quarta-feira, 23 de junho de 2021

A melhor de todas

 


Nesses últimos tempos de inclusão no esporte, o automobilismo muitas vezes se perdeu e trocou os pés pelas mãos. Ainda um ambiente muito masculino, muitas vezes as mulheres eram relegadas a segurarem plaquinhas ao lado dos pilotos no grid, mas isso foi mudando e nem grid girls existe em muitas categorias. No entanto, na pressa de colocar uma mulher em seus grids, se escolhem pilotos mulheres muito mais pela beleza do que pelos resultados, surgindo Carmen Jordá por exemplo. Danica Patrick e Ana Beatriz Figueiredo tiveram seus bons resultados em tempos recentes, mas havia a sensação que a presença delas no grid servia mais ao staff de marketing das equipes do que a equipe técnica. Porém, houve uma mulher que não queria ser melhor do que os homens, mas simplesmente andar junto com eles. E ela conseguiu! Correndo num período mágico do Mundial de Rali, Michele Mouton foi uma pioneira no automobilismo ao vencer quatro eventos do WRC e ser vice-campeã uma vez, sem ser uma mulher de uma beleza espetacular ou precisando de publicidade. Mouton mostrava seus atributos nas pistas de asfalto e terra pelo mundo. Completando 70 anos hoje, vamos conhecer um pouco da melhor piloto a estar atrás de volante de corrida da história.


Michele Mouton nasceu no dia 23 de junho de 1951 em Grasse, na Riviera Francesa cercada de infinitos jardins de rosas, que abastecia as indústrias de perfume local. Vivendo nesse mundo bucólico, a jovem Michele sempre se interessou por carros, principalmente porque seu pai adorava velocidade. Aos 14 anos Mouton deu uma volta na fazenda onde morava à bordo de um Citroën 2CV do seu pai e ficou ainda mais apaixonada. Ao completar o ensino médio Michele chegou a ingressar na faculdade de Direito, mas não terminou o curso, principalmente quando foi convidada por um amigo a ser seu navegador no famoso Tour de Corse. Rapidamente Michele mudou de banco e se tornou piloto, conseguindo bons resultados em ralis amadores. Seu pai viu uma centelha de talento e comprou para ela um Renault Alpine A110, dizendo à filha que ela tinha um ano para provar seu valor ou voltar para a faculdade. E Michele entendeu bem o recado do pai, pois ela venceu o Campeonato Francês Feminino e o Campeonato Francês da classe GT, culminando com uma vitória de classe 2L nas 24 Horas de Le Mans de 1975. Isso chamou a atenção da gigante Elf, que passou a patrocina-la e em 1977 ela foi contratada pela Fiat, onde ficou dois anos, conquistando bons resultados.


Até então Mouton participava de alguns eventos franceses e europeus, mas em 1980 ela foi contratada pela Audi para disputar o Mundial de Rali. "Foi um choque quando me ligaram", confessou Mouton sobre o primeiro contato da montadora alemã. Como o novo carro com regulamento do Grupo B ainda não estava homologado, Michele participou de alguns eventos fora do campeonato, mas o potencial do carro era evidente e em 1981 ela participou de todo o campeonato, andando de igual para igual com pilotos como Hannu Mikkola, Ari Vatanen e Henri Toivonen, acabando por vencer o Rali de Sanremo na Itália, se tornando a primeira mulher a vencer no Mundial de Rali. Foi também em 1981 que ela encontrou sua navegadora que lhe seria marcante: a italiana Fabrizia Pons. Para 1982 a Audi estava pronta para vencer o título e Mouton teria a companhia de grandes estrelas, como Walter Röhrl na Opel, seu companheiro de equipe na Audi Stig Blomqvist e o super rápido Markku Alén, com o Lancia 037. Em uma temporada empolgante, conseguiu três vitórias enfáticas em Portugal, na Grécia e... no Brasil! Sim, o Brasil já recebeu etapas do Mundial de Rali e uma delas foi vencida por Mouton. Na véspera da penúltima etapa daquela temporada, na Costa do Marfim, Michele foi informada que seu pai falecera de câncer e que seu último desejo era que Michele corresse aquele rali. Mouton liderava o rali com 18 minutos de vantagem sobre Röhrl e se confirmasse a vitória, ela estaria apenas dois pontos atrás do alemão na última etapa, na Inglaterra. Porém, no último dia o Audi de Mouton apresentou vários problemas mecânicos e na tentativa de compensar o tempo perdido, Michele acabou capotando e ela teve que abandonar. Röhrl foi campeão por antecipação, mas mostrando a mentalidade daqueles tempos, o piloto da Opel disse:  Teria aceitado o segundo lugar no campeonato para Mikkola, mas não para Mouton. Não é porque eu duvido de suas capacidades como piloto, mas porque ela é uma mulher.


Em 1983, o Mundial de Rali entrava de cabeça no Grupo B e seus carros de mais de 600 cavalos e muita tecnologia embarcada. Mouton começou o ano no Audi Quattro A1 com bons resultados, mas no meio da temporada ela passou para o A2 e como resultado sofreu com vários abandonos, terminando o campeonato apenas em quinto. Quando a Audi contratou a estrela Röhrl em 1984, o papel de Mouton na equipe diminuiu e ela participou apenas da metade do programa daquele ano, mas ainda conseguiu um ótimo segundo lugar no rali da Suécia, uma etapa que tradicionalmente favorece aos pilotos nórdicos por ser realizado em pista de neve. Para 1985 Mouton passou a desenvolver os carros da Audi, que lutava contra o avanço da Peugeot e da Lancia, porém, Michele não ficou totalmente parada, participando do campeonato inglês de rali e, principalmente, da famosa prova de Pikes Peak. No ano anterior Mouton havia participado da prova e ficado em segundo lugar. Correndo com Audi Sport Quattro, ela se aproveitou da pista escorregadia por causa da chuva para não apenas vencer, mas bater o recorde que pertencia a Al Unser Jr. Bobby Unser teria desdenhado do feito de Michele, que respondeu: se você tiver coragem, pode tentar me bater na descida também.


Após cinco anos de uma parceira marcante, Mouton saiu da Audi e se mudou para a Peugeot, onde participou do campeonato alemão, se sagrando campeã e no final do ano, ela anunciou sua aposentadoria aos 35 anos de idade. Mouton ajudou a criar o famoso Race of Champions em memória ao seu amigo Toivonen, morto em 1986. Em 2010, Mouton se tornou a primeira presidente da Comissão de Mulheres da FIA, ajudando a criar a W Series, campeonato onde somente mulheres correm. Foram apenas cinquenta etapas no Mundial de Rali, mas o suficiente para transformar Michele Mouton na melhor piloto mulher da história do automobilismo.

Parabéns!

Michele Mouton

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