sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Mon ami mate


A F1 era dominada pelos italianos no início da década de 50, mas isso começou a mudar com a chegada de uma talentosa leva de pilotos ingleses na metade da primeira década da F1. Junto a Stirling Moss, Mike Hawthorn e Tony Brooks, outro grande piloto inglês surgiu como um forte pretendente a ser o primeiro inglês a se tornar Campeão Mundial, mas a morte o encontrou mais cedo. Peter Collins foi um piloto de tocada suave e ainda muito jovem foi contratado pela Ferrari, mas o que marcou o inglês foi um gesto nobre, que comoveu o mundo da F1 na época. Completando cinqüenta anos da sua morte nesta semana, vamos conhecer um pouco mais de Peter Collins.

Peter John Collins nasceu em 6 de novembro de 1931 em Kiddermaster, Worcestershire, na Inglaterra. Filho de um vendedor de carros, o pequeno Peter sempre teve contato com os automóveis e como vários dos seus contemporâneos, estreou nas corridas em pequenos carros dotados de motores 500cc de motos. No final da década, essa categoria seria chamada de F3, como é até hoje conhecida. Collins enfrentou com sucesso vários pilotos, com destaque para Stirling Moss, com quem seria amigo. O que era muito normal naquela época entre os pilotos...

No início da F1, os pilotos começavam a correr com certa idade, por isso foi muito interessante ver Collins estrear na categoria máxima do automobilismo com apenas 20 anos de idade, no Grande Prêmio da Suíça de 1952 pela pequena HWM. Contudo, a equipe inglesa HWM não era páreo para a poderosa equipe Ferrari, que dominou aquela temporada com Alberto Ascari. Cansado dos péssimos resultados da equipe, Collins abandonou a HWM no final de 1953 sem conquistar um único ponto e fez duas corridas pela equipe Vanwall em 1954. A equipe inglesa de Tony Vanderwell sonhava brigar com as dominantes equipes italianas, mas o sonho ainda estava no início e Collins pouco pôde fazer para melhorar o desempenho da Vanwall e também não marcou pontos. Em 1955, Collins participou de apenas duas corridas de F1 e mesmo utilizando o mesmo carro, a Maserati 250F, as disputou por duas equipes diferentes. Na Inglaterra, Collins foi inscrito pela BRM, que ainda desenvolvia seu carro próprio e deu uma Maserati para Peter. Já em Monza, a equipe Maserati montou um verdadeiro esquadrão para desbancar a Mercedes, mas não obteve êxito. Collins abandonou ambas as provas.

Até o momento, Peter Collins não tinha marcado um único ponto na F1 e só tinha pilotado carros inferiores. Porém, seu estilo de pilotagem impressionou Enzo Ferrari e o carismático chefe de equipe contratou o inglês para a temporada 1956. Agora com um carro de ponta, finalmente Collins poderia mostrar seu talento e ainda aprender ao lado de Juan Manuel Fangio, que deixou a Mercedes no final de 1955 e se mudou para a Ferrari em 1956. Além do argentino, Collins teria como companheiros de equipe os italianos Luigi Musso e Eugenio Castellotti. A Ferrari estava usando o carro que a Lancia tinha cedido a ela na metade de 1955, após a morte de Alberto Ascari. Mesmo quebrando na sua estréia pela Ferrari, logo Collins mostrou todo o seu talento, ao conseguir seus primeiros pontos em grande estilo, ao ser segundo no Grande Prêmio de Mônaco. Por sinal, Collins teve que ceder o seu carro para Fangio, quando o argentino teve problemas em sua Ferrari. Para quem não está entendendo este detalhe, nos primórdios da F1 era permitido que um piloto que tinha abandonado pegar o carro do companheiro de equipe e seguir na prova, com os pontos ficando pela metade. Já pensaram o que aconteceria se a Ferrari de Schumacher quebrasse se essa regra ainda valesse?

Após esse resultado, Collins foi alçado a piloto de ponta e confirmando a aposta de Enzo Ferrari, o inglês venceu as duas corridas seguintes, na Bélgica e na França. Com a ascensão de Stirling Moss, havia na época uma disputa entre os pilotos ingleses para saber quem seria o primeiro súdito da rainha a se tornar o primeiro Campeão Mundial de F1 vindo da ilha. Após ser segundo no seu Grande Prêmio caseiro, Collins liderava o campeonato pela primeira vez na carreira, com um ponto de vantagem sobre Fangio. O argentino venceria a corrida seguinte na Alemanha e retomava a ponta do campeonato, com Collins caindo para segundo após sofrer um acidente em Nürburgring. Quando a F1 chegou em Monza para a última corrida de 1956, o campeonato estava aberto, mas com Fangio liderando com oito pontos de vantagem sobre Jean Behra, da Maserati, e Peter Collins. Stirling Moss, por causa da regra dos descartes, ainda tinha chances remotas.

