quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

20 anos sem Earnhardt

 


Num dia como hoje vinte anos atrás, a Nascar teria seu 'primeiro de maio'. Antes do fatídico 11 de setembro daquele mesmo ano, os americanos já tinham uma data marcante em 2001, principalmente para os amantes do automobilismo. Dale Earnhardt podia não ser o maior piloto da história da Nascar, mas era uma lenda viva e um dos seus maiores vencedores. De estilo agressivo dentro e fora das pistas, Earnhardt se tornou um piloto extremamente popular e conhecido carinhosamente (ou não) como 'The Intimidator'. O Intimidador. Atrás de sua segunda vitória na Daytona 500, mas também imaginando seu filho Dale Jr conseguindo essa glória, Dale Earnhardt estava em terceiro na volta final quando bateu no muro da curva 3 num acidente aparentemente banal, mas por uma infeliz sequência de coincidências, se mostrou fatal, mesmo que isso transformasse sua morte em um legado, pois fazem vinte anos que não há mortes em categorias nacionais da Nascar graças aos incentivos à segurança causada pela morte de Dale. Alguns dias atrás escrevi no GPTotal sobre o último dia de Dale Sr e seu legado. Segue abaixo o texto na íntegra e o link:

https://gptotal.com.br/o-legado-de-earnhardt/

No dia 1º de maio de 1994, Dale Earnhardt vencia as 500 Milhas de Talladega mais uma vez. O carismático piloto do Chevrolet número 3 não exibia, porém, a mesma alegria de outras vitórias. Logo após deixar seu carro, ele dedicou sua vitória a Ayrton Senna, falecido horas antes. A F1 tinha visto sua maior estrela e um dos maiores pilotos de sua longa história morrer ao vivo num acidente forte, mas menos plástico do que já tinha sido visto naquele infeliz final de semana em Ímola, numa série de coincidências trágicas.

Senna parecia indestrutível e aquilo não poderia ser verdade. Mesmo a Nascar, uma categoria que 27 anos atrás parecia ainda mais distante da F1 do que hoje, também não parecia acreditar, mas menos de sete anos depois, a categoria americana estaria em choque com a morte ao vivo de sua maior estrela num acidente de certa forma banal, mas como ocorrera com a F1 em relação à trágica morte de Senna, a Nascar aprenderia muitas lições em termos de segurança.

Dale Earnhardt estava prestes a completar 50 anos quando a temporada 2001 se iniciava na Nascar. Se não estava no auge da carreira, também estava longe do declínio. Ele tinha acabado de ser vice-campeão da Nascar, mas havia rumores de que poderia se aposentar em breve e alguns indícios mostravam que, mesmo ainda muito competitivo, preparava terreno para tal. Depois de uma longa espera, ele finalmente vencera a Daytona 500 em 1998, mesmo ano em que seu filho e herdeiro das pistas, Dale Earnhardt Jr, vencia pela primeira vez a Busch Series, a segunda divisão da Nascar, algo que repetiria em 1999. Mesmo se mantendo fiel à Richard Childress, Earnhardt tinha montado sua equipe para Junior e o irmão mais novo do seu velho rival Darrell Waltrip, Michael.

Os últimos dias de Earnhardt foram de algumas surpresas.  Nas semanas anteriores a Daytona 500 de 2001, optou por não comparecer ao evento anual de pré-estreia e pela primeira vez participou das 24 Horas de Daytona, correndo ao lado do filho e conseguindo um respeitável quarto lugar.

No dia 18 de fevereiro de 2001, Dale Earnhart estava relaxado no seu motorhome ao lado de sua esposa, Teresa, no infield do Daytona International Speedway. Pouco antes das 11h, foi para o briefing da corrida. O presidente da Nascar, Mike Helton, deu as boas-vindas aos pilotos e falou sobre a importância do momento na história da categoria, por causa do novo contrato bilionário de seis anos com a TV. O briefing terminou com uma oração de Dale Beaver, do Motor Racing Outreach, que pediu a Deus uma corrida segura. Numa entrevista para a TV, Dale seria profético: “Vocês verão algo que provavelmente nunca viram na Fox”, o ‘Intimidador’ Dale Earnhardt prometeu de uma forma quase provocante. O que ele tinha em mente, nunca saberemos.

Earnhardt largou em sétimo, ao lado de Jeff Burton e antes da largada chegou a brincar com o piloto. Max Helton, da Motor Racing Outreach, parou ao lado do carro número 3. Antes de começar a corrida, Earnhart orou com Teresa e Helton, como o capelão fazia com vários outros pilotos.

Bandeira verde.

