Quando a temporada 2018 começou, a expectativa era como seria uma disputa inédita na história de 68 anos da F1. Dois tetracampeões ativos (Lewis Hamilton e Sebastian Vettel) e donos dos melhores equipamentos à disposição (Mercedes e Ferrari), brigariam renhidamente pela honra de se igualar à Juan Manuel Fangio com cinco títulos na F1. De uma certa forma a expectativa foi cumprida. Até a metade do campeonato, houveram várias trocas de liderança entre os dois pilotos, mas depois das férias de verão, Hamilton soube se aproveitar dos vários erros cometidos por Vettel e a Ferrari para se sobressair e conquistar seu quinto título, sendo quatro nos últimos cinco anos.
Mesmo com uma temporada cheio de histórias boas, a F1 foi bastante criticada nesse 2018. O automobilismo em geral está passando por uma crise em ser entretenimento ou esporte e a linha tênue entre esses dois lados confunde dirigentes. Para dar um exemplo, a Nascar mudou a cara de suas corridas segmentando-as e dando pontos para os pilotos num complicado sistema de classificação. A desculpa era para dar emoção às corridas, porém, é histórico a categoria de stock-car americana ter corridas longas, com 400, 500 e até 600 milhas por prova. Porém, os dirigentes americanos resolveram dividir a corrida para trazer mais público e o resultado foi que a Nascar se transformou numa equação derivada de terceiro grau que somente confunde a cabeça dos torcedores. Antigamente era apreciado um piloto conseguir dominar um final de semana de corrida. Ok, pode não ter havido emoção por uma batalha por vitória, mas ver um piloto dominar seus pares era motivo de orgulho. Hoje, não mais. A F1 foi severamente criticada por o campeonato ter sido definido com duas provas de antecipação. Que apenas quatro equipes subiram ao pódio. As ultrapassagens ficaram ainda mais difíceis com o aumento da velocidade. Contudo, isso SEMPRE aconteceu na história da F1. Domínios são mais comuns do que imaginamos, sendo que 2018 não houve domínio claro de uma equipe. Na verdade, em várias ocasiões, três equipes brigavam pela vitória, algo até raro nos últimos 30 anos. Recordo que entre 1998 e 2000, McLaren e Ferrari dominavam a F1 com o pé nas costas. Em 1999 foi uma temporada tão atípica, que a Jordan de Frentzen se meteu na briga levemente, mas no fim a briga ficou mesmo entre Ferrari e McLaren. Quando a BMW construiu o melhor motor e a Williams voltou a brigar pela vitória em 2001, houve festa na F1. Voltando a 2018, Mercedes, Ferrari e Red Bull abriram um abismo para as demais equipes e dividiram todas as vitórias, com cinco pilotos subindo no alto do pódio. Algo até banal, se olharmos para os últimos anos, mas ainda assim, a F1 mudará bastante em 2019.
Até que essas mudanças venham, Lewis Hamilton comemorará bastante. O inglês está chegando ao seu auge técnico, muitas vezes sobressaindo ao lado mental, que cada vez menos lhe atrapalha. Hamilton teve uma temporada de altíssimo nível e mesmo tendo o melhor carro do ano, conseguiu se sobressair com exibições de tirar o fôlego, principalmente em ritmo de classificação. Sua volta em Cingapura foi daquelas de entrar para a história, assim como os números do inglês já estão na história da F1. Se não bastassem os cinco títulos mundiais, Hamilton tem mais de 80 poles no cartel e mais de 70 vitórias na carreira. São números superlativos para uma carreira já brilhante e superlativa. Enquanto Hamilton estiver correndo, não dá para cravar o lugar do inglês na história, mas que Lewis já está nela, não restam dúvidas. Com uma confiança tão grande que sai pelo ladrão, Hamilton hoje tem a Mercedes como sua casa e a Mercedes faz questão de ter Hamilton como o seu diferencial. Em alguns momentos a Mercedes foi claramente superada pela Ferrari, mas graças à pilotagens sobrenaturais de Hamilton, a inesperada vitória veio, como no casa da belíssima corrida em Monza. Quem não se aproveitou disso foi Valtteri Bottas. O finlandês terminou 2017 com vitória e até começou o ano bem. Estava liderando em Baku e a vitória também lhe daria a ponta do campeonato, mas um pneu furado destruiu os sonhos de Bottas, assim como sua temporada. O nórdico teve uma temporada terrível a partir de então, ficando quietamente como a sombra de Hamilton, cedendo uma vitória na Rússia, mas de alguma forma atrapalhou um pouco a Mercedes, que teve que esperar uma corrida para garantir o Mundial de Construtores. Sabendo que Hamilton funciona ainda melhor sem pressão dentro dos boxes, a Mercedes renovou contrato com Bottas, mesmo o finlandês reconhecendo que ficou devendo e muito em 2018. Se não melhorar muito, Bottas sabe que 2019 será sua última temporada numa equipe grande. Inclusive, seu substituto está escolhido.
