quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Big John



A frase onde se diz que recordes são feitos para serem batidos pode até ser uma regra no mundo dos esportes, mas como em toda a regra, existem as exceções. O que John Surtees fez nos anos 50 e 60 dificilmente será igualado num futuro próximo ou distante. Numa época em que o esporte a motor está tão especializado, ver um piloto campeão mundial de motociclismo e de automobilismo chega a soar impossível, mas não para esse inglês perfeccionista e resiliente, que preferiu abandonar uma vida de estrela no Mundial de Motociclismo para se aventurar nas quatro rodas, arriscando sua reputação de astro na Inglaterra e no mundo. O que se viu foi um dos grandes rivais de Jim Clark, Graham Hill e Jack Brabham nos anos 60, tornando-se uma estrela na Ferrari e se transformando num mito no esporte a motor. Completando 75 anos no dia de hoje, iremos ver um pouco do incansável John Surtees.

John Norman Surtees nasceu no dia 11 de fevereiro de 1934 na pequena cidade de Tatsfield, próximo a Londres. Desde jovem o pequeno John esteve envolvido com motos, já que seu pai, Vincent, era um comerciante de motos e apaixonado por corridas. O vírus da velocidade passou de pai para filho e o primeiro envolvimento de John em uma corrida foi ao lado, literalmente, do seu pai, disputando uma corrida de sidecar em 1948, onde John ficava na garupa. E logo de cara Surtees mostra sua estrela ao vencer logo em sua prova de estréia, mas os comissários descobriram que John ainda não tinha completado 15 anos, a idade mínima para se correr na Inglaterra na época, e a dupla Surtees foi desclassificada. Quando finalmente completou a idade regulamentar, John primeiramente partiu para as corridas na grama e no ano seguinte começou a trabalhar com seu pai. John Surtees começava a se destacar dentro do motociclismo britânico e a primeira vez em que se destacou em âmbito nacional foi em 1951, quando teve uma briga com a estrela Geoff Duke numa corrida em Thruxton. O detalhe era que Duke era piloto oficial da Norton, enquanto Surtees corria por conta própria.

John faz sua estréia no Mundial de Motovelocidade em 1952, disputando o Grande Prêmio de Ulster e conseguindo seu primeiro ponto com um sexto lugar. Apesar de mostrar talento na primeira metade da década de 50, ele só teve uma oportunidade séria no Mundial em 1955, quando o chefe da Norton, Joe Craig, o contratou para a temporada das 350cc. A moto do momento era a Moto Guzzi naquela temporada e Surtees pouco pôde fazer para acabar com o domínio da marca italiana, que conquistou os quatro primeiros lugares, enquanto John era apenas sexto. No Grande Prêmio de Ulster, Surtees é convidado a disputar a corridas das 250cc pela marca alemã NSU e o inglês, sem conhecer totalmente a moto, vence sua primeira prova no Mundial. No final de 1955, Surtees participa de duas corridas na categoria 500cc em Silverstone e Brands Hatch, vencendo ambas, derrotando o então Campeão Mundial Geoff Duke. Contudo, a Norton sofria com problemas financeiros e Surtees sabia que não teria chances com a famosa equipe inglesa, mas como estava em alta por suas vitórias na Inglaterra, ele aceitou o convite da italiana MV Agusta para 1956. Foi a melhor coisa que Surtees poderia fazer!

John participaria do Mundial das 500cc e teria como maior rival a Gilera de Geoff Duke. Teria. No início da temporada Duke lidera um movimento de greve dos pilotos para o aumento na premiação nas corridas e a FIM acaba suspendendo o inglês por seis meses, abrindo o caminho para Surtees vencer o Mundial com facilidade, após John vencer as três primeiras corridas daquele ano. Muitos diziam que Surtees só havia vencido o Mundial de 1956 por causa da suspensão de Duke, mas a esperada briga entre os dois ingleses acabou não acontecendo com Duke sofrendo um acidente no início de 1957. No entanto, a Gilera tinha feito uma grande moto para esta temporada e Surtees não pôde defender seu título contra a potência das máquinas italianas, que ficaram com os dois primeiros lugares do campeonato com Libero Liberati e Bob McIntyre. Surtees só venceu uma corrida e teve que se contentar com o terceiro lugar, mas uma grande surpresa acabou ajudando, e muito, a vida de Surtees. No final de 1957, Gilera e Moto Guzzi, que dominavam as categorias 350 e 500cc respectivamente, deixaram o Mundial de Motovelocidade e o duo Surtees-MV Agusta dominou as duas categorias de forma acachapante. Entre 1958 e 1960, John Surtees venceu nada mais, nada menos, do que 32 das 39 corridas em que participou, vencendo todos os campeonatos que disputou. Surtees ficou invicto nas temporadas 1958 e 1959 das 350cc e 500cc, conseguindo todas as vitórias possíveis!

