Frank Williams ficou com uma fama esquisita dentro do paddock da F1 de nunca produzir pilotos bicampeões em sua equipe e até mesmo dispensa-los após levar sua equipe ao título. Nelson Piquet, Nigel Mansell e Damon Hill foram exemplos clássicos dessa política de Frank. Um dos motivos para, mesmo admirando seus pilotos, incluindo os três citados, Frank Williams não ter um relacionamento muito estreito com os pilotos de sua equipe aconteceu cinquenta anos atrás, com a trágica morte de Piers Courage.
O inglês Piers Raymond Courage era um piloto das antigas. Muito rico e formado das melhores escolas inglesas, Piers era herdeiro da cervejaria Courage e da dinastia Brewing. Porém, quando decidiu se tornar piloto profissional, Courage teve um forte atrito com seu pai e com isso, não teve nenhum apoio na sequencia de sua carreira. Courage teve que morar num pequeno flat em Londres, sobrevivendo dos prêmios de corrida. De educação refinada, Courage era bastante popular entre seus pares, mas era seu talento que chamava atenção. Após um ano correndo com um Lotus 7, Courage se mudou para a F3 em 1964 e no seguinte Piers fez uma temporada muito boa, incluindo quatro vitórias. Foi justamente em 1965 que Courage encontrou um aspirante a piloto que, percebendo sua falta de talento, já pensava em sair das pistas para se tornar chefe de equipe. Seu nome era Frank Williams. Courage e Williams se tornaram grandes amigos e parceiros.
Em 1966 Colin Chapman contrata Courage como piloto de sua equipe de F3 e mesmo com um carro inferior, Piers conseguia bons resultados, chamando atenção de vários chefes da F1 na época. Em 1967 Courage faz sua estreia na F1 com um Lotus de F2 em Nürburgring, quando o grid era completado com carros da categoria inferior. Os resultados de Courage chamaram a atenção da equipe BRM, que o contrata ainda em 1967, porém, da mesma forma que era educado fora das pistas e muito talentoso, Piers Courage se envolvia ainda em muitos acidentes, causando três abandonos e terminando com a paciência de Reg Parnell. Para 1968 Courage compra uma McLaren para participar da Tasman Series, categoria que acontecia na Oceania utilizando carros de F1, numa espécie de pré-temporada competitiva. Courage faz um ótimo campeonato, vencendo uma corrida e andando no mesmo nível das estrelas da época. Esses resultados encorajaram Reg Parnell a voltar investir em Courage, que participou de sua primeira temporada completa da F1 em 1968. Os resultados começaram a aparecer e Piers conquistou um ótimo quarto lugar em Monza. Em paralelo, Courage corria pela equipe de Frank Williams com bons resultados na F2.
Com 25 anos e se estabelecendo na F1, Courage parecia um nome para o futuro, mas se mantinha fiel a Frank. Piers recebeu uma proposta da Lotus para substituir Clark, além de uma proposta de correr pela Ferrari no Mundial de Marcas. Todas foram recusadas por Courage para manter sua parceria com Frank Williams. Para 1969 Williams se gradua para a F1 e teria como piloto Courage. Correndo com um Brabham privado, Courage consegue uma temporada espetacular, com direito a dois segundos lugares em Mônaco e Watkins Glen, fazendo o inglês terminar o campeonato em oitavo, na frente de pilotos como Chris Amon e Pedro Rodríguez. Contudo Frank Williams se juntou ao construtor ítalo-argentino Alejandro de Tomaso para 1970, estreando o complicado chassi De Tomaso. O carro era pesado e pouco confiável, mas Courage ainda fazia milagres, como o terceiro lugar no International Trophy, uma corrida fora do campeonato.
No dia 21 de junho de 1970, dia da final da Copa do Mundo entre Brasil e Itália no México, a F1 foi para Zandvoort cheio de novidades. Após muito relutar, Rindt estava um pouco mais confiante no Lotus 72, que teria uma nova versão na Holanda. John Miles correria com uma versão anterior do Lotus 72 e por muito pouco a Lotus não teria um terceiro carro naquele dia. O jovem brasileiro Emerson Fittipaldi foi convidado por Chapman para estrear no Grande Prêmio da Holanda, mas o brasileiro não se achou preparado, porém, Zandvoort veria duas estreias importantes. Apostas de equipes fortes da época, François Cevert era formado pela Tyrrell, enquanto Clay Regazzoni era um protegido da Ferrari. Os dois fariam suas primeiras corridas na F1 em Zandvoort. Na equipe Williams, Piers Courage tirava outro coelho da cartola ao colocar o complicado De Tomaso na nona posição no grid holandês, que teve como pole Jochen Rindt, mostrando todo o potencial do Lotus 72.
A corrida começou sem maiores problemas e dos boxes, Frank Williams via com entusiasmo a boa exibição de Piers Courage. O inglês estava na sétima posição, apenas um posto de entrar na zona de pontuação, quando cruzou a 22º volta em frente a reta dos boxes. Na passagem seguinte, os seis primeiros passaram na reta dos boxes e Courage não apareceu. Frank Williams já se conformava com mais um triste abandono, quando apareceu uma fumaça negra atrás dos boxes. Sem maiores informações, Frank perguntou qual carro ardia. A resposta foi cruel: era o seu carro.
Numa ondulação na Tunnel Oost, a delicada suspensão dianteira do De Tomaso quebrou e Courage nunca teve chance de controlar o carro, que foi reto e se espatifou num barranco. O carro se quebrou em dois e imediatamente um grande incêndio começou. As chamas chegaram a queimar a vegetação local e os bombeiros tiveram muito trabalho em debelar o incêndio. Courage permaneceu imóvel dentro do carro e logo percebeu que o inglês já estava morto antes mesmo do incêndio. Na batida, uma roda arrancou o capacete de Courage, matando-o na hora. Jochen Rindt venceu de forma dominante em Zandvoort, mas ao sair do carro, foi informado da morte de Piers Courage. Rindt e Courage tinham a mesma idade (28) e eram grandes amigos, o mesmo acontecendo com as suas esposas. Stewart e Ickx, que completaram o pódio também estavam arrasados. Piers Courage era um dos pilotos mais populares da F1 e houve uma enorme comoção com seu passamento. Ao encontrar sua esposa após o pódio, Rindt prometeu a ela que se aposentaria no final daquele ano. Infelizmente sabemos que isso não foi possível.
Aos 28 anos de idade, Piers Courage deixou esposa e dois filhos, mas também a sensação que poderia se tornar um piloto de ponta num futuro próximo. Courage também deixou órfão seu parceiro Frank Williams. Segundo consta, nunca Frank ficou tão abalado como naquele dia de junho de cinquenta anos atrás. A morte de Courage adiou a evolução da equipe Williams e deixou para sempre marcas profundas em Frank.
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