A Ferrari coloca seus três carros na primeira fila, liderado por Fangio. Com problemas nos treinos, Collins fica apenas em nono, com Behra em quinto e Moss logo atrás. A corrida se inicia com as Ferraris liderando com Castellotti, Musso e Fangio. O argentino fazia uma corrida tática, de olho nos seus adversários. Moss se aproveita dos problemas nas Ferraris de Musso e Castellotti para assumir a liderança ainda no início e não sair mais de lá. Se tinha poucas chances de ser campeão, pelo menos o inglês estava fazendo sua parte. Collins perseguia Fangio de perto, até ser ultrapassado pela Ferrari de Musso, que fazia uma grande corrida de recuperação. Então, na volta 16, Fangio encosta sua Ferrari nos boxes com a barra de direção quebrada. Antes da corrida foi acertado que se Fangio tivesse problemas, Musso seria obrigado a ceder seu carro ao argentino. Talvez animado com a corrida que fazia e por estar correndo em casa, Musso se recusou a parar e parecia fim da linha para o argentino. Com esses resultados, Moss era o campeão, mas ainda restava Collins. De repente, sem mais, nem menos, o inglês pára no box da Ferrari sem nenhum problema. Ao ver a Ferrari de Fangio parada, Collins, ainda com possibilidades de ser Campeão Mundial, entrega o seu carro ao argentino para que ele partisse rumo ao título. Extremamente emocionado, Fangio pegou a Ferrari do companheiro e pilotou como nunca (o que era normal em se tratando de Fangio) e terminou a prova em segundo, garantindo o seu quarto título por apenas dois pontos em cima do vencedor daquela tarde, Stirling Moss.
O ato de Peter Collins foi um dos mais elegantes da história do esporte e nunca foi esquecido. Quando perguntado o porquê daquela atitude, Collins disse que ainda era muito jovem (tinha na época 24 anos e 10 meses) e tinha muitos títulos para disputar. Se tivesse continuado a prova, Collins poderia ter se tornado o Campeão do Mundo mais jovem da história e pela idade que tinha na época, nem Fernando Alonso teria batido esse recorde em 2005. O ato de Collins trouxe uma grande admiração por parte de Enzo Ferrari, que passou a tratar Peter como filho. Infelizmente para Collins, a Ferrari não faz um carro tão bom em 1957 e o inglês não conquista nenhuma vitória, tendo que se contentar com dois terceiros lugares (França e Alemanha) e um carro incapaz de brigar por vitórias, particularmente com a Maserati de Fangio, que venceu aquele campeonato com um carro nitidamente inferior aos demais. Mas nem tudo foi ruim para Collins em 1957. Foi nesse ano que ele se casou com a americana Louise King. Com a saída de Fangio, a Ferrari trouxe Mike Hawthorn para o seu lugar em 1957 e logo Collins e Hawthorn se tornariam grandes amigos. Um jornal fez uma brincadeira com eles e ambos se apelidaram de "mon ami mate".

Após apanhar bastante em 1957, a Ferrari produz o modelo Dino 246 (D246) e os bons resultados voltam ao time italiano em 1958. Com a aposentadoria de Fangio, o caminho parecia aberto para os pilotos ingleses conquistarem um Campeonato Mundial. Além de Collins e Hawhorn da Ferrari, a Vanwall já estava no mesmo nível das equipes italianas e tinha Moss e Tony Brooks atrás do volante dos seus carros. Apesar do favoritismo, Collins não começa muito bem o campeonato, conquistando apenas um terceiro lugar nas quatro primeiras corridas. Hawthorn fazia um campeonato extremamente regular, marcando pontos sempre quando era possível. A Vanwall era muito veloz, mas ainda sofria com problemas de confiabilidade, estragando o campeonato de Moss e Brooks. Collins, que também fazia provas de longa duração pela Ferrari, começou a ter o seu cargo ameaçado, quando conquistou sua última vitória na carreira, em casa, em Silverstone.

Animado com a vitória, Collins partiu para a etapa seguinte em Nürburgring. Até o momento, Collins tinha tido diferente sorte no "Inferno Verde". Tinha sofrido um acidente em 1956 e conseguido um pódio no ano seguinte nas duas vezes em que visitou o circuito alemão. Collins largaria na primeira fila, em quarto, com Hawthorn na pole e os dois Vanwalls entre as Ferraris. Moss tomou a liderança na primeira volta, mas abandonou a prova ainda no início. Collins, Hawthorn e Brooks iniciam uma grande briga pela liderança. O ritmo era alucinante! Na volta 11, Brooks ultrapassa as duas Ferraris e assume a ponta da corrida. Collins e Hawthorn perseguem o Vanwall com toda a força que tinham, mas quando os três pilotos chegaram a curva Pflanzgarten, o carro de Collins vai para a sujeira e o inglês perde o controle da sua Ferrari. Bem na frente do seu amigo Hawthorn, a Ferrari de Collins cai em uma valeta e o piloto é jogado para fora do carro, batendo fortemente em uma árvore. Collins sofre um forte traumatismo craniano e é levado em estado crítico para Bonn. Infelizmente, na noite do dia 3 de agosto de 1958, Peter Collins faleceu com apenas 26 anos de idade. Foram apenas 32 Grandes Prêmios, três vitórias e nove pódios.

Aquele período tinha sido especialmente cruel para a Ferrari, que tinha acabado de ver a morte de Luigi Musso no Grande Prêmio da França. Ao saber da morte do amigo, Mike Hawthorn decide que se aposentaria ao final daquele ano, não importando o resultado. E Hawthorn acabaria se tornando o primeiro inglês campeão mundial e cumpre sua promessa no final de 1958, abandonando as corridas com apenas 28 anos de idade. Infelizmente, Hawthorn morreria num acidente rodoviário ainda em 1958. Collins tinha tudo para se tornar um grande campeão e tinha uma longa carreira pela frente, mas o destino não quis assim. Porém, o seu ato em Monza/56 não será esquecido. Assim como sua pilotagem!

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