Se o campeonato foi decidido praticamente sem briga com duas provas de antecipação, a culpa também recai na Ferrari e, principalmente, em Vettel. Natural sucessor de Michael Schumacher, Vettel tinha na sua mentalidade um dos pontos fortes para derrotar Hamilton e sua maior habilidade. Pois foi justamente o psicológico que afetou decisivamente Vettel e ajudou a Hamilton vencer o campeonato de forma tão tranquila. Vettel estava com a faca e o queijo na mão na Alemanha. Correndo em casa, o alemão liderava quando apareceu uma chuva. Considerado um especialista na área (a primeira vitória de Vettel aconteceu debaixo de um dilúvio em Monza), Vettel errou sozinho e praticamente entregou a vitória para Hamilton, que nunca mais perdeu a liderança do campeonato. Se o seu rival estava com a confiança renovada, o contrário aconteceu com Vettel. Foi uma sucessão de erros de Seb que chamou a atenção, por se tratar de um tetracampeão. Em quatro corridas (Itália, EUA, Japão e México), Vettel tocou com alguém na primeira volta numa tentativa otimista de ultrapassagem. Esses erros jogaram Vettel para as últimas posições e mesmo escalando o pelotão, o estrago estava feito. Os pontos perdidos para Hamilton foram decisivos, além da Ferrari ter sofrido o baque da morte do seu presidente e líder Sergio Marcchione, no meio da temporada. Pelo segundo ano consecutivo, a Ferrari lutou com a Mercedes até o verão europeu e caiu de rendimento depois. A diferença foi que seu principal piloto cometeu erros que não condizem a um tetracampeão. Sempre houve a expectativa de uma briga direta entre Hamilton e Vettel, dois dos melhores pilotos dessa geração, mas até o momento, o inglês vai levando uma bela vantagem em cima de Vettel, que começa a ser questionado no sempre turbulento bastidor da Ferrari. Um desses indícios foi a saída de Kimi Raikkonen. O finlandês é amigo de Vettel e sempre se mostrou útil para o alemão, ou seja, não questionando a liderança de Vettel dentro da Ferrari. Raikkonen também conseguia pontos para a Ferrari no Mundial de Construtores, mas sua pilotagem burocrática também pesou contra ele. Em vários momentos, Raikkonen fazia uma tática diferente, se tornava o piloto mais rápida da pista, mas bastava ter que ultrapassar e o Kimi ficava placidamente atrás do rival. Foram várias corridas assim, dando a sensação que Raikkonen estaria se aposentando no final do ano. Quando tudo indicava a isso, Kimi anunciou que está voltando às origens na Sauber, onde correrá por dois anos, ou seja, com mais de 40 anos de idade. Raikkonen ainda conseguiu uma emocionante vitória em Austin, se tornando o finlandês com mais vitórias na F1 e provavelmente dando seu canto do cisne.
A Red Bull continuou seu relacionamento turbulento com a Renault, o que acabou trazendo a ruptura e em 2019 os austríacos correrão com o ainda problemático motor Honda. Somente Ricciardo teve oito abandonos, sem contar os problemas nos treinos. Max Verstappen teve mais sorte e pode mostrar seu talento natural, talvez o maior da F1 hoje em dia. O começo da temporada do holandês foi complicado, com erros e toques evitáveis, como o que deu em Vettel na China. Quando todos pensavam que Max poderia se tornar apenas mais um piloto agressivo demais, ele foi se domando e teve uma segunda metade de temporada excepcional, com vários pódios seguidos. Porém, seu momento marcante foi em Interlagos, quando foi tirado da pista pelo retardatário Esteban Ocon quando liderava e depois da corrida foi tirar satisfação com o francês. Isso fez com que Verstappen ganhasse ainda mais fãs pelo seu jeito franco e direto de ser fora da pista, pois dentro da pista ele já não tem nada a mostrar. Se Hamilton vive se comparando à Senna, talvez o piloto mais próximo do saudoso brasileiro seja mesmo Verstappen. Só resta saber quanto tempo a Red Bull terá para se adaptar ao motor Honda, que nesse ano ainda teve muitas quebras com a Toro Rosso, mas se comportou bem melhor em termos de desempenho. Quando tudo indicava que Ricciardo renovaria com a Red Bull, o australiano surpreendeu ao assinar com a Renault, num movimento inesperado, mas lógico. Mesmo a Renault ainda não conseguindo se tornar uma equipe top, é uma equipe de fábrica e tem muito potencial pela frente. Dentro da Red Bull, Ricciardo já percebia que o piloto a ser tratado como o novo darling era mesmo Verstappen e para o australiano, talvez seu lugar seria relegado como segundo piloto. Ricciardo agora liderará uma equipe de fábrica numa empreitada que, se der certo, o colocará novamente como piloto de ponta em breve.
