Tornou-se comum o meme de alguém dominante usando a luva de Thanos no filme Vingadores Guerra Infinita e dizer 'eu sou inevitável'. A F1 sempre teve domínios, mesmo que eles estejam se tornando alarmantemente frequentes nos últimos quarenta anos, fazendo com que recordes antigamente intocáveis sendo quebrados com uma taxa impressionante. Assim como titã imaginário da série da Marvel, Max Verstappen pode dizer que é 'inevitável', olhando para a temporada 2023. Quando aportou na F1 com apenas 17 anos de idade, era claro que Max Verstappen era um diamante bruto. O neerlandês foi se moldando ao longo dos anos, sempre mostrando uma velocidade incrível, mesmo que acidentes o terem feito ser criticado, ninguém poderia negar o talento de Max. Quando venceu o seu primeiro título numa disputa fratricida contra Lewis Hamilton, Verstappen tirou um enorme peso das costas e dominou a F1 com 2022 após uma rápida disputa contra a Ferrari de Charles Leclerc. Recordes já tinham sido quebrados no ano anterior, com Max vencendo quinze corridas numa única temporada. Mais maduro, melhorando sua visão de corrida e tendo como aliado uma equipe que orbita em torno dele, Max Verstappen refinou ainda mais sua pilotagem, se tornando um piloto simplesmente imbatível nessa temporada. Max contou com a ajuda de Adrian Newey, que entre tantos carros históricos, projetou o Red Bull RB19, muito provavelmente sua obra-prima. Max Verstappen usou esse carro já mitológico para refazer os números da F1 e bater praticamente todos os recordes possíveis numa mesma temporada, se tornando inevitável, como Thanos no filme de 2018.
Como em todo domínio acachapante, a temporada 2023 da F1 esteve muito longe de nos proporcionar entretenimento. Me vem à mente a temporada 2002, quando a F1 viu a Ferrari brincar com os rivais de uma forma até mesmo humilhante para elas, fazendo Max Mosley tentar medidas desesperadas para tentar parar os italianos. Fora um ano triste 21 anos atrás, onde a Ferrari fez o que queria, inclusive a famigerada ordem de equipe para Barrichello deixar Schumacher passar. O conjunto Max Verstappen/Red Bull RB19 tornou a temporada 2023, em boa parte das corridas, aborrecida, mas o domínio da Red Bull lembrou outra temporada de predomínio, que foi o que a McLaren fez em 1988. No começo do ano, a forma como Verstappen pilotou seu novo carro fez com que a F1 vivesse a expectativa de que a Red Bull vencesse todas as corridas da temporada, lembrando que trinta e cinco anos atrás haviam seis corridas a menos. Isso quase aconteceu. Afora um final de semana fora da curva em Singapura, a Red Bull venceu 21 de 22 corridas, melhorando a incrível média da McLaren dominante de 1988. Mas no final da década de 1980 houve uma divisão clara entre Senna e Prost, em 2023 Verstappen não deu muita chance à Sergio Pérez. O mexicano começou o ano muito bem, vencendo duas corridas em quatro e chegando a levantar a questão se poderia enfrentar Max, mas tudo não passou de um fogo de palha. A derrota para Verstappen em Miami, quando Verstappen largou em nono e antes da metade da corrida ultrapassou Pérez destruiu a frágil mentalidade de Checo. O mexicano entrou numa espiral negativa que fez com que a Red Bull pensasse muito seriamente em substitui-lo em 2024 e Pérez dava motivos para isso. Sergio chegou a passar cinco classificações sem ir ao Q3, um verdadeiro vexame para quem tem um carro histórico nas mãos. Pérez fez muitas corridas de recuperação, algo que o mexicano já havia feito algumas vezes desde que estreou na Red Bull, mas não faltaram corridas ruins de Checo, aumentando a pressão sobre ele, criando um círculo vicioso que quase fez Pérez perder um vice-campeonato que deveria estar garantido a muito tempo. No fim Pérez conseguiu completar uma inédita dobradinha para a Red Bull e garantir seu lugar na Red Bull em 2024, mas está claro que Checo não terá seu contrato renovado. A confiança de Pérez foi outro fator que Verstappen quebrou em 2023. Max teve uma temporada em que quebrar recordes se tornou algo habitual. Foram dez vitórias consecutivas e dezenove vitórias no total. Um domínio colossal, que o fez pular da sexta para a terceira posição no ranking dos maiores vencedores da história da F1. Houveram alguns problemas para Max. Ele largou algumas vezes no meio do pelotão, mas ter Max nos retrovisores praticamente faziam com que os demais pilotos sequer brigassem com ele na pista por simplesmente não valer a pena. Se em ritmo de classificação a Red Bull não era dominante, em ritmo de corrida, resguardando os pneus, a equipe austríaca era imbatível e Max Verstappen se tornou um mestre em economizar borracha, não importando a dureza que a Pirelli colocasse em cada final de semana. Max se tornou inevitável.
