Normalmente nos lembramos dos membros da família real inglesa como pessoas andando em carruagens ou em belos cavalos brancos. Johnny Dumfries foi diferente. Seu amor pela velocidade o fez sair da sua educação aristocrática e entrou de cabeça no automobilismo, mas chegou na F1 por meio de uma manobra nada ética de um dos maiores pilotos da história da categoria. Completando 50 anos no dia de hoje, vamos conhecer um pouco mais da carreira deste bom piloto de testes e de Esporte-Protótipos.
John Colum Crichton-Stuart Earl of Bute Dumfries nasceu no dia 26 de abril de 1958 no castelo de Rothesay, na Escócia. Antes de mais nada, vale a pena comentar todos os títulos (fora das pistas) que o nosso personagem tem. Hoje, John Crichton-Stuart é o Marquês de Bute, o Conde de Windsor, Visconde de Ayr, Lorde de Crichton de Sanquhar e Cumnock, Visconde Kingarth, Lorde Montstuart Cumbrae e Inchmarnock, Barão Cardiff e Visconde Mountjoy. Junto a tudo isso, ele foi também o Conde de Dumfries e foi com esse sobrenome que ele ficou conhecido no automobilismo. John descende tanto dos Tudor (a família real inglesa) como dos Stuart (a família real escocesa). Seu pai, John (aliás, todos os seus cinco últimos ancestrais tinham o mesmo nome, e seu único filho homem também) o mandou para uma das mais aristocráticas escolas da Grã-Bretanha, mas aos 19 anos Johnny Dumfries entrou no automobilismo graças ao seu primo Charles Crichton-Stuart, que era gerente comercial da então pequena equipe Williams de F1. Na verdade, Johnny Dumfries, como preferia ser chamado, não iria correr para Frank, mas na verdade seria... o motorista do furgão da equipe! Frank Williams percebe a força de vontade do rapaz nesse momento, pois ver um membro da realeza britânica sendo motorista era um pouco demais.
Tentando não utilizar sua fortuna pessoal, Dumfries começa humildemente no kart em 1980 e mesmo sofrendo um forte acidente que lhe rendeu duas fraturas nos tornozelos, já no ano seguinte estréia nos monopostos na F-Ford britânica. Em certa ocasião em Oulton Park, o então iniciante chefe de equipe Eddie Jordan protestou contra a equipe de Dumfries, dizendo que o motor do escocês estava irregular. Para um lorde sofrer uma acusação como essa é o mesmo que sofrer um atentado e Johnny fica com tanta gana que troca o motor e vence suas primeiras provas no automobilismo. Mesmo tendo apenas dois anos de carreira, suas habilidades ficam mais do que provadas e em 1983 ele subiu para o conceituado Campeonato Inglês de F3 pela equipe Dave Morgan. Aquele campeonato seria famoso pela briga feroz entre Ayrton Senna e Martin Brundle, com vantagem para o brasileiro, mas em uma etapa em Silverstone, Dumfries se meteu nessa batalha e lutou toda a corrida com Senna pela vitória. Se quando já era Campeão Mundial Senna já aprontava das suas, imaginem quando ele tinha 23 anos e ainda estava na F3. O brasileiro não se fez de rogado e colocou Dumfries para fora da pista. Como todo lorde, aquela afronta era demais e Johnny partiu para cima de Senna novamente, mas seu carro teria problemas e o brasileiro venceria a corrida. Era o primeiro encontro entre Senna e Dumfries.
Porém, essa corrida seria marcante o bastante para transformar Johnny Dumfries em mais uma promessa inglesa no automobilismo. Em 1984 o escocês se muda para a equipe Dave Price e nas sete primeiras corridas, consegue seis vitórias e um segundo lugar. Foi uma dominação tão grande que Dumfries resolve participar do Campeonato Europeu de F3 com algum sucesso, terminando o campeonato em segundo lugar, se metendo entre o campeão Ivan Capelli e o terceiro colocado Gerhard Berger. Voltando à sua ilha natal, Dumfries vence o Campeonato Inglês de F3 com dez vitórias e quase quarenta pontos de vantagem sobre o vice-campeão Allen Barg. Graças a esses resultados, Dumfries recebe um convite para testar um Lotus em Donington Park, ainda em 1984.
