quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Moco


É muito comum usarem como exemplo de grandes pilotos que não foram campeões mundiais de F1, gente do naipe de Gilles Villeneuve, Ronnie Peterson e Carlos Reutemann, mas houve um piloto contemporâneo deles, que pelo seu talento, também merece estar nesse panteão. José Carlos Pace foi um dos primeiros brasileiros a trilhar o caminho aberto pelos irmãos Fittipaldi no início da década de 70 e se tornou uma estrela da F1 na metade da década. Extremamente rápido e um ótimo acertador de carros, Pace era o típico piloto amador, sem se preocupar muito com o preparo físico e em conseguir bons carros para não acabar com uma amizade. O que importava era correr! Quando estava se aproximando do auge da carreira, Pace encontrou seu destino numa árvore em Mairiporã e não pôde concluir as expectativas criadas nele. Se estivesse vivo, Pace estaria completando 65 anos na última semana e por isso, com um pouco de atraso, iremos conhecer um pouco mais de sua carreira.

José Carlos Pace nasceu no dia 6 de outubro de 1944 em São Paulo, filho mais novo de um imigrante italiano que trabalhava no ramo da tecelagem. O destino de Carlinhos, como era conhecido no seio familiar, foi traçado quando a família Pace foi a Itália em 1949 e o rebento mais novo viu uma miniatura da Ferrari. Ele teria dito que ainda voltaria ao país de origem do pai para correr num carro daquele. Pace teve uma infância confortável, foi um bom aluno e chegou a competir no Palmeiras, mas não no futebol, mas sim na natação, onde foi recordista juvenil dos 100m livres. No entanto, o pequeno nadador ainda não tinha esquecido sua passagem pela Itália e seu primeiro contato com a velocidade foi descendo as ladeiras do bairro do Pacaembu num carrinho de rolimã, onde conheceu dois irmãos, que também tinham o sonho de serem pilotos de corrida: Wilsinho e Emerson Fittipaldi. Porém, a família tinha outros planos para Carlinhos e quando este terminou o segundo grau, ele foi escolhido para dar prosseguimento aos negócios do pai nas duas tecelarias da família.

Numa tarde de domingo, Pace começa a paquerar a jovem Elda na fila do cine Majestic. A paquera virou namoro e Elda virou a mulher da vida de Pace e foi com ela que, a contra-gosto da mesma, o brasileiro começou sua carreira no kart. Quando tinha 17 anos, Pace começou a correr escondido da família, com o capacete, luvas e macacão ficando escondido na casa da namorada e para não ser descoberto, Pace usava o pseudônimo de Moco, apelido ganho por que ele se fazia de surdo quando bem lhe entendia. Porém, o físico de Pace estava mais para nadador do que para piloto. Com mais de 1,80m distribuídos em mais 100kg, Moco sofreu nas primeiras corrida no kart, mas seu estilo espetacular fez com que em 1963 ele fosse convidado pela equipe oficial da DKW para um teste em Interlagos, onde o bom desempenho o fez ser contratado. O problema foi que numa corrida em Interlagos, o nome José Carlos Pace foi pronunciado por uma rádio e seus pais acabaram sabendo da verdadeira paixão do filho. Apesar da reprovação familiar, não houve mais caminho de volta.

Pace seria uma espécie de piloto-júnior da fortíssima equipe DKW em 1964, onde aprenderia muito com os maiores pilotos do Brasil na época, como Bird Clemente, Luís Pereira Bueno e seu amigo Wilsinho Fittipaldi. Já no ano seguinte Pace começou a vencer várias corridas e ao lado de Luís Pereira Bueno, venceu os 1.600 km de Interlagos. A parceria campeã acabaria por render frutos mais tarde, com o título brasileiro de Marcas-Piloto de 1968, com o histórico Bino Mark II. Com o início das importações no automobilismo brasileiro, as equipes nacionais de fábrica foram fechando uma a uma, e o cenário nacional passou a ser preenchido por Karmann-Ghia Porsche e Alfa Romeos. Porém, Pace segue o ritmo do ano anterior e se torna bicampeão brasileiro com a equipe Jolly Gancia, à bordo de um Alfa Romeo. A maior novidade naquele final de década era o surgimento da F-Vê, monopostos que serviam como categoria de base na Europa e aportava no Brasil pelas mãos dos irmãos Fittipaldi, mas Emerson, o mais novo, se aventurava em algo maior. Sem grande conhecimento do que poderia encontrar lá fora, Emerson foi para a Inglaterra em 1969 apenas com o sonho de se tornar piloto de F1. O sucesso quase instantâneo do jovem Fittipaldi inspirou José Carlos Pace a fazer o mesmo, assim como milhares de pilotos nos anos seguintes.

José Carlos Pace se mudou para a Inglaterra em 1970, juntamente com Elda e Chiquinho Rosa, grande incentivador dos jovens pilotos brasileiros de então. O trio foi para a pequena cidade de Attleborough, onde ficava a sede da Jim Russell School, famosa escola de pilotagem que Emerson começou sua carreira na ilha britânica. Assim como tinha acontecido no ano anterior, Russell viu maravilhado outro brasileiro dominar a cena nas pistas inglesas. Em 33 corridas, Pace venceu seis vezes e conseguiu outros sete segundos lugares, vencendo o Campeonato Inglês de F3 da Forward Trust e sendo vice na Lombank Trophy. Isso apenas em sua primeira temporada fora do país!

Vendo o exemplo de Emerson Fittipaldi, os chefes de equipe imediatamente se interessaram