, como a de hoje. Viñales saiu de forma polêmica da Yamaha e conseguiu abrigo na Aprilia, que no próximo ano correrá como equipe de fábrica após muitos anos e terá que desenvolver sua moto praticamente sozinha. Viñales terá ao seu lado Aleix Espargaró, um ótimo acertador, mas nada além disso. E Viñales tentará resgatar sua carreira, com um arranhão imenso pela forma como saiu da Yamaha. A KTM teve um ano de altos e baixos, com duas vitórias esse ano, mas terminando a temporada mal conseguindo se sustentar no top-10. A Honda luta contra a sua Márquez-dependência, mas não restam dúvidas que o espanhol ainda faz muita diferença para a marca nipônica. Porém, as estripulias de Márquez já começam a cobrar um preço. O espanhol não participou da corrida de hoje ainda pelo problema do seu acidente semana passada. E sem Márquez, a Honda fica literalmente vendida.

Como não poderia ser diferente, hoje houveram muitas despedidas hoje, como a de Danilo Petrucci e Tom Luthi, mas nada que chegue perto de Rossi. Em mais de 400 corridas no Mundial, Valentino Rossi transformou a categoria num evento ainda mais grandioso, o elevando de patamar. O cruel tempo chega para todos, até mesmo para lendas. A MotoGP continuará seu rumo com vários talentos surgindo e se consagrando em corridas de tirar o fôlego. Porém, não teremos mais o número 46 no grid e sua grande torcida nas arquibancadas. É o fim de um ciclo, que acontece em todos os lugares. Nesse caso, só podemos dizer:

Muito obrigado, lenda, Valentino Rossi!  

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