As equipes grandes conseguiram uma vantagem técnica sobre as demais que chegou a assustar. No Canadá, Nico Hulkenberg foi sétimo e tomou uma volta... do sexto colocado! As equipes do pelotão intermediário reclamaram da falta de chances de pelo menos brigar pelo pódio, façanha só conseguida por Sergio Pérez na complicada corrida em Baku. Apesar do resultado, a Force India escondia uma séria crise financeira e no meio do ano a equipe entrou em falência, mas foi salva por Lawrence Stroll. A partir de 2019, a equipe passará a se chamar Racing Point e como não poderia deixar de ser, Lance Stroll entrará na equipe. Pérez e seus dólares vindo do México permanecerá. Sobrou para o bom Ocon, que fez uma temporada muito boa, mostrando muito talento, mas sua ligação com a Mercedes dificultou todas as negociações que apareceram. De fora em 2019, resta à Ocon a certeza de que se Bottas repetir o desempenho pífio de 2018, o francês deverá ser o companheiro de equipe de Hamilton na Mercedes em 2020. A Force India só não foi quarta colocada no Mundial de Construtores por ter perdido os pontos que conseguira até ser vendida para Stroll, mas foi uma das protagonistas do pelotão intermediário. A Renault ainda não desabrochou como equipe de ponta e a demora para isso acontecer já coloca pressão nos dirigentes franceses, que ainda tiveram que engolir das suas clientes críticas ao motor Renault. Mesmo tendo a força de Hulkenberg, a Renault só conseguiu a vaga de melhor do resto com a falência da Force India, mas com Ricciardo terá que se reinventar para não passar o mico de deixar o australiano como um móvel do pelotão intermediário.
Haas e Sauber, com o irrestrito apoio da Ferrari, conseguiram um enorme destaque em 2018, só que ambas tiveram diferentes motivos para se ater para ficar na ponta. Enquanto a Haas tinha o equipamento, lhe faltou piloto. Já na Sauber, muitas vezes o piloto fez a diferença com o equipamento que tinha. Logo na primeira corrida a Haas teve chances de pontuar com seus dois pilotos em Melbourne, mas um par de erros nos pit-stops de Magnussen e Grosjean destruiu o sonho da Haas. A recuperação veio logo, mas ficou a sensação que ficou um pouco abaixo do esperado por culpa da dupla da Haas. Magnussen mostrou muita velocidade, mas também muita polêmica em disputas ríspidas com seus colegas do pelotão intermediário, fazendo do danês o pilotos mais detestado no paddock. Já Grosjean cometeu erros inacreditáveis para um piloto que já tem dez anos de paddock. A sua batida em Baku, durante o safety-car, foi digno de nota. Porém, de forma surpreendente, os dois tiveram contrato renovado, mas terão muito o que provar em 2019. Já na Sauber, a qualidade de Charles Leclerc fez brilhar muitos olhos na F1. O novato começou o ano devagar, mas rapidamente Leclerc começou a conseguir resultados fora do esperado, como o sexto lugar em Baku. O monegasco, ligado a Ferrari, começou a ocupar o Q3, elevando o nível da Sauber, nos últimos tempos o patinho feio da F1. Tamanho desempenho fez com que Leclerc fosse alçado como piloto da Ferrari em 2019, além de maximizar a fraqueza de Marcus Ericsson, que mesmo trazendo muito dinheiro, ficará de fora do grid ano que vem. A Toro Rosso serviu de laboratório para a Honda e o previsível contrato com a Red Bull. Se serviu de consolo, a Toro Rosso revelou a exuberância de Pierre Gasly e a ruindade de Brendon Hartley.