Graças a esses resultados, Surtees se tornou uma estrela na Inglaterra, mas assim como acontece hoje, o Mundial de F1 era muito mais popular do que o Mundial de Motociclismo. A mudança das duas para as quatro rodas não era incomum e de repente o Mundial de Motociclismo tinha se tornado pequeno demais para Surtees. Em 49 Grandes Prêmios, John Surtees tinha vencido 38 e chegado ao pódio em 45. Foram sete títulos mundiais (1956 {350}, 1958 {350 e 500}, 1959 {350 e 500} e 1960 {350 e 500}). Na famosa corrida na Ilha de Man, Surtees participou de 15 corridas e terminou 14, vencendo em seis oportunidades. No final de 1958, John Surtees conheceu Tony Vandervell, Mike Hawthorn e Reg Parnell num jantar comemorativo e ele foi convidado a fazer um teste num Aston Martin. Vandervell ficou tão impressionado que ofereceu um contrato a Surtees no final do teste! John começava a pensar na sua mudança para o automobilismo, mas acha que era cedo demais estrear na F1 sem muita experiência. Então, no início de 1960, John decide fazer algo que, hoje, seria basicamente impossível: enquanto vencia dois mundiais de motociclismo, preparava sua entrada na F1! Primeiro John participa de sua primeira corrida no automobilismo na equipe de Ken Tyrrell na Fórmula Júnior, enquanto comprava um carro de F2 para poder praticar o máximo possível. E John foi rápido logo no início! Ele foi segundo colocado em sua primeira corrida na F-Junior e vence sua segunda corrida na F2. Era um início de carreira impressionante e isso arregalou os olhos de Colin Chapman, que chama Surtees para fazer sua estréia na F1 pela equipe oficial da Lotus no Grande Prêmio de Mônaco.

Após abandonar em sua estréia com a transmissão quebrada, Surtees inicia uma fulminante série de excepcionais resultados. Ele chega em segundo na segunda corrida pela F1 na Inglaterra e consegue sua primeira pole na corrida seguinte. Chapman oferece um contrato para John Surtees para 1961, mas haviam problemas nos bastidores da Lotus. Também em 1960 estreava na Lotus o protegido de Chapman, Jim Clark, e o chefe da Lotus tinha abandonado completamente seu antigo primeiro piloto, Innes Ireland. Apesar de Ireland ter vencido a primeira corrida da equipe Lotus no final de 1960, ele foi demitido no final do ano e Clark seria o novo primeiro piloto da equipe. Surtees seria o segundo piloto, mas John fica extremamente insatisfeito com o atitude de Chapman com relação a Ireland e promete nunca mais correr pela Lotus. Com 27 anos de idade, Surtees decide abandonar de vez o motociclismo e se foca unicamente na F1, sendo contratado pela equipe Yeoman Credit Team, que usava carros da Cooper privados. Numa temporada dominada pela Ferrari, onde nem mesmo a equipe Cooper oficial de fábrica pôde fazer algo de bom, a equipe privada de Surtees acabou conseguido parcos resultados. Em 1962, a equipe teria o apoio da Lola e os resultados melhoram consideravemente, com John se envolvendo cada vez mais na parte técnica e o carro melhorava com o passar da temporada, com Surtees conseguindo dois segundos lugares na Alemanha e na Inglaterra, terminando o campeonato em quarto. No final de 1962, Surtees acaba conseguindo sua primeira vitória na F1 numa prova não-válida pelo campeonato em Mallory Park, mas o inglês percebe que o seu Lola ainda não tinha a velocidade necessária para brigar pelo campeonato. Acostumado a conquistar títulos, Surtees procura uma equipe onde ele poderia obter resultados mais sólidos.