A Daytona 500 de 2001 começou logo após as 13 horas. Com dez voltas, Earnhardt era o terceiro colocado. Na volta 27, assumiu a liderança, permanecendo na frente por 11 voltas até que Mike Skinner o ultrapassasse. Como acontece até hoje, aquela Daytona 500 foi uma ‘pack-race’, com todos os carros correndo num pelotão compacto a tarde inteira. Na volta 174, Dale estava na frente de Robby Gordon, Ward Burton e Tony Stewart quando eles colidiram para causar um forte acidente envolvendo 19 carros. Bandeira vermelha e Stewart foi mandado para o hospital com uma concussão. A corrida é retomada com 21 voltas para o fim e Earnhardt estava em segundo atrás de seu filho, Dale Earnhardt Jr., mas logo a dupla pai e filho foi superada por Michael Waltrip, que estava tentando vencer sua primeira corrida em 463 tentativas. Nas voltas derradeiras, Earnhardt ocupava o terceiro lugar, atrás de Waltrip e Earnhardt Jr. e parecia bloquear os carros atrás dele em vez de atacar agressivamente como de costume.

Earnhardt, Sterling Marlin e Ken Schrader disputavam o terceiro lugar na reta final, quando Dale vai para o lado mais baixo da pista. Seu carro bate na pista plana na parte inferior da pista ou foi tocado na traseira direita pelo Dodge de Marlin – ou talvez ambos. O carro número 3 vira para a direita, o nariz apontando para o muro. Schrader, correndo no lado alto, bate no lado direito do carro de Earnhardt, que bate de frente na parede externa. Aparentemente um acidente mais do que normal na Nascar, enquanto Michael Waltrip derrotava Dale Jr para vencer pela primeira vez na Nascar. Na cabine da TV, seu irmão Darrell quase chorava de emoção.

Quando há um acidente na Nascar, existe um sinal que os pilotos usam para dizer que estão bem: eles abaixam a rede protetora que fica na janela do piloto. Quando Earnhardt não baixou a sua rede, Schrader vai ao local e quando vê a situação, imediatamente acena freneticamente para que os socorristas fossem ao local. Earnhart foi levado imediatamente ao Halifax Medical Center, que fica ao lado da pista de Daytona. Chegou ao hospital às 16h54, com Teresa ao seu lado.  Às 17:16, foi declarado morto.

No Victory Lane, Michael Waltrip comemorava sua primeira vitória e, disse ele mais tarde, procurava Dale Earnhart para lhe dar um abraço. Schrader se aproximou do vencedor da prova e lhe fala da gravidade da situação de Dale. Minutos mais tarde, Michael fica sabendo da notícia e se enfurna em seu motorhome a noite toda. Por volta das 19h, o presidente da Nascar Mike Helton, com lágrimas nos olhos, fala simplesmente: Perdemos Dale Earnhardt.

A Nascar entra em choque e as homenagens começaram imediatamente, com as sedes da Richard Childress e da Dale Earnhardt Incorporated sendo invadida por fãs entristecidos. Se antes havia festa em Daytona, naquele momento vinte anos atrás havia apenas um silêncio sepulcral.

Nas semanas seguintes, Sterling Marlin recebeu várias ameaças de morte, assim como Bill Simpson, presidente da Simpson Performance Products, quando surgiu a notícia de que o cinto de segurança de sua empresa havia se partido no impacto fatal de Earnhardt. Bill Simpson pediria demissão poucas semanas mais tarde.

Logo uma comissão foi instaurada para investigar as causas da morte da maior estrela da Nascar. Estudos diziam que o impacto fora equivalente a um carro cair de um edifício de seis andares. Porém, acidente como o de Daytona vinte anos antes ocorriam aos montes. O que tinha dado tão errado?

Como um piloto da velha guarda, Dale Earnhardt tinha algumas manias ainda dos tempos de quando começou na Nascar, no final dos anos 1970. Ele era o único piloto do grid a ainda correr com o capacete aberto e para seu maior conforto, não apertava o cinto de segurança forte o bastante para lhe deixar devidamente preso no banco do carro. Essas ações somadas fizeram com que o cinto se soltasse e Earnhart fosse contra o volante do seu carro, causando uma fratura basilar fatal no seu crânio.

A morte de Earnhart fora a terceira em menos de oito meses dentro do mundo da Nascar e de repente a categoria se deu conta que estava muito atrasada em termos de segurança em comparação à F1 e a Indy. Como acontecera com a F1 em 1994, a morte de sua maior estrela causou mudanças severas de segurança. Os capacetes integrais se tornaram obrigatórios, assim como um procedimento de aperto no cinto de segurança foi exigido a todos os pilotos. Isso provavelmente salvaria a vida de Earnhart. Mais significativo, o HANS Device se tornaria obrigatório na Nascar no final de 2001 e o soft-wall seria instalado em todo oval da Nascar. Nos últimos vinte anos, não houve mais mortes nas três principais divisões da Nascar.

Assim como Ayrton Senna na F1, esse provavelmente foi o maior legado que Dale Earnhardt deixou para a Nascar.

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