Um fato que ajudou o domínio da Red Bull foi a falta de consistência de suas rivais. Atualmente Ferrari e Mercedes são as equipes que tem estrutura suficiente para fazer frente à Red Bull, além de contar com pilotos que já derrotaram Verstappen em mais de uma oportunidade, mas ambas as equipes tiveram seus problemas e não raras vezes, ficavam atrás de outras equipes. A Mercedes insistiu no erro com o conceito do zero-pod aparecendo novamente nesse ano e isso se mostrou um erro crasso da equipe comandada por Toto Wolff. Ainda no primeiro terço do campeonato a equipe trouxe um carro mais convencional, mas o estrago já estava feito, pois mais pareceu um remendo do que algo mais enraizado, fazendo com que o Mercedes W14 se tornasse incrivelmente instável ao longo do ano. Para piorar, a Mercedes sempre se pareceu perdida em tentar identificar o motivo do carro se comportar de forma tão oscilante, de circuito a circuito. Hamilton ainda conseguiu um miraculoso terceiro lugar no campeonato, mesmo completando dois anos sem vitórias, algo que mexe bastante com o ego de um piloto com mais de cem vitórias no ano. Na melhor corrida do inglês, em Austin, foi desclassificado por problemas na altura do carro e isso fez com que Hamilton terminasse o ano em baixa, não tendo fôlego para ir para cima de um fragilizado Pérez na luta pelo vice-campeonato. George Russell fez uma temporada abaixo depois de superar Hamilton ano passado. O jovem inglês não conseguiu mostrar sua principal qualidade, que é a solidez e em 2023 teve seus primeiros entreveros com Hamilton, causando pequenas polêmicas dentro do feudo de Wolff. A Ferrari teve um ano em que o novo chefe de equipe Frederic Vasseur falou que faltou aproveitar melhor as oportunidades. A Ferrari conseguiu quebrar a invencibilidade da Red Bull com Sainz, com o espanhol conseguindo ficar à frente de Leclerc a maior parte do ano na base da sua conhecida consistência, mas o incidente em Las Vegas fez com que Sainz perdesse ritmo e de uma briga pelo quarto lugar no Mundial de Pilotos, caiu para sétimo lugar. Leclerc manteve a mesma velocidade em ritmo de classificação, mas sua mentalidade o pregou algumas peça, mesmo que em performance, era claro que o monegasco era superior à Sainz, isso só se transformou em pontos na última corrida. A Ferrari quase tirou o vice-campeonato da Mercedes na última etapa, ficando apenas três pontos dos alemães, mas as duas podem dar as mãos e chorar os vários erros de gestão e conceitos, que fizeram Mercedes e Ferrari serem humilhadas pela Red Bull.