No início de 1963 Surtees participou de algumas corridas no Mundial de Marcas pela Ferrari e a equipe italiana se interessa pelo inglês. No entanto, a Ferrari vinha de uma péssima temporada na F1 com a saída do campeão Phil Hill e dos dirigentes Chiti e Tavoni. Apesar disso, Surtees se muda para a equipe italiana e com toda a sua técnica, devolve a Ferrari aos bons resultados, mesmo que ainda longe do título, que foi conquistado de forma dominadora por Jim Clark. No Grande Prêmio da Alemanha, Surtees pôde conquistar sua primeira vitória e acabou o campeonato num bom quarto lugar. O ano de 1964 começou de forma ruim para a Ferrari e Surtees, com uma série de quebras, mas no meio da temporada Mauro Forghieri lança o novo motor V8 e os resultados começam a aparecer. Surtees vence novamente em Nürburgring e, para delírio dos tifosi, leva a Ferrari a uma vitória em Monza. Com um segundo lugar em Watkins Glen, Surtees entrava na briga pelo título juntamente com Graham Hill e Jim Clark na corrida derradeira na Cidade do México. Enzo Ferrari havia brigado com a Federação Italiana de Automobilismo por causa da homologação de um carro esporte e, em sinal de protesto, inscreveu a Ferrari pela bandeira americana. Assim como havia acontecido nos Estados Unidos, a Ferrari chegou ao México vestido de azul, numa cena extremamente rara!

Hill era o grande favorito para vencer o título daquele ano, enquanto Surtees, segundo colocado no campeonato, necessitava de uma combinação de resultados para se sagrar campeão. Para Clark, só a vitória interessava. Pensando nisso, Jim consegue a pole e liderava com extrema facilidade. A Ferrari não tinha andado bem no ondulado circuito mexicano e, para piorar, Surtees tem problemas na largada, caindo para as últimas posições. Quando tudo parecia perdido, táticas não muito éticas começaram a acontecer. Lorenzo Bandini era o segundo piloto da Ferrari e, mesmo muito querido por Enzo Ferrari, não tinha feito muita coisa ao longo daquela temporada. Na última corrida do ano, ele seria decisivo. Numa manobra questionada até hoje, Bandini jogou o seu carro em cima de Hill, fazendo o inglês ir aos boxes e praticamente abandonar suas chances de título. Hill nunca perdoou Bandini por isso. Com Surtees em quarto lugar após uma rápida recuperação, o título estava indo para Clark, que vencia tranqüilamente a corrida até a penúltima volta quando teve um grande vazamento de óleo e abandonou a prova tristemente. No entanto, o terceiro lugar não era suficiente para Surtees entrar para a história e então Bandini entrou em cena outra vez. Em segundo lugar, o italiano foi gentilmente solicitado para que deixasse Surtees o ultrapassar na ultima volta e assim o inglês pôde conquistar seu oitavo título mundial, o primeiro em quatro rodas. Mas com a benção de Lorenzo Bandini!

Em 1965, a Ferrari estrearia seu novo motor V12, mas Surtees preferia o confiável motor V8. Foram os primeiros problemas entre o inglês e a equipe italiana. John consegue bons resultados no início da temporada, mas quando começou a usar o motor novo, seus resultados pioraram e ele não foi capaz de segurar o ímpeto de Jim Clark no Lotus 33. Para piorar, em 25 de setembro de 1965 Surtees sofreu o seu pior acidente na carreira, ao se acidentar num carro da Lola Can-Am em Mosport Park, quando a suspensão dianteira se quebrou. John passou algumas semanas no hospital, perdendo as últimas etapas do Mundial de F1, mas mostrando sua força de vontade, ele voltou em 1966 para se tornar Campeão da Can-Am. A F1 inaugurava a nova fórmula com motores de 3l e a Ferrari parecia ser a grande beneficiada com sua experência em outras categorias. Surtees sabia que tinha chances de se tornar bicampeão, mas o clima dentro da Ferrari piorava na medida em que o inglês não se bicava com o novo chefe de equipe, Eugenio Dragoni. Na primeira corrida do novo carro, Surtees consegue um bom segundo lugar numa corrida fora do campeonato, enquanto vencia o Grande Prêmio da Bélgica, após sobreviver a incrível primeira volta, quando uma dilúvio caiu na pista no meio da primeira volta e metade do pelotão se despediu após rodadas. O que ninguém sabia que esta não seria não apenas a última vitória de Surtees na Ferrari, como seria sua última corrida pela escuderia. Nas 24 Horas de Le Mans, Surtees esperava ser parceiro do seu compatriota Mike Parkes, mas Dragoni o deixou com Ludovico Scarfiotti. Aquilo foi a gota d'água e John abandonou a Ferrari ali mesmo! Neste momento, Enzo Ferrari estava mais preocupada com a compra de sua fábrica pela Fiat e pouco pôde fazer para que isso fosse evitado. Um campeonato que parecia ganho acabou indo para a ralo tanto para a Ferrari como para John Surtees.