Para 1985, Dumfries resolve participar do novo Campeonato Europeu de F3000, no lugar da finada F2, mas o escocês participa de duas equipes diferentes e só marca um único ponto no ano. Porém, Dumfries é chamado por Brabham, Lotus, McLaren e Williams para testar seus carros e seu nome fica forte entre os chefes de equipe da F1 como um excelente piloto de testes e como resultado, Dumfries é contratado pela Ferrari para ser piloto de testes exclusivo em 1985. Johnny passa a ser o primeiro britânico a ficar sobre esse tipo de contrato desde 1968. Porém, após passar por cinco equipes diferentes em menos de um ano, Dumfries se sentia preparado para estrear na F1. Porém, o escocês não sabia que sua entrada na categoria principal do automobilismo seria após tanta confusão!
Os problemas começaram no início de 1985. Ayrton Senna foi tirado da Toleman pela Lotus após uma briga na justiça e o brasileiro mostrou que, além de ser incrivelmente rápido, era uma pessoa extremamente sagaz. Elio de Angelis era piloto da Lotus desde 1980 e era uma aposta do falecido chefe de equipe Colin Chapman. De Angelis, talvez tão rico quanto Dumfries, era uma pessoa extremamente dedicada e simpática, várias vezes tendo sacrificado sua carreira a favor da Lotus. Quando Senna chegou à equipe, De Angelis passou a ser renegado pela própria escuderia graças a manobras de bastidores de Senna e por isso o italiano saiu da equipe extremamente magoado, a ponto de tentar dar uma porrada em Senna após o Grande Prêmio da África do Sul de 1985. Com a saída de Elio, a John Player Special passou a pressionar a Lotus para colocar um piloto britânico na equipe em 1986. Naquela época, o piloto número 1 da Inglaterra não era Nigel Mansell, como muitos podem pensar, mas Derek Warwick.
Um ano antes, Derek já tinha perdido sua grande chance ao não aceitar a proposta da Williams-Honda, que também procurava um piloto britânico no momento. Warwick tinha sofrido bastante com o motor Hart em 1983 e em 1984 o motor Honda quebrava que nem uma lâmpada de 100W. Com medo de passar mais um ano abandonando corridas com o motor quebrado, Warwick decidiu ficar mais um ano na Renault e para o seu lugar a Williams trouxe o piloto "número 2" da Inglaterra, Nigel Mansell. O resto da história acredito que todos já saibam. Para piorar as coisas para o lado de Warwick, a Renault fechou suas portas no final de 1985. Sem equipe, Warwick resolve aceitar o convite da Lotus e chega a vestir o macacão preto da John Player Special. Derek era uma pessoa extremamente simpática e querida no paddock, além de ser um piloto reconhecidamente rápido. Senna fica receoso em ter na mesma equipe um piloto muito rápido, querido pelo público inglês, numa equipe inglesa e ainda trazido pelo patrocinador inglês.
Sem o menor pudor, Senna diz que a Lotus não tinha suporte de ter dois pilotos rápidos dentro do mesmo box e ameaça deixar a equipe, caso Warwick ficasse na Lotus em 1986. Mesmo sem nenhum título na carreira e apenas duas vitórias, Senna já era considerado uma estrela e a Lotus fica sem opção, a não ser se submeter ao desejo de sua estrela e deixar Warwick, o melhor piloto inglês de então, sem emprego na F1. A imprensa inglesa ficou uma arara com Senna, mas a história ainda não tinha terminado. Ainda sem piloto, a Lotus resolve pedir a Senna uma indicação, que a essa altura mandava mais na equipe do que o próprio chefe, Peter Warr. Senna toca no nome de Mauricio Gugelmin, que acabara de vencer o Grande Prêmio de Macau de F3, mas aí a John Player Special se meteu e disse que Gugelmin não tinha a experiência necessária para se correr na F1. Sem muitas opções no mercado, Johnny Dumfries é lembrado e assina com a Lotus para 1986. Finalmente a Lotus teria um piloto britânico, adulando seu principal patrocinador, e ainda faria os caprichos de Senna, que reinaria praticamente sozinho na equipe. Por isso, fico impressionado quando muitos tacham Alain Prost de político, quando o próprio Senna foi tão, ou mais político do que o francês.
