domingo, 6 de junho de 2021

Duplo nocaute


 Sabe aquela história de, numa luta de boxe, os dois pugilistas trocam jabs e diretos numa luta estudada e num golpe de sorte (ou azar), ambos acertam os seus melhores golpes ao mesmo tempo e ambos caem na lona, sem terem mais condições de se levantar. Pois essa cena bizarra pode muito bem sintetizar o que foi a corrida no Azerbaijão nesse domingo. Verstappen e Hamilton sofreram dois golpes duros da sorte, acabando na lona, nocauteados, pensando no que poderia ter sido. Quem não teve nada com isso foi mesmo Sérgio Pérez, que aproveitando os azares alheios se recuperou de uma temporada até esse domingo bem decepcionante e venceu em Baku, liderando um pódio inusitado, com Sebastian Vettel ressurgindo das cinzas para dar o primeiro pódio à Aston Martin e Pierre Gasly superando Charles Leclerc na penúltima volta para ser terceiro.


Uma das coisas boas do esporte é a imprevisibilidade. Os primeiros três quartos de corrida em Baku foram sem graça e a única emoção era ver se Hamilton poderia usar o DRS sobre o segundo colocado Pérez na reta dos boxes, aproveitando o acerto sem muito arrasto da Mercedes. Checo Pérez conseguiu sempre três ou quatro décimos decisivos para não ser atacado na reta, enquanto completava uma dobradinha da Red Bull, com Max Verstappen soberano na ponta. De resto, a corrida transcorria sem maiores problemas ou dramas. Lance Stroll vinha num excelente quarto lugar após sair da última fila, pois bateu na classificação de ontem. O canadense tinha escolhido largar com pneus duros e pretendia esticar ao máximo seu primeiro stint. Bem longe do limite de voltas que a Pirelli tinha aconselhado as equipes, Stroll viu seu pneu se esvaziar no meio da reta dos boxes e o canadense bateu com muita força num acidente potencialmente perigoso, mas sem maiores dramas para Stroll e o desenrolar da corrida, pois ninguém do pelotão da frente parou no momento de Safety-car. No entanto, o recado estava dado: os pneus duros poderiam não durar como o esperado. Após a relargada e de certa forma a corrida permanecer como antes, Verstappen apenas controlava a corrida quando ele perdeu o controle do seu Red Bull em plena reta e bateu forte no muro. Ainda no rádio, Max exclamava: Tires...


A bandeira vermelha apareceu quando faltavam três voltas e até pensou-se que a corrida estava interrompida com vitória de Pérez. Porém, a decisão foi mais por segurança, pois um dos procedimentos de bandeira vermelha indica que os carros poderiam ser mexidos, inclusive troca de pneus. Como esperado, todos colocaram pneus macios para uma sprint race. A largada seria parada. Pérez e Hamilton, os ocupantes da primeira fila, aqueceram bastante os pneus e os freios. Talvez no caso de Hamilton, um pouco demais. Hamilton largou claramente melhor do que Pérez e quando todos pensavam que Lewis venceria uma corrida inesperada, algo ainda mais inesperado aconteceu: Hamilton travou os pneus e passou reto, ficando atrás do pelotão. Zero a zero no marcador do campeonato, mas com ambos os rivais tendo muito do que se lamentar. Max Verstappen estava com a vitória na mão faltando poucas voltas e viu tudo ir, literalmente, pelos ares. Seu chute no pneu vazio poderia ser a foto do ano, em caso de derrota do neerlandês no final do campeonato. Sorte de campeão de Hamilton? Pois Lewis estragou uma corrida sensacional dele num erro incomum para um piloto do seu nível e com tanta experiência. Se o abandono de Max foi algo do qual ele não tinha controle, o zero ponto de Lewis teve total e inteira culpa do inglês, que já assumiu o erro. Coisa de campeão, mas seria essa sorte de campeão de Verstappen?


Quem se aproveitou de todo o drama dos postulantes ao título foi Sérgio Pérez. O mexicano já deu seu recado com uma largada muito agressiva, quando pulou de sexto para quarto se esfregando nos muros azeris durante a primeira volta e mesmo sofrendo com um ligeiro atraso no seu pit-stop, Pérez conseguiu sair na frente de Hamilton, controlando um inspirado multi-campeão atrás de si. O segundo lugar de Pérez seria muito bem-vindo para o mexicano, pois ele era muito cobrado em ajudar Verstappen na luta de estratégias contra a Mercedes e em Baku, estava prestes a completar uma dobradinha que se transformou em vitória. Com o incidente de Hamilton, pelo menos viu a Red Bull comemorar. Por sinal, não faltou comemoração no pódio de hoje. Após longo e tenebroso inverno, Sebastian Vettel teve uma corrida decente e subiu ao pódio com seu Aston Martin, o primeiro da história da lendária marca inglesa na F1. Vettel teve um ritmo forte e fez várias ultrapassagens para ser o melhor do resto até chegar a um inesperado pódio, mas bastante redentor. Logo atrás do alemão veio Pierre Gasly, levando seu carro ao pódio numa luta sempre próxima com Charles Leclerc. Gasly chegou a ficar atrás da Ferrari, mas ultrapassou no final e garantiu um ótimo resultado para si. Comendo pelas beiradas, Lando Norris foi se aproveitando dos vacilos alheios e conseguiu outro ótimo resultado para a McLaren, hoje de luto pela morte de Manjour Ojjeh. 


E seguindo a boa corrida do veterano Vettel, Fernando Alonso conseguiu seu melhor resultado em sua volta com um sexto lugar, ultrapassando Tsunoda no final. Sainz chegou a passar reto no meio da corrida, demorou muito para ultrapassar Giovinazzi e ainda salvou alguns pontos para a Ferrari, enquanto Kimi Raikkonen conseguiu seu primeiro ponto em 2021. Agora, vamos falar de Valtteri Bottas. O nórdico começou o final de semana em Baku tendo problemas no voo para o Azerbaijão, mas isso não seria nada para o que viria a seguir. Com a Mercedes tendo um final de semana irreconhecível, onde apenas o talento  de Hamilton salvou o lavoura (até o próprio inglês estragar tudo...), Bottas ficou muito para trás. O décimo lugar no grid mostrava bem o quão mal estava a Mercedes, mas o ritmo de corrida era melhor, se dizia. Pois bem, em nenhum momento Bottas melhorou no pelotão intermediário e as coisas ficaram ainda piores quando a Mercedes não lhe trocaram os pneus (medo de outro pit-stop trágico?) durante o SC e Valtteri caiu ainda mais, sendo ultrapassado pelas Alfas Romeos. A décima segunda posição na bandeirada, a P6 no campeonato e a Mercedes ficando para trás no Mundial de Construtores indicam que a porta da rua da equipe Mercedes já está aberta para Bottas, que precisa para ontem de uma corrida redentora se não quiser se convidado a sair da Mercedes pelas portas dos fundos.


Foi uma corrida modorrenta na maior parte do tempo, mas a F1 acabou agraciada com um final de corrida insano, mostrando que Baku já entrou no gosto de muita gente na F1 por suas corridas imprevisíveis. Verstappen e Hamilton saíram do Azerbaijão zerados no campeonato e com tarefas de casa para fazer. Ambos já mostraram muita velocidade e talento nessas primeiras etapas de 2021, mas agora terão que mostrar outra faceta de um grande campeão: poder de reação. No caso de Verstappen, aliviado pelo incomum erro de Hamilton, ainda menos, mas o piloto da Red Bull ainda não tem a experiência de Hamilton, que terá que catar os cacos de uma oportunidade clara em que ele próprio jogou fora.

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