Sem ter as grandes equipe a disposição, John foi para a equipe Cooper, sendo companheiro de equipe da grande revelação da época, Jochen Rindt. A equipe já via com binóculos os seus anos de glória e o pesado motor Maserati não ajudava. Com seu talento, Surtees conseguia ótimos resultados dentro de suas limitações, dando a primeira vitória da Cooper desde 1962 no Grande Prêmio do México. Apesar das várias quebras durante o ano e ter mudado de equipe no meio da temporada, Surtees terminou o campeonato num espetacular segundo lugar, mostrando o seu potencial naquele ano. No final do ano, Surtees faz outra mudança ousada ao seu mudar para a equipe Honda em 1967. A equipe japonesa investia na F1 desde 1964, mas os resultados eram parcos, com apenas uma vitória de Richie Ginther. Com um piloto do naipe de John, com grande conhecimento técnico, a equipe pensava que finalmente poderia crescer na F1, mas o desenvolvimento do carro foi lento e Surtees só tinha a si mesmo para se comparar. Graças aos seus contatos com a Lola, a empresa inglesa ajudou a criar o modelo RA300, mais conhecido como Hondola. Logo na estréia do novo carro, Surtees consegue sua última vitória na F1 em Monza, numa briga até a última curva com Jack Brabham. A torcida italiana mostra o quanto Surtees ainda era popular na Itália e faz uma enorme festa para o seu ex-piloto. Surtees vence ainda uma corrida não-campeonato em Brands Hatch e termina o campeonato num bom quarto lugar.

John tinha uma boa expectativa para 1968, mas as várias quebras do carro fez com que a Honda abandonasse a F1 no final do ano, ainda traumatizada com a morte de Jo Schlesser no GP da França. Esse seria o início do declínio de Surtees. As grandes equipes da época eram Lotus, Ferrari e Brabham. Com todas elas, em menor intensidade com a Brabham, Surtees teve problemas e para o inglês sobrou a BRM para 1969, que tinha problemas políticas entre os donos da equipe, Alfred Owen e Louis Stanley, fazendo com que a equipe conseguisse poucos resultados. Com todo o conhecimento que tinha adquirido, Surtees já havia construído bons carros para a F5000 nos Estados Unidos e vendo que tinha poucas chances nas equipes grandes, Surtees decide criar o Team Surtees, com o dinheiro sendo conseguido graças a Rob Walker. No início, John era o piloto da equipe, mas logo a demanda de trabalho ficou grande demais para o dublê de piloto e chefe de equipe e ele faria sua última temporada completa em 1971, ainda participando do Grande Prêmio da Itália de 1972. Foram no total 111 Grandes Prêmios, o título mundial em 1964, seis vitórias, oito poles, 11 melhores voltas, 24 pódios e 180 pontos.

Como chefe de equipe, Surtees se mostrou uma pessoa difícil de lhe dar. Dizem que, quando um piloto fazia uma besteira na pista, ele o comparava a si mesmo! A equipe Surtees participou dos campeonatos de F1, F2 e F5000. Tirando o título de Campeonato Europeu de F2 de Mike Hailwood (outro inglês que veio do motociclismo antes de ingressar na F1) em 1972, a equipe Surtees não obteve tanto sucesso como o seu criador. No final de 1978, com muitas dificuldades financeiras, o Team Surtees fechou suas portas. Como se destacou em duas e quatro rodas, Surtees é referenciado em duas frentes, entrando para o International Motorsports Hall of Fame em 1996 e se tornou uma "Lenda" da MotoGP em 2003. Até hoje Surtees participa de eventos especiais de motociclismo e é o capitão da equipe inglesa na A1GP, além de ver com orgulho a subida do seu filho, Henry, no automobilismo, estreando na F2 no próximo ano após um ano na Fórmula Renault Inglesa. Apesar de ser uma pessoa reservada, Surtees se entregava ao trabalho e procurava se aprofundar na parte técnica, tanto nas motos como nos carros. John foi um dos maiores pilotos da história e tem seu lugar entre os grandes.

Parabéns!
John Surtees

3 comentários:

  1. Belissima lembrança o John Surtees, só você mesmo pra lembrar JC.

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  2. Caramba, isso não é um texto, e sim um testamento!
    www.motorizado.wordpress.com

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  3. Belo texto,mais uma vez,JC.
    até que essa Ferrari azul não era feia não.

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