Isso abriu caminho para outras equipes conseguirem bons resultados. Ainda nos testes de pré-temporada a Aston Martin se mostrou uma equipe a se observar. Saindo de um 2022 decepcionante, o time verde recebia Fernando Alonso e pela primeira vez em anos, o espanhol pareceu ter acertado uma troca de equipe. No início do campeonato a Aston Martin foi a segunda força da F1 e Fernando Alonso se aproveitou para conseguir inúmeros pódios, chegando a sonhar com uma vitória, porém, a Aston Martin aprendeu que tão difícil que construir um carro, é desenvolver um ao longo do ano e a Aston despencou durante o ano, fazendo com que a equipe terminasse em quinto lugar no Mundial de Construtores e Alonso, usando seu incrível talento, ainda segurando um quarto lugar no Mundial de Pilotos. Esse quinto lugar teve muito pela falta de um segundo piloto decente na Aston Martin. O time foi construído em torno de Lance Stroll, cujo pai comprou a marca Aston Martin e investiu milhões na equipe para transformar o rebento num futuro campeão mundial. Que nunca será! Mesmo conseguindo um recuperação miraculosa na primeira etapa, quando machucou os pulsos num acidente de bicicleta antes da temporada, Lance Stroll ficou muito abaixo de Alonso, tornando sua situação constrangedora. Lance é um piloto medíocre e não tem condições para brigar por algo mais na F1, mas o problema é que seu pai Lawrence só mantém a equipe Aston Martin por causa dele. Na mesma medida em que vibrava com Alonso, como demonstrado em Interlagos na bela disputa que o espanhol teve com Pérez, a Aston Martin sabia que os banhos que Alonso dava em Stroll destruía a reputação do canadense, além de sua motivação. E sem Lance, não tem equipe. O contrato que a equipe fez com a Honda em 2026 não desfez os rumores de que Lawrence finalmente percebeu que investir em Lance não valerá a pena e que o time estaria à venda por preços nada módicos, que podem passar do um bilhão de euros. Por mais que a Aston Martin tenha feito uma ótima temporada, o futuro da equipe é bem nebuloso. Até quando acerta, Alonso destrói uma equipe. Caminho inverso fez a McLaren. O início da temporada da tradicional equipe era tão ruim, que logo de cara Andrea Stella falou que o carro precisava urgentemente de novos updates. Lando Norris e o novato Oscar Piastri mal conseguiam passar ao Q2 no começo do ano, mas quando os updates vieram, a McLaren deu um pulo raras vezes vistos na F1 moderna. De equipe de fundo de pelotão, a McLaren muitas vezes foi a segunda força da F1 em 2023.
Porém, isso causou alguns pequenos problemas para a McLaren. O time aposta fortemente em Lando Norris, que mesmo muito jovem, liderou a equipe nesse ano de 2023, conseguindo uma série de pódios, algumas poles que o fez brigar diretamente pelo quarto lugar no Mundial de pilotos, ficando apenas um ponto de Alonso e Leclerc. Porém, Piastri se tornou o rival mais duro para Norris e como todo novato-sensação, o australiano se tornou a menina dos olhos da F1 em geral. Mesmo não vencendo uma corrida, Piastri venceu uma corrida Sprint, algo que Norris ainda não conseguiu e o incomoda claramente. A McLaren investiu pesado e brigou com a Alpine para ter Piastri e isso claramente se pagou, com Oscar podendo se tornar um piloto de ponta no futuro, mas faz com que isso perturbe Norris. Com uma dupla jovem, a McLaren será um time a ser observado para 2024. Já a citada Alpine parece aquele time que não briga por nada no campeonato e não faz o mínimo esforço para sair dessa pasmaceira. O time gaulês trouxe Gasly como resposta a perca humilhante de Alonso para a Aston Martin, sendo que todo o paddock da F1 saiba que Gasly e Ocon não se entendem desde o kart, com Ocon ganhando a fama de péssimo companheiro de equipe. Não faltaram confusões entre eles, além de uma equipe que conseguiu dois pódios (um para cada piloto, em Mônaco e Zandvoort), mas também capaz de deixar seus dois bons pilotos no Q1. No meio do campeonato toda a cúpula da Alpine caiu, sendo substituída interinamente, mas na falta de alguém melhor, ninguém foi contratado. Sendo uma equipe de fábrica tradicional e tendo dois bons pilotos, mesmo que não se entendam, a Alpine coleciona temporadas decepcionantes.
