"As curvas de uma pista são parecidas com as curvas de uma mulher. Porém, nunca devemos confundi-las". Para quem diz uma frase dessa, precisa entender bastante sobre ambos os assuntos e esse foi o caso de François Cevert. Além de ter sido um dos pilotos mais promissores a aparecer no início da década de 70 e ser um dos primeiros pilotos franceses a iniciarem uma era dourada para o automobilismo gaulês, Cevert era um dos homens mais belos do mundo, inclusive tendo casos amorosos com atrizes famosas. Um dos pilotos mais carismáticos a chegar a F1, sua breve passagem pela categoria deixou marcas profundas em todos que o conheceram, particularmente em Jackie Stewart e Ken Tyrrell. Trinta e cinco anos após sua terrível morte, iremos conhecer mais um pouco da carreira desse francês que marcou tanto por sua velocidade, como por sua beleza.
Albert François Cevert Goldenberg nasceu no dia 25 de fevereiro de 1944 em Paris, em meio a Segunda Guerra Mundial e sobre julgo nazista. Seu pai, Charles Goldenberg, tinha nascido na Rússia e tinha fugido do país ainda jovem por causa da Primeira Revolução de Russa de 1905. Judeu, Goldenberg fugiu para a França e se tornou um conceituado joalheiro. Contudo, a invasão nazista em 1940 fez com que Goldenberg escondesse sua ascendência judia e registrou seus filhos, inclusive o recém-nascido François, como Cevert, sobrenome da sua esposa, Huguette. Atuando ao lado da Resistência, Goldenberg voltou a cuidar dos seus negócios após a Guerra e criar seus quatro filhos. Tendo tudo do bom e do melhor, François Cevert estudou em boas escolas e se tornou um ótimo pianista. Ainda adolescente, o jovem Cevert passou a se interessar em corridas, primeiramente de motos e depois com carros, após servir o exército francês.
Já contando com 22 anos idade, François entrou em escolas preparatórias para corridas em Le Mans e Magny-Cours. Sentindo-se preparado para iniciar sua carreira no automobilismo, Cevert se inscreve no concurso Volante Schell, que dava ao seu vencedor uma temporada na F3 Francesa com patrocínio da petroleira. François leva o torneio com facilidade! Todavia, a Shell entrega uma verdadeira cadeira-elétrica para o francês. O chassi da Alpine se mostra um carro muito complicado e François sofre com sua falta de experiência em corridas, mas o jovem piloto compensa essas dificuldade com muita coragem e desenvolve uma técnica de derrapagens controladas. Isso chama a atenção da italiana Tecno, que tinha o melhor chassi de F3 da época, e contrata Cevert como piloto para a temporada seguinte. Com um ano de experiência, contando com o precioso patrocínio da Elf, e tendo a melhor equipe ao seu dispôr, Cevert se torna Campeão Francês de F3 em 1968 com quatro vitórias, derrotando Jean-Pierre Jabouille.
A equipe Tecno fica tão satisfeita com Cevert, que o contrata para o próximo degrau do francês. Apenas em sua terceira temporada no automobilismo, Cevert participaria do prestigiado Campeonato Europeu de F2 pela equipe oficial da fabricante italiana. Numa temporada marcada pelo domínio da Matra de Johnny Servoz-Gavin e Henri Pescarolo, François se destaca e termina o forte campeonato em terceiro, conseguido alguns pódios e uma vitória em Tulln-Langenlebarn, mas na verdade, o piloto da Tecno completou a prova em quinto, mas naquela época, os pilotos de F1 também disputavam algumas etapas do Campeonato de F2, mas não marcavam pontos. E foi justamente em uma corrida com participação de pilotos da F1, Cevert apareceu para o mundo. Numa corrida de F2 em Crystal Palace, Jackie Stewart travou um duelo espetacular com Cevert e ficou abismado com a habilidade do francês, indicando Cevert para o seu chefe, Ken Tyrrell. Inicialmente, François participaria unicamente do Campeonato de F2 e a Tecno não repete o mesmo desempenho do ano anterior e os únicos pontos marcados por Cevert seriam da vitória, novamente, em Tulln-Langenlebarn. Porém, Tyrrell e Stewart não tinham esquecido de Cevert!
