A alegria pela subida de divisão no ano passado estava se tornando um pesadelo nas primeiras rodadas do Ceará na Série A do Campeonato Brasileiro. Sempre admiti que o Ceará iria participar da elite do futebol brasileiro sempre olhando para baixo na tabela de classificação. A briga seria contra o rebaixamento até pela diferença de investimento brutal entre o Ceará e os grandes do futebol brasileiro. Porém, o início do campeonato de 2018 foi bem pior do que o imaginado. Apesar das quatro pedreiras nas primeiras rodadas, ninguém imaginava um início de campeonato tão ruim. Foram precisos quatro jogos para fazer um gol. Cinco pontos nos doze primeiros jogos. Significando não apenas um início de campeonato terrível, mas como a quase certeza de um vergonhoso rebaixamento antes mesmo da metade do primeiro turno.
Brigar contra o rebaixamento é um coisa. Ser saco de pancadas é outra bem diferente. E era esse o papel do Ceará no campeonato. Ninguém nos respeitava!
O bom Marcelo Chamusca não aguentou o péssimo início e o Ceará trouxe para o seu lugar Jorginho, um excelente lateral-direito, mas com bons resultados pontuais como técnico. Foi ainda pior. O Ceará só perdeu e o carioca ainda traiu o time da pior forma possível. Aceitando uma proposta do Vasco, Jorginho deixou o Ceará praticamente na mão na calada da noite. Então, meio que no desespero, veio Lisca. Lisca Doido. Tinha que ser doido mesmo para assumir o Ceará naquela situação, mas o gaúcho já tinha mostrado sua dose de loucura quando salvou o Ceará de um rebaixamento certo em 2015. Contudo, três anos atrás eram apenas nove jogos e na Série B, onde o Ceará tinha mais time, mas tinha vários problemas internos que quase causou o vexame de ir para a temida Série C.
A chegada de Lisca parecia um ato desesperado. O raio não iria cair duas vezes no mesmo lugar. Série A é bem diferente de Série B. As contratações não empolgavam. O time do primeiro semestre que jogava um bom futebol não engrenava e jogadores eram dispensados. Parecia que nada poderia nos salvar.
Então veio a parada para a Copa do Mundo. O Ceará com Lisca tinha mostrado outra postura em comparação aos jogos anteriores. A parada serviria como uma nova pré-temporada, mas numa situação calamitosa. Éramos piada no Brasil todo. O primeiro jogo na volta da Copa seria contra o Sport no PV, jogo que estive presente e vi bem de perto Arthur fazer o gol da primeira vitória do Ceará no campeonato. Parecia muito pouco, mas era um alento. A primeira vitória fora de casa seria contra o Paraná, esse sim, o saco de pancadas do campeonato. Quem fez o gol foi Juninho Quixadá. Vou dar a minha mão a palmatória. Vindo do Ferroviário, que foi campeão da Série D e que não tinha físico para jogar os 90 minutos nas divisões inferiores do campeonato brasileiro, pensei que ele não daria certo. Não tinha como dar certo. OK, ele jogou Champions League, mas se destacar na Série D é bem diferente de se destacar na Série A. O jogo contra o Fluminense me provou o contrário. Numa jogada inteligente, meu quase conterrâneo deu uma assistência para Leandro Carvalho fazer o gol da vitória. Leandro Carvalho. Outro jogador que desacreditei quando voltou ao Ceará após uma passagem pífia pelo Botafogo e ainda vindo de uma operação no joelho. Também conhecido como Leandro 'Cachaça', sempre foi um jogador problema, mas no Ceará ele se transforma.
Contra o Flamengo num Maracanã lotado, Leandro Carvalho chutou de longe no finalzinho do jogo para conseguir uma vitória inacreditável. Três dias depois, o nosso paredão Everson mostrou que não se garante apenas com as mãos. Com uma falta batida com perfeição, ajudou o Ceará a ganhar do Corinthians. Nos programas de futebol pelo Brasil, o Ceará deixava de ser piada. Passava a ser respeitado. Jogo contra o Ceará seria jogo duro, como disse Luiz Felipe Scolari, técnico campeão com o Palmeiras antes de enfrentar o alvinegro em São Paulo.
As vitórias, tão raras no primeiro turno, começaram a brotar. Algumas surpreendentes, como o 2x0 em cima do Cruzeiro em pleno Mineirão logo após os mineiros serem bicampeões da Copa do Brasil. O belo time do Atlético Mineiro foi derrotado dentro do Castelão poucos dias depois. A lanterna tinha ficado para trás e agora a briga era sair da zona. Houve alguns percalços, mas na penúltima rodada, o Ceará enfrentou o bom time do Atlético Paranaense e mesmo com os paranaenses jogando com o time reserva, vinham de doze vitórias seguidas em casa e o Ceará quase venceu, conseguindo o empate. Com os demais resultados, o Ceará estava livre do rebaixamento com uma rodada de antecedência. Quem poderia imaginar isso vendo o começo do campeonato? Posso dizer que eu não e ninguém poderia sequer sonhar com esse milagre. A vaga na Sul-Americana não veio, mas isso pouco importava. O Castelão estava lotado para ver o Ceará quase rebaixar o Vasco, que tirou Jorginho do Ceará na surdina e o treinador foi embora praticamente sem dizer tchau. Acabou demitido logo depois e ficou com a fama de traíra.
A parcial imprensa cearense teve que engolir o Ceará escapando com alguma sobra após dizerem que o time não prestava, porém foi praticamente com os mesmos jogadores que iniciaram o campeonato de forma terrível que conseguiram uma virada mágica no campeonato, deixando o Ceará como a oitava melhor campanha do segundo turno. Foram vitórias contra times tradicionais e com orçamentos infinitamente superiores e derrotas caras, que fez muita gente dizer que o Ceará merecia melhor sorte.
Esse pequeno milagre teve vários artífices. Everson, Tiago Alves, Samuel Xavier, Luis Otávio, Richardson, Quixadá e Arthur. Mas sem sombra de dúvida, o protagonista foi mesmo Lisca. Ele pegou o time numa situação desesperadora e mudou o time da água para o vinho com as mesmas peças. Considerado folclórico pelo apelido de doido, Lisca de doido não tem nada e fez um trabalho que foi elogiado por todo o Brasil. Extremamente carismático, fez a torcida do Ceará acreditar novamente e com o apoio da nação, o milagre foi consumado.
Não devemos esquecer que o ano seguinte ao primeiro milagre de Lisca foi muito ruim e que o treinador muitas vezes inventou até ser demitido. A diretoria do Ceará precisa entender que o estadual não é parâmetro e que jogadores de qualidade tem que ser trazidos. A lição deve ser aprendida! No entanto, depois de tanta angústia e sofrimento, agora iremos apenas comemorar mais um louco milagre protagonizado por Lisca.
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