Apesar dos pesares, Dumfries realizaria o seu sonho de estrear na F1, mesmo sabendo que seria claramente o piloto número 2. No filme oficial da temporada 1986, Clive James chega a comentar que "Senna teria um serviço de escravo com Johnny Dumfries". Johnny estrearia no Brasil e mesmo levando muito tempo de Senna na Classificação, faz uma boa corrida e abandona quando estava na quinta posição. Foi um começo promissor, mas a partir daí foi apenas desespero para o escocês, com Senna recebendo do bom e do melhor, enquanto Dumfries recebia do ruim e do pior. Johnny recebia equipamento defasado com relação à Senna e há quem diga que até equipamentos já usados Dumfries teve usar. Durante o Grande Prêmio da Alemanha, Dumfries estréia uma caixa de câmbio de seis marchas. Isso seria um sinal de confiança da equipe... se o equipamento já tivesse sido testado! Sem contar todas essas adversidades, Dumfries sofria com a velocidade exuberante de Senna e ficava a milhas do brasileiro nas Classificações. Mesmo marcando três pontos (um quinto lugar na Hungria e um sexto lugar na Austrália), Dumfries ficou 52 (!) pontos atrás de Senna. Para piorar, o brasileiro tinha arquitetado a chegada da Honda à equipe Lotus e ainda se livrara da John Player Special, aposentando um dos lay-outs mais famosos da história da F1. Com a saída da JPS, Dumfries praticamente fica fora da Lotus antes da temporada 1986 acabar, que, com a chegada da Honda, teria que aceitar a chegada de Satoru Nakajima em 1987.
Mesmo com um bom respaldo como piloto de testes, Dumfries fica sem cockpit para 1987, mesmo tendo negociado seriamente com a Zakspeed. Como acontecia naqueles tempos em que a o automobilismo não vivia somente de F1, Dumfries tentou a sorte no Mundial de Esporte-Protótipos. Foi uma escolha acertada, pois a tocada suave de Dumfries servia melhor a corridas de longa duração. Após um ano com a equipe Sauber-Mercedes em 1987, ao lado de Mike Thackwell, Dumfries se transferiu para a equipe oficial da Jaguar e seu famoso patrocínio da Silk Cut, da equipe TWR. Após marcar pontos regularmente nas primeiras provas, Johnny Dumfries chegou ao auge de sua carreira com uma popular vitória nas 24 Horas de Le Mans de 1988, junto com Jan Lammers e Andy Wallace. Após uma volta frustrada à F3000 em 1988, Dumfries se transferiu para a Toyota em 1989 e se notabilizou por uma cena tocante. Durante as 24 Horas de Le Mans de 1989, Dumfries teve problemas com a suspensão de seu carro, abandonou o cockpit e começou a concertar a suspensão quebrada ali mesmo. Os mecânicos da Toyota foram ao local tentar auxiliar Dumfries, mas com medo de uma desclassificação, Johnny não deixou que ninguém tocasse no carro, a não ser ele. Após duas horas e sobre muitos aplausos, Dumfries conseguiu levar seu carro aos boxes, onde foi consertado para... ter problemas quando Johnny atropela um fio de uma câmera de TV quando saía dos boxes!
Ainda em 1989, Dumfries retorna à F1 como piloto de testes da Benetton, onde testou por dois anos a suspensão ativa da equipe. Em 1991, Johnny tentou ir para a CART, mas por incrível que pareça, o escocês desistiu da empreitada por problemas financeiros. No final de 1992, Johnny Dumfries finalmente decidiu abandonar sua carreira com apenas 34 anos de idade e passou a cuidar dos negócios da família e se dedicar a pinturas de quadros. No ano 2000, Dumfries passou por uma baita de uma vergonha quando destruiu o Jaguar em que conquistou sua vitória em Le Mans durante um encontro de carros de corrida antigos e a pouco tempo atrás, colocou a antiga casa da família a venda, sendo que o comprador foi seu primo, o Princípe Charles! Hoje vivendo a vida de um lorde que sempre foi, Johnny Dumfries deve lembrar com muita saudade dos seus tempos em que disputava freadas com Ayrton Senna e Martin Brundle com um carro de F3.
Parabéns!
Johnny Dumfries
Johnny Dumfries
Muito bom texto JC!!!
ResponderExcluirMuito bom mesmo!!!
Sem dúvida nenhuma, Senna foi o maior piloto de todos os tempos, mas não é à toa que falam que ele era uma pessoas esquisita.
JC, se fizermos um saldo,Dumfries teve prejuízo com sua aventura na F1, pois o cara era ,antes de entrar na F1 lord e conde do mundo todo e no fim estava vendendo seu castelo.
Acho que era melhor ele ter ficado cuidando dos negócios da família.
Abraço JC!!!