Quando Johnny Servoz-Gavin abandonou a F1 ainda na metade de 1970, a Tyrrell precisou trazer um segundo piloto para a sua equipe. Na época, Ken Tyrrell ainda não construía seus próprios carros e utilizava um chassi cliente da March, tendo como patrocínio, a petroleira francesa Elf. Apesar de não estar fazendo uma boa temporada na F2, Cevert é chamado para ser segundo piloto da Tyrrell e faria sua estréia no trágico Grande Prêmio da Holanda, marcado pela morte de Piers Courage. Logo de cara, Cevert mostra seu enorme talento e anda, sempre que possível, próximo do campeão Jackie Stewart. Em outro Grande Prêmio trágico, o da Itália, marcado pela morte de Jochen Rindt, François conquistou seu primeiro ponto com um sexto lugar, após ter batido na trave em outras duas ocasiões, ao terminar em sétimo na Inglaterra e na Alemanha. Em 1971, a Tyrrell finalmente construiria um carro próprio, projetado por Derek Gardner. Muito mais alto do Stewart, Cevert simplesmente não cabia no Tyrrell 001 e por isso Gardner teve que projetar o modelo 002 exclusivamente para Cevert.
Além de ser segundo piloto de Stewart, Cevert aproveitou toda a experiência do seu companheiro de equipe e sempre era visto conversando com o escocês, tentando extrair o máximo de informação possível do campeão. Essa ligação formou uma enorme amizade entre os dois companheiros de equipe e Stewart não seria o único amigo do francês. Além da pinta de galã, François também era uma pessoa afável e extrovertido, fazendo com que todos na F1 o admirasse e ficasse amigo dele. O carro da Tyrrell provou ser um dos melhores do pelotão e juntamente com os pneus Goodyear, Stewart dominou a temporada 1971 com extrema facilidade, conquistando quase o dobro de pontos do vice, o sueco Ronnie Peterson. Mesmo terminando apenas cinco corridas em 1971, Cevert terminou a temporada em terceiro lugar. O francês não se importava em exercer a posição de segundo piloto e em duas oportunidades (França e Alemanha) chegou logo atrás do vencedor Stewart. Porém, na corrida final em Watkins Glen, Cevert se sobressaiu e conseguiu o que seria sua única vitória na F1. Ele se tornou o segundo francês a vencer na F1. Cevert também fez parte da famosa chegada do Grande Prêmio da Itália, terminando em terceiro 0.09s atrás do vencedor Peter Gethin.
Na F2, Cevert iniciou o seu último campeonato de forma avassaladora, conquistando duas vitórias (Hockenheim e Nürburgring) e um terceiro lugar, mas perdeu o foco da categoria e perdeu o título de 1971 para o seu amigo Ronnie Peterson. Para 1972, a expectativa era muito boa, mas essa temporada foi dominada pela Lotus de Emerson Fittipaldi e o novo carro da Tyrrel demorou muito a aparecer, só chegando às mãos de Cevert na metade do ano. No final da temporada, a Tyrrell mostra força com o novo carro e consegue uma dobradinha em Watkins Glen, com Stewart em primeiro e Cevert em segundo. Ainda em 1972, Cevert fez sua estréia no Mundial de Esporte-Protótipos e participou das 24 Horas de Le Mans ao lado do neo-zelandês Howden Ganley pela equipe Matra. O francês também participou do famoso Campeonato da Can-Am, terminando o campeonato em quarto lugar pela equipe McLaren, com uma vitórias e quatro pódios. Mesmo terminando apenas seis Grandes Prêmios, Cevert termina o campeonato de F1 em sexto lugar, com outro segundo lugar na Bélgica.
