quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Dia da salvação

 


Quinze anos atrás Tony George e Kevin Kalkhoven apertavam as mãos e selava o fim de uma fratura que doeu forte no automobilismo americano por doze anos, mas que finalmente era tratada. Foram doze anos de uma cisão sem sentido dentro das corridas de monopostos americana e que causou tanto dano, que mesmo tendo passado tanto tempo, as cicatrizes ainda estão expostas.

Porém, a própria CART surgiu de uma cisão no final dos anos 1970. Em 1978, as corridas da Indy eram mal pagas, subvalorizadas e sob a liderança mal feita da USAC. Além da falta de financiamento nas corridas fora Indianápolis, os proprietários das equipes tinham pouca ou nenhuma contribuição no campeonato. Dan Gurney se juntou à Roger Penske e Pat Patrick para escrever o famoso 'White Paper', um manifesto de sete páginas sugerindo melhorias para as equipes e para o campeonato, inspirado na FOCA de Bernie Ecclestone. A USAC respondeu com menosprezo, pois contava com as 500 Milhas de Indianápolis, mas um acidente aéreo que matou boa parte da cúpula da USAC e o falecimento de Tony Hulman, presidente histórico da IMS, em 1977 deixava a USAC numa situação frágil, proporcionando o nascimento da CART, entidade que criou um campeonato com a chancela das equipes, mas que muitos a consideravam pirata.

A CART tinha em seu núcleo Pat Patrick, Roger Penske, Jim Hall e Dan Gurney. Os sobreviventes do Can-Am, Doug Shierson e Rick Galles, juntaram-se no início dos anos 1980 junto com Jim Trueman. Patrick e Penske gastaram parte do seu dinheiro no início do certame, mas logo conseguiram o importante patrocínio da PPG. A Newman-Hass surgiria no meio dos anos 1980 e teria Mario Andretti como principal piloto, mesmo o ítalo-americano já contando com mais de quarenta anos. Pilotos como Rick Mears e Bobby Rahal se juntavam aos veteranos Bobby Unser, Al Unser, Gordon Johncock e um relutante AJ Foyt, que por muito tempo se manteve fiel à USAC. Logo seriam recebidos os jovens Michael Andretti e Al Unser Jr, além de alguns egressos da Europa, como Roberto Guerrero, Bruno Giacomelli e Teo Fabi. Quando Emerson Fittipaldi saiu de sua aposentadoria e abraçou a Indy/CART, o campeonato começou a receber uma atenção gigantesca também fora dos Estados Unidos. No lado das corridas, a CART substituiu a F1 em Long Beach, se expandiu para o Canadá, encontrou uma casa popular em um aeroporto em Ohio e rejuvenesceu circuitos mistos na América do Norte, como Mid-Ohio, Laguna Seca e Elkhart Lake.

Após alguns anos de brigas e até mesmo chance de não termos nenhum campeonato, a CART prevaleceu, proporcionando um campeonato espetacular, corridas de rua para as grandes cidades e levou a segurança a um novo patamar. Em seu apogeu, Bernie Ecclestone e Bill France Jr temiam a CART. 

Porém havia uma falha na CART que se provaria fatal. Não apenas os proprietários raramente concordavam com qualquer coisa, como geralmente optavam por escolher um presidente que pudesse ser manipulado ou não soubesse nada sobre corridas. Ou ambos. Apesar dos problemas de gestão e desconfiança entre os chefes de equipe, a Indy surpreendeu ao trazer o então campeão da F1 Nigel Mansell em 1993. Os grids estavam lotados, a audiência era gigante dentro e fora dos EUA, mas nem todos estavam felizes. O neto de Tony Hulman, Tony George, assumiu o controle da IMS em 1989 e em 91 fez uma oferta para comprar a CART, que era muito baixa e foi rudemente rejeitada por alguns dos proprietários. Ninguém da CART parecia valorizar a opinião do neto de Tony Hulman, que criticava os altos custos e a internacionalização da categoria, e esse foi outro erro fatal. George surpreendeu ao lançar a IRL em 1996. Nesse ano, a CART contava com quatro fabricantes de motores (Ford, Honda, Toyota, Mercedes), quatro fabricantes de chassis (Lola, Reynard, Penske, Eagle), duas empresas de pneus (Goodyear e Firestone), 28 carros em média no grid e recorde de público. Porém, a IRL tinha Indianápolis...