No pelotão do fundo, muitos altos e baixos das equipes, mas no fim a Williams conseguiu a sétima posição no Mundial de Construtores muito pelos préstimos de Alexander Albon, que fez um ano excelente a ponto de chamar a atenção de equipes grandes no futuro. Ao lado de Albon, Logan Sargeant se mostrou um piloto errático e que numa contabilidade de acidentes, foi o piloto que mais deu prejuízo em 2023. Muito se falou se Sargeant não ficaria para 2024, mas com o americano trazendo dinheiro para a equipe e sendo uma aposta da Williams, o americano ficará mais um ano na equipe. A Alpha Tauri começou o ano com Nyck de Vries, piloto vitorioso em outras categorias, fez uma boa corrida na F1 quando teve oportunidade, mas o neerlandês se tornou mais uma vítima da máquina de moer pilotos comandada por Helmut Marko. De Vries foi sacado e de forma surpreendente, quem veio foi Daniel Ricciardo, saído de sua aposentadoria, mas o australiano acabou sofrendo um sério acidente em Zandvoort que o tirou de ação por várias provas e quem entrou no seu lugar foi o novato Liam Lawson. O neozelandês chamou atenção por sua pilotagem sem erros e chegou a marcar mais pontos do que Yuki Tsunoda. Quando Ricciardo voltou à equipe, a Alpha Tauri trouxe updates e o ritmo melhorou, com Ricciardo acabando com todas as dúvidas quanto a 2024 e terminou muito bem no México. Tsunoda também melhorou seu desempenho e em Abu Dhabi, quase tirou a sétima posição da Williams. O time viu a saída de Franz Tost e deverá mudar de nome em 2024, mantendo Ricciardo e Tsunoda, com o australiano sendo uma sombra bem forte para Pérez na Red Bull. Falando em equipes que mudarão de nome, a Alfa Romeo saiu da F1 novamente pelas portas dos fundos. Com a Sauber esperando a chegada da Audi em 2026, o time teve um ano bem ruim, com Bottas mais preocupado em mostrar o traseiro do que mostrar desempenho em pista. A Haas mostrou ótimo desempenho nas classificações, com seus veteranos Hulkenberg e Magnussen beliscando lugares no Q3, mas havia um abismo gigantesco entre os ritmo de classificação e corrida para a Haas, com o time derretendo durante as corridas. Por sinal, a equipe foi outra a aparecer melhor fora das pistas, com o chefe Günther Steiner se tornando uma estrela em Drive to Suviver e os dois pilotos mostrando fofura extrema com suas filhas nos boxes.
A F1 teve alguns percalços como o cancelamento da etapa em Ímola por causa de grandes alagamentos e a problemática estreia de Las Vegas, considerada a menina dos olhos da Liberty Media, mas que por muito pouco não se tornou um fracasso histórico por problemas básicos na pista, como um bueiro destruindo a Ferrari de Sainz no primeiro treino livre. No Catar, um problema de pneus mexeu na estratégia das equipes e com o forte calor que fazia na noite catari, vários pilotos passaram mal durante a prova. Os famigerados 'track limits' apareceram vez por outras, para desespero da toda a F1, mas ninguém aparece para resolver um problema extremamente chato e impopular. A Sprint Race continua na F1 sem ninguém saber para quê e novamente a novidade da Liberty sofrerá mudanças em 2024, quando o fim dela seria o caminho mais correto. A FIA liberou a Andretti entrar na F1, mas a Liberty e as dez equipes da atualidade, animadas com lucros cada vez maiores, não querem diluir esse lucro e fazem jogo duro para a entrada do time na F1 nos próximos anos, numa queda de braço baseada unicamente em poder e dinheiro. A F1 no Brasil teve a expectativa se Felipe Drugovich estrearia na F1 em algum momento. Na primeira etapa no Bahrein, com Stroll machucado, Felipe quase estreou, mas ficou no quase. Com Lance fazendo uma temporada horrorosa, havia um lobby muito forte no Brasil para que Drugovich substituísse o canadense, mas isso nunca aconteceria com o papa Stroll mandando na equipe. Então as atenções voltaram-se para a segunda vaga na Williams, com Sargeant claramente não fazendo um bom trabalho, mas Drugovich, mesmo levando dinheiro, perdeu essa disputa monetária para Logan. Sendo assim, Drugo ficará mais um ano como piloto de testes da Aston Martin, fazendo bons trabalhos, como no teste de novatos depois da última corrida. Gabriel Bortoleto venceu o campeonato da F3 e foi absorvido pela programa de jovens pilotos da McLaren, que tem uma carteira enorme de pilotos na fila, com Bortoleto ficando focado no momento em seu primeiro ano na F2 em 2024. Os irmãos Fittipaldi estão cada vez mais fora da F1, com Pietro já tendo um contrato com a Indy e Enzo, que decepcionou na F2, já fazendo alguns testes. Para 2024, não haverão brasileiros e dificilmente o teremos em 2025.
A F1 terminou a temporada de 2023 já com receio de que 2024 a situação atual não mude. A diferença da Red Bull para as demais é grande demais para que alguém, seja Mercedes, Ferrari ou McLaren deem um pulo tão grande e bata de frente com o time austríaco. Sem contar que a Red Bull tem como trunfo Max Verstappen. Cada vez melhor, aos 26 anos de idade e já contando com três títulos na carreira, Max Verstappen está cada vez melhor e não há dúvidas que o neerlandês já está sentado na mesa dos grandes da história da F1.