A boa fase da Tyrrell no final de 1972 se confirma com um ótimo início de 1973, com a equipe brigando fortemente com a Lotus de Emerson Fittipaldi e Ronnie Peterson. Ainda esperando sua vez, Cevert faz novamente seu papel de segundo piloto de Stewart e aprende cada vez mais com o escocês. Andando cada vez mais rápido, Cevert consegue seis segundos lugares, sendo que em três oportunidades, chegando logo atrás de Stewart. Quando Jackie conquista seu terceiro título mundial, as informações de que aposentaria eram fortes e Cevert seria o seu substituto natural e altura dentro da equipe Tyrrell para 1974. No Canadá, penúltima etapa de 1973, François tinha tudo para vencer pela segunda vez na carreira, mas acabou sofrendo um acidente provocado por Jody Scheckter. Furioso, Cevert partiu para cima do sul-africano e teve que ser contido para não protagonizar cenas de pugilato! A próxima corrida seria em Watkins Glen, local da única vitória de Cevert e por isso o francês estava extremamente confiante para essa prova. No intervalo entre as duas corridas norte-americanas, os casais Stewart e Peterson, juntamente com François Cevert, foram descansar nas Bermudas. Stewart brincava com Cevert, dizendo que os boatos da sua aposentadoria eram plantadas por Cevert e que só assim, o francês poderia ser Campeão Mundial. Cevert dizia que venceria o Mundial em 1974 com ou sem Stewart e que a sua nova fase se iniciaria em Watkins Glen.
Na sexta-feira, a Tyrrell mostra força e Cevert vai confiante para o segundo treino de Classificação, no dia 6 de outubro de 1973. Cevert sai dos boxes lentamente, estudando a pista e dois minutos depois, passa pela reta principal a toda velocidade, acenando para o box da Tyrrell. Então, quando se aproximou do complexo dos esses, Cevert perdeu o controle do seu carro, subiu por uma zebra e espatifou seu Tyrrell no guard-rail a 250 km/h. O impacto foi tão forte que o carro foi jogado para o outro lado da pista, se arrastando pelo guard-rail com o carro com as rodas para cima, esquartejando o corpo de Cevert. O francês de 29 anos morreu na hora. Os pilotos, quase todos muito amigos de Cevert, pararam os seus carros para tentar ajudar, mas quando viam o que tinha acabado de acontecer, se desesperavam. O brasileiro José Carlos Pace, que estava fazendo 29 anos naquele dia, sentou no chão e começou a chorar. Os médicos nem deram o trabalho de mexerem no seu equipamento e apenas tiraram o que restou do corpo do francês, que, inclusive, foi decapitado. Jackie Stewart foi um dos que presenciaram a cena e precisou ser medicado quando chegou aos boxes, juntamente com a sua esposa Helen. Então, Ken Tyrrell se dirigiu aos boxes da BRM. Ainda dentro do seu carro, Jean-Pierre Beltoise estava paralisado. Ele era casado com Jacqueline, irmã mais nova de François e teve que dar a trágica notícia para a família Cevert.
A Tyrrell se retirou do Grande Prêmio dos Estados Unidos e Stewart não pôde completar seu centésimo Grande Prêmio, resolvendo anunciar a sua decisão de que estava definitivamente fora da F1. A F1 perdia um piloto brilhante e extremamente carismático. François Cevert participou de 46 Grandes Prêmios, conseguiu uma vitória, duas melhores voltas, treze pódios e 89 pontos. Seu último ano na F1 foi o seu melhor, repetindo o terceiro lugar de 1971, e poucos duvidavam de que Cevert seria um dos grandes pilotos da metade dos anos 70, inclusive sendo campeão em 1974. Até hoje, nunca se soube ao certo o que causou a perda repentina do controle do carro de Cevert. Há uma teoria em que o francês teria passado mal pelas fortes ondulações que antecediam o local do acidente e, inclusive, ele teria vomitado no capacete antes da batida. Outra teoria foi que ele pegou uma irregularidade na pista, fazendo com que pegasse uma zebra alta (que só foi consertada em 2005, quando a IRL chegou a Watkins Glen...) e decolasse rumo ao guard-rail. Outra cena conhecida, gravada um pouco antes do acidente, mostrava Stewart dentro do carro conversando com Cevert, que estava praticamente deitado ao seu lado, conversando justamente sobre o complexo dos esses. Jackie indicava que o francês deveria entrar naquelas curvas com uma marcha mais alta, pois o carro estava muito nervoso na ocasião.
Porém, o maior dos mistérios envolvendo a morte de François Cevert estava fora das pistas. Tudo começou quinze anos antes. Anne Van Malderen, mais conhecida como Nanou, tinha 20 anos em 1959 e tinha acabado de se casar. Sua mãe chamou Nanou para a acompanhar em uma "consulta" a uma vidente. Nanou não acreditava nessas coisas do outro mundo, mas foi assim mesmo. A consulta era bem simples. A vidente olhava para a pessoa ou para uma foto por um longo tempo e depois dizia o que aconteceria num futuro próximo. Apesar de estar apenas acompanhando a mãe, Nanou foi surpreendida pela senhora, que pediu que a acompanhasse. Ela olhou nos belos olhos de Nanou e disse: "Seu casamento não vai durar, você vai encontrar um jovem que vai deixar marcas profundas em sua vida...você vai ser profundamente feliz...posso ver os olhos azuis dele...posso ver o mar...vocês vão se encontrar perto do mar". Não deu outra! Nanou se separou pouco depois e em 1964 se encantou com os olhos azuis de François Cevert na praia de Saint-Tropez. Dois anos depois, François Cevert tentava iniciar sua carreira no automobilismo e a chance para isso era vencer o torneio Volante Shell. Vendo a ânsia do amado e sabendo da importância desse torneio para Cevert, Nanou resolveu ir a vidente de sete anos antes.
Desta vez, Nanou apenas entregou uma foto de François num carro de corridas. A senhora se concentrou e disse: "Você já veio aqui antes! Você o encontrou! Que estranho, a foto dele está toda embaralhada com essa máquina estranha - tem rodas, mas não corpo - o que poderia ser?" Nanou respondeu dizendo que era um carro de corridas e que seu amado queria ser piloto de corridas. "Ele vai fazer algum tipo de teste, ele vai vencer facilmente. Vejo uma brilhante carreira à sua frente..." Depois, veio o baque. "Você vai ser muito feliz, mas não vai conseguir segurá-lo, o sucesso dele ficará entre vocês dois". Outro silêncio, e ela continua "Preciso lhe dizer outra coisa...Este jovem não viverá para completar seu aniversário de 30 anos". Nanou não sabia o que fazer, mas foi falar com Cevert. Ela falou-lhe que venceria o Volante Shell, mas que o sucesso faria com que eles se separassem. Cevert não acreditou na história e foi falar pessoalmente com a vidente. Que lhe contou a mesma história. Os dois resolveram deixar a história para lá, mas após conquistar o Volante Shell, Cevert ficou cada dia mais distante de Nanou e os dois acabariam se separando meses depois. François Cevert morreu com 29 anos e 224 dias e o Grande Prêmio dos Estados Unidos era a última corrida antes dele completar 30 anos. Alguns anos depois da morte de Cevert, com consentimento da família do piloto, Nanou voltou a casa da vidente, que a essa altura já era uma senhora de idade bem avançada. Para não entregar o jogo, Nanou levou uma foto de quando Cevert era apenas uma criança e não disse nada. A senhora olhou para a foto e ficou um bom tempo de olhos fechados. Então, ela abriu os olhos, olhou para Nanou e disse: "Ele está morto!"
A morte de Cevert, foi sem duvida nenhuma a mais violenta de toda a história da F1. Até hoje me sinto mal ao ler ou ver algo sobre este acidente.
ResponderExcluirValeu JC, belo post.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirExcelente post. Mas cabe aqui uma pequena correção: Cevert, ao contrário do que muita gente pensa, não fora decapitado. Estraçalhado pelos destroços do carro, sim; decapitado, não.
ResponderExcluirEu tenho uma foto em um livro que mostra isso claramente, com Cevert sem uma das sapatilhas e as pernas aparentemente separadas do corpo (presas apenas pelo macacão), enquanto o capacete dele parece ter sido esmagado com o impacto.
Como você deve saber, o decapitado em questão foi o austríaco Helmuth Köinigg, exatamente um ano depois, na mesma pista e na mesma curva. No mesmo dia em que Emerson Fittipaldi conquistava seu segundo título.
Obrigado pela correção Alexandre!
ResponderExcluirNunca vi uma foto muito clara sobre o acidente de Cevert, apesar de muitos afirmarem categoricamente de que o francês foi decapitado.
Caramba.
ResponderExcluirNão acredito nessas coisas de vidente mas essa história me deixou arrepiado.
Essa história de vidente é o tipo de coisa que sempre aparece depois do fato ocorrido e se exagera e inventa muita coisa e jamais pode ser comprovado.
ResponderExcluir