Mesmo contando com pilotos e equipes de segunda classe, George anunciou que 25 das 33 vagas iniciais na Indy 500 de 1996 seriam reservadas para os líderes de pontos da IRL. Foi então que a CART cometeu outro erro grave. Em vez de aparecer nos dois primeiros eventos da IRL, chutando a porta e efetivamente matando a série incipiente, os proprietários da CART venderam às equipes da IRL seus carros antigos e então organizaram uma corrida de 500 milhas em Michigan. Foi um fracasso. Mesmo contando com as melhores equipes e pilotos, a CART ia decaindo até que o impensável aconteceu. Roger Penske, que havia criticado George de ter destruído as corridas de monopostos nos EUA, trocou sua amada CART pela IRL em 2002, trazendo a Toyota e a Honda a reboque. Chip Ganassi foi o próximo grande dominó a cair, seguido por Michael Andretti, que se juntou ao irmão de Barry Green para iniciar sua própria operação. O tricampeão da CART, Bobby Rahal, juntou-se ao clube de George, assim como Adrian Fernández. Kevin Kalkhoven e Gerald Forsythe venceram George pelos ativos da CART no tribunal de falências em 2004 e transformaram a CART em Champ Car. Teimosamente as temporadas da Champ Car ocorriam, mas havia ocorrido uma virada. A IRL tinha as grandes equipes e pilotos, enquanto a Champ Car corria em locais inóspitos, tinham equipes que esbarravam no amadorismo e contava com pilotos de nível bastante duvidoso.

A deliciosa, senão deprimente, ironia desta guerra de doze anos é que todos os conceitos originais da IRL de Tony George (pilotos, carros e motores americanos, sem arrendamento de motores e todas as corridas em ovais) falharam miseravelmente com o tempo. No final de 2007, Kalkhoven percebeu que não havia mais futuro para a Champ Car e procurou Tony George, que também sofria com uma IRL sem um décimo do apelo que a Indy teve pré-cisão. Naquele momento, Ecclestone e Francis nem ligavam para os dois campeonatos da Indy. Com a Champ Car praticamente falida e com poucas equipes estruturadas, foi feito um acordo em que a IRL proporcionaria algumas parcerias com as grandes equipes para receber os times da liga moribunda. Porém, nenhuma dessas equipes resistiram com o tempo. Mesmo a tradicional Newman-Hass sucumbiu. O bom senso que faltou ao longo da trajetória da CART voltou com o fim das brigas sem sentido nas categorias de monopostos. A falta de liderança que causou tanto dano mesmo nos tempos áureos parece resolvido com a compra da IMS e do próprio campeonato por Roger Penske.

Passados quinze anos da reunião das duas entidades e termos apenas a IndyCar, o campeonato vive um bom momento, com o retorno de algumas pistas tradicionais, um público que só cresce e um campeonato que atrai pilotos de todo o mundo, elevando bastante o nível das corridas. O único porém é a falta de mais corridas de ovais no atual calendário. Contudo, o momento atual da Indy ainda está muito, muito distante do que a categoria foi nos anos 1980 e, principalmente, 1990. Dan Gurney, um dos idealizadores da CART, falou certa vez: Não há dúvida de que a Indy tinha mais potencial do que a NASCAR em 1979. Se houvesse uma liderança igual (à NASCAR), a Indy estaria muito maior do que a Stock Car americana. A Indy apenas manca e isso é um dos maiores crimes de todos os tempos.

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