Equipes tradicionais e gloriosas, foi duro ver em vários momentos McLaren e Williams fechando o grid e as corridas na segunda metade da temporada. As duas iniciaram o ano com expectativas altas, mas a realidade foi bem diferente. Depois de uma turbulenta relação com a Honda, a McLaren voltou a se tornar uma equipe cliente, usando os motores Renault, mas pela lógica, a McLaren queria brigar com a Red Bull e retornaria à luta por pódios e, quem sabe, vitórias. Com a tradicional pintura laranja e com Fernando Alonso avalizando a mudança, tudo se tornou um pesadelo em 2018, com a McLaren fazendo uma temporada até pior do que os anos anteriores, causando em Alonso a sensação de que seu tempo na F1 ter acabado, o mesmo acontecendo com Stoffel Vandoorne, um piloto que foi muito bem nas categorias de base, mas viu sua carreira ruir com o carro ruim da McLaren, que teve toda a sua cúpula trocada, com a chegada de Gil de Ferran. E ele terá muito trabalho. A McLaren teve sua pior temporada em anos, onde normalmente fazia companhia à Williams como últimas colocadas. A temporada medíocre da Williams era até esperada, mas piorou aos poucos com as notícias da não-renovação da Martini e a saída de Stroll da equipe. Não Lance, mas Lawrence e seus milhões de euros. É nítido que Lance Stroll ainda não tem condições de ser um bom piloto de F1, com o jovem canadense sendo superado pelo novato russo Sergey Sirotkin, principalmente nas classificações. Porém, mesmo com aporte financeiro, o russo acabou saindo da equipe e Robert Kubica, retornando de forma surpreendente a F1, também levando dinheiro para a Williams, que se apequena cada vez mais.
Por sinal, a F1 terá um 2019 recheado de mudanças. Nunca nos últimos trinta anos a F1 viu tantas mudanças no seu grid. Se 2018 viu os mesmos pilotos estarem no grid (algo inédito) e todos pontuarem (também algo inédito), isso não serviu para segurar muitos pilotos e as trocas acontecerão aos montes. Nas equipes grandes, apenas a Mercedes manteve sua dupla, mesmo que Bottas já esteja de antemão na berlinda. A Ferrari terá Vettel tendo que lidar com a fogosidade de Charles Leclerc. Tendo que se adaptar ao motor Honda, a Red Bull terá uma dupla de pilotos muito jovem, com Verstappen e Gasly. Ricciardo formará uma dupla forte com Hulkenberg na Renault. Sauber, Toro Rosso, McLaren e Williams trocará seus dois pilotos para 2019. Alonso se aposentou e cedeu seu lugar ao compatriota Carlos Sainz, que desapontou na Renault e agora tentará refazer sua carreira na McLaren, além de levar sozinho a bandeira da Espanha na F1. O protegido Lando Norris será companheiro de Sainz, só que ao contrário de Hamilton, Norris terá uma missão difícil com uma McLaren bem diferente do que Hamilton encontrou 12 anos atrás. A Williams terá a volta de Kubica e para agradar a Mercedes, recebeu o pupilo George Russell, atual campeão da F2. A Sauber também fará agrados à Ferrari, não deixando Raikkonen se aposentar, enquanto promoverá a estreia de Antonio Giovinazzi, protegido dos italianos. Na Toro Rosso, Daniil Kvyat fará um retorno tão surpreendente quanto Kubica, mas se a surpresa do polaco será pela condição física, o que impressiona no caso de Kvyat é a forma como foi tratado pela Red Bull, dispensado várias vezes, mas o russo ainda voltando. O que poderá esperar do futuro da dupla Kvyat/Red Bull? Provavelmente nada. Para o lugar do pífio Hartley, a Red Bull colocou o jovem Alexander Albon, terceiro colocado na F2. Um grid bastante renovado para uma geração que está indo embora. Em 2016 foi Button, ano passado foi Massa e agora foi Alonso, só restando Raikkonen dos pilotos que entraram na F1 no começo dos anos 2000. Vettel e Hamilton já passaram dos trinta anos, com pilotos como Verstappen, Ocon, Gasly e Leclerc já pedindo passagem. Até porque está chegando a dupla inglesa e talentosa Norris e Russell.
A F1 vai se renovando, mas 2018 ficará marcado como a apoteose de Lewis Hamilton, que já o coloca como um dos grandes da história da F1. O esperado encontro com Sebastian Vettel, várias vezes adiado por motivos alheios, vai até agora ficando bastante desequilibrado à favor de Hamilton. Alonso poderia estar nessa briga, mas seu complexo temperamento não deixou e o espanhol está saindo de cena, mas o espanhol fará falta. Muitos pilotos sairão para dar entrada a outros em 2019. É assim a roda-viva da F1. Resta sabermos aprecia-la.