domingo, 9 de setembro de 2018

Marmelada nos olhos dos outros...

Consta que Emerson Fittipaldi chegou à sua equipe em Monza no dia 9 de setembro de 1973 e lá encontrou Colin Chapman e Ronnie Peterson conversando. O brasileiro foi convidado a entrar na reunião e Chapman prometeu que a Lotus correria a favor dele e que Peterson o ajudaria se tivesse oportunidade. Foi combinado até mesmo que o sueco cederia sua posição se fosse necessário e foram até mesmo planejados gestos para quando a troca fosse efetuada.

Emerson Fittipaldi teve um início de 1973 de sonho. Foram três vitórias nas quatro primeiras corridas, mas depois do segundo lugar em Mônaco, o brasileiro da Lotus passou a ter várias dificuldades técnicas e ainda sofreu um grave acidente nos treinos para o Grande Prêmio da Holanda, quando teve um tornozelo quebrado. O então bicampeão Jackie Stewart foi crescendo ao longo da temporada e com o seu Tyrrell totalmente adaptado ao pneu Goodyear foi ganhando corridas, tendo seu companheiro de equipe François Cevert como fiel escudeiro. Algo que Emerson não tinha na Lotus. Ronnie Peterson chegou à equipe no início de 1973 e com seu estilo vistoso de pilotar, rapidamente conquistou Chapman. Em meio a uma difícil negociação de renovação de contrato, Emerson via Chapman cada vez mais se virar para Peterson, mesmo o brasileiro estando na briga pelo título com Stewart. O clima dentro da Lotus só não era pior, porque Emerson e Ronnie eram bons amigos, mas o paulista estava cada vez mais insatisfeito com Chapman.

Com todos esses problemas, Emerson Fittipaldi chegou à Monza, antepenúltima etapa do campeonato, numa situação delicada no certame de 1973. Na verdade, Emerson nem era o vice-líder no momento, papel que era na ocasião ocupado por Cevert, mas ninguém contava o francês na luta pelo título, pois ele tinha ordens expressas de não atacar Stewart. Emerson tinha que vencer as três últimas corridas do campeonato e contar com resultados ruins de Stewart. A Lotus se mostrava muito forte em circuitos de alta velocidade, demonstrada muito bem com a fácil vitória de Peterson em Zeltweg, na corrida anterior. Emerson liderava a prova quando abandonou nas voltas finais, contando com a ajuda de Peterson, que em nenhum momento atacou o brasileiro.

A Lotus confirmou o favoritismo com a pole de Peterson, a sétima do sueco em 1973. Emerson conseguiu apenas a quarta posição, com as duas McLarens separando a dupla da Lotus. Stewart era apenas sexto, com mais de 1s de atraso para Peterson. Após a pequena reunião antes da corrida, Emerson Fittipaldi entrou na corrida ainda mais confiante, pois ele sabia que mesmo o bom rendimento da McLaren em classificação, o ritmo da Lotus era melhor na corrida. Emerson saiu de suas características e fez uma ótima largada no Grande Prêmio da Itália de 1973, superando as duas McLarens e encostou em Peterson. A situação de Emerson melhoraria ainda mais nas primeiras voltas. Denny Hulme vinha próximo da dupla da Lotus, mas abandonou ainda na nona volta, deixando o duo Peterson-Fittipaldi com 9s de frente para a segunda McLaren, de Peter Revson. Na oitava volta Stewart entrou nos boxes com um pneu furado e as chances de título de Emerson aumentaram consideravelmente. Bastava ao brasileiro perseguir Peterson até aparecer o sinal para que os dois trocassem de posição.

Stewart voltou à pista em vigésimo e começou uma espetacular corrida de recuperação, onde fez várias ultrapassagens que o colocou na quinta posição quando faltavam quinze voltas para o fim. Jackie estava logo atrás de Cevert, que recebeu ordem para seu companheiro de equipe deixar passar e o francês não se opôs para que isso acontecesse. Com 24 pontos de vantagem, tudo que Stewart precisava era não perder quatro pontos ou mais para Emerson. O segundo lugar do brasileiro era suficiente para Stewart ser campeão, mas Fittipaldi lembrava do acordo feito com Chapman antes da prova. Ele dizia que toda vez que passava em frente aos boxes da Lotus, esperava o sinal para que ocorresse a troca de posição, garantindo uma sobrevida para Emerson no campeonato. As voltas foram passando e o sinal nunca veio. Peterson venceu a corrida, com Emerson colado no sueco. Com o seu brilhante quarto lugar, Jackie Stewart conquistava seu terceiro título mundial com duas corridas de antecedência.

Emerson Fittipaldi ficou furioso com a tática de Chapman a favor de Peterson que o fez perder o título de 1973 em Monza. O brasileiro sabia que suas chances nas duas corridas na América do Norte eram nulas, mas sentiu que o movimento de Chapman era um claro sinal. Chateado, Emerson procurou Patrick Duffeler, gerente esportivo da Marlboro, com quem negociava um contrato milionário, onde Fittipaldi teria uma equipe todinha ao ser redor. O time escolhido seria a McLaren, mas essa seria outra história. Jackie Stewart comemorou bastante seu terceiro título e secretamente aproveitava o que seria suas últimas corridas na F1. Stewart achava que Cevert estava preparado para substitui-lo e que o francês seria o futuro da Tyrrell, permitindo que o escocês se aposentasse no final daquele ano. Meses depois, os planos do escocês dariam tragicamente errado com a morte de Cevert nos treinos em Watkins Glen. A Tyrrell ainda se manteria como equipe de ponta até meados dos anos 1970, mas o título de 1973 seria o último de Ken Tyrrell.

Na revista Quatro Rodas de outubro de 1973, na legenda de uma foto de Emerson Fittipaldi com o Lotus 72E estava escrito: Emerson não estará nesse carro em 1974. A imprensa brasileira ficou irada em 1973 com a não ordem de equipe da Lotus, prejudicando Emerson Fittipaldi, mesmo a causa do paulista sendo praticamente perdida. Comportamento bem diferente de 29 anos depois, quando a Ferrari exerceu uma ordem de equipe em cima de Rubens Barrichello, mesmo que em condições bem diferentes. Em 2002, assim como em 2010, as ordens de equipe foram consideradas anti-esportivas, mas 45 anos atrás, quando um brasileiro era o favorecido, nem todos pensavam assim.  

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