Apesar do Mundial de F1 ter uma maior importância no cenário do esporte a motor em comparação ao Mundial de Motovelocidade, o campeonato sobre duas rodas começou exatamente um ano antes da Fórmula 1 e o primeiro vencedor da principal categoria na época, as 500cc, foi um inglês elegante e educado, que encontrou o seu destino quando estava se aproximando do auge da sua carreira. A morte de Les Graham completou 55 anos na semana passada e aproveitando o ensejo, iremos ver um pouco mais da carreira desse inglês.
Robert Leslie Graham nasceu no dia 14 de setembro de 1911 na cidade de Wallasey, Cheshire, Inglaterra, Reino Unido. Les Graham começou a correr com apenas 16 anos em Liverpool, numa pista de terra chamada Stanley Speedway com uma JAP 350cc. Dois anos depois Graham estreou numa pista de corrida no circuito de Park Hall Oswestry, ainda com uma JAP e Les mostrou categoria ao chegar na segunda posição, atrás da mais potente AJS de Henry Pinnington. Apesar dessa boa apresentação inicial, Graham não tem um início de carreira fulgurante, sempre participando das corridas com motos próprias e de segunda mão. As coisas começaram a mudar apenas em 1936, quando ele comprou uma moto Supreme 250cc e apesar de problemas no motor da moto, Graham participou do Grande Prêmio de Ulster com destaque.
A primeira grande corrida de Les Graham ocorreu em 1937, quando participou de uma famosa corrida na Irlanda do Norte chamada North West 200, com a mesma Supreme 250cc. Após liderar a prova por um longo tempo, Graham caí e perde várias posições. Sem pensar em desistir, Les volta a prova e estava em terceiro quando teve que abandonar a prova de longa duração com o câmbio quebrado. A fase era boa e a primeira vitória de Graham aconteceria na próxima corrida que participaria, em Donington Park. Semanas depois ele participou do tradicional Grande Prêmio de Ulster e chegou em quarto na sua categoria. Em 1938, Graham participou de provas em pista de grama, mas ele conseguiu um bom décimo segundo lugar com sua velha moto Supreme, com motor OHC, na corrida-rainha da época: o Tourist Trophy, ou, simplesmente, TT.
Animado com a boa apresentação, Le
s Graham volta a Ilha de Man novamente em 1939 e estava na quarta posição quando teve que abandonar na última volta com o câmbio quebrado. O chefe da equipe Velo, Jock West, estava assistindo a corrida e ficou impressionado com Graham e o contratou para 1940. Porém, como aconteceu com vários pilotos, seja de duas ou quatro rodas, a Segunda Guerra os forçou a interromper a carreira e para Graham, poderia ter sido o início de uma fase vitoriosa. Mas, ao contrário dos seus companheiros de pista, Leslie Graham participou ativamente do conflito, servindo como piloto da RAF, chegando ao posto de tenente e recebendo a medalha Flying Cross em dezembro de 1944 por bravura.
Leslie Graham e Jock West lutaram juntos e após a guerra eles criaram a AMC, uma revendedora e preparadora de motos. Na primeira prova realizada após a Guerra, em Cadwell Park, Leslie Graham teve a honra de ser o primeiro vencedor com uma Norton 350cc. Porém, graças ao seu talento e aos seus contatos, Graham foi contratado pela AJS em 1947 e conduziria uma das motos mais conhecidas dos primórdios do Mundial de Motovelocidade: a AJS bicilindrica 500cc chamada "Porco-espinho" devido às asas que tinham nas laterais. A moto estreou com Graham no TT de 1947 e o inglês conseguiu um animador nono lugar na categoria principal, a Senior (500cc). No ano seguinte Graham chega em sétimo na Júnior TT (350cc) e não termina na Senior. Porém, a moto evoluía a olhos vistos e os resultados não tardariam a aparecer.
Em 1949 a FIM (Federação Internacional de Motociclismo) introduziu o primeiro Campeonato Mundial de Motociclismo, a ser realizado inteiramente na Europa e com a corrida inaugural sendo realizado na Ilha de Man, no famoso TT. A AJS estava melhor do que nunca e Graham liderava com imensa facilidade a categoria 500cc quando o magneto de sua moto quebrou faltando poucos quilômetros para o fim (a pista tinha mais de 60km!) e o inglês teve que se contentar com a nona posição, enquanto Harold Daniell, da Norton, ficaria com a primazia de ter sido o primeiro a vencer uma prova das 500cc na história do Mundial. Porém, Graham dá a volta por cima e vence o Grande Prêmio seguinte em Bremgarten na Suíça, após derrotar a Gilera do italiano Arciso Artesiani numa maratona de quase uma hora e meia. Em Assen, outra pista muito tradicional no cenário do motociclismo, Leslie consegue um bom segundo lugar, ficando atrás daquele que seria seu maior rival naquele campeonato: o italiano Nello Pagani, da Gilera. Após ter problemas em Spa, Graham venceria novamente em uma pista que lhe era bastante familiar: Ulster. O campeonato seria decidido entre Graham, Pagani e Artesiani. Contudo, Graham quase cai quando tem que desviar de uma moto caída e chega apenas em sexto, enquanto Pagani vencia novamente. Porém, isso era mais do que o suficiente. Leslie Graham se sagrara primeiro Campeão Mundial de Motociclismo das 500cc por apenas um ponto, mas essa vantagem trouxe alguma polêmica. O ponto de vantagem de Graham sobre Pagani tinha sido adquirido no circuito do Bremgarten como recompensa atribuída ao autor da volta mais rápida; realmente, esta volta tinha sido realizada por Frend, mas o regulamento não tomava em consideração o desempenho efetuado por um corredor que se tivesse abandonado, como era o caso de Frend. Como Graham era o segundo mais rápido, mas estava em pé no final, acabou levando o ponto que lhe seria bastante útil no final do ano.
Porém, a AJS "Porco-espinho" já demonstrava algum cansaço e foi superada por Gilera e Norton em 1950. Além de Pagani, Graham teria a companhia do seu compatriota Geoff Duke, que com sua Norton, se tornou uma estrela na Inglaterra, relegando a Graham o segundo plano. As únicas vitórias de Graham em 1950 foram no Grande Prêmio da Suíça, nas 350cc e 500cc, numa prova realizada debaixo de muita chuva. Para os navegantes de primeira viagem, antigamente era permitido e bastante difundido, um piloto participar de mais de uma corrida num mesmo final de semana. Graham termina o campeonato das 500cc em terceiro e no final de 1950 ele se muda para a MV Augusta, que estava precisando de um piloto técnico para acertar as suas motos 500cc de quatro cilindros. Mesmo sobre contrato com a MV Augusta, Graham corre pela inglesa Velocette na categoria 350cc e foi com ela que Leslie consegue seus melhores resultados em 1951, com uma vitória em Bremgarten e um segundo lugar no TT Junior, atrás de Tommy Wood, da Moto Guzzi. Graham não marca pontos nas 500cc, já que a MV Augusta tinha uma moto extremamente potente, mas o equilíbrio da moto era horrível e Graham chegou a dizer que a moto era "inguiável".
Apesar de tudo, Graham permanece na MV Augusta para 1952 e seu trabalho começa a aparecer com o crescimento da moto, que anos mais tarde se tornaria um sinônimo de vitória e tornaria a marca MV Augusta um simbólo de triunfo ao lado de Giacomo Agostini. Mesmo não marcando pontos na primeira etapa na Suíça, Graham mostrou o crescimento de sua moto no TT e liderou a prova por um bom tempo, mas um problema mecânico fez a moto perder potência e a vitória acabou nas mãos de Reg Armstrong, da Norton. Para fazer dessa vitória ainda mais dramática, a corrente de Armstrong quebrou nos metros finais, mas ele ainda recebeu a bandeirada com 33.4s de vantagem para Graham. Após não marcar pontos nas duas etapas seguintes (Assen e Spa), Graham conseguia um quarto lugar no Grande Prêmio da Alemanha em Solitude com direito a ponto extra pela melhor volta. Após não marcar pontos em Ulster depois de ter problemas com seus pneus Dunlop, Leslie Graham entrou para a história ao conseguir a primeira vitória da MV Augusta no Grande Prêmio das Nações, em Monza, para delírio da torcida italiana. Com esses resultados (o inglês ainda venceria a última etapa realizada na Espanha), Leslie Graham conseguia o vice-campeonato, perdendo o título por apenas dois pontos para o piloto da Gilera, Umberto Masetti.
Para 1953, Leslie Graham era um dos favoritos a vencer novamente o Mundial das 500cc. Sua MV Ausgusta estava cada vez melhor e a disputa com Geoff Duke, que estaria de volta após ter sofrido um acidente no começo de 1952, era esperada por
muitos. Para comprovar que sua fase era excelente, Graham vence pela primeira vez o TT na categoria 125cc, com uma MV Augusta. Na sexta-feira, dia 12 de junho de 1953, Leslie Graham partipava da categoria principal, as 500cc, e quando se aproximava da descida Bray Hill, a tragédia aconteceu. A curva era extremamente rápida, com os pilotos a contornando a alta velocidade. No final desta interminável descida, as máquinas quase estancam no início da subida seguinte e as suspensões percorrem o seu curso total. Vindo na terceira posição, atrás de Duke e Ray Amm, Leslie perde o controle da sua moto exatamente nesse lugar e cai violentamente. Graham morre na hora. Ele tinha apenas 41 anos de idade. O que restou da moto não permitiu apurar com certeza o que acontecera na verdade, mas supõe-se que a suspensão telescópica frontal tenha bloqueado. Graham, com uma lesão no braço, causada por uma queda nos treinos, não foi capaz de controlar a pesada máquina lançada a 200 Km/h e se espatifou no asfalto.
O mundo da motovelocidade ficou chocado com a morte do seu primeiro campeão e a MV Augusta, em respeito ao seu primeiro grande piloto, se retirou das competições em 1953. O seu filho, Stuart Graham, também participou do Mundial de Motovelocidade, mas não conseguiu grande sucesso. Dono de uma técnica impressionente, Graham se destacou não apenas pelo seu talento, mas também pela sua educação e seu grande tato em acertar motos. Em sua homenagem, o trófeu entregue ao atual Campeão do Mundial da MotoGP, agora se chama Leslie Graham Trophy. Uma digna referência ao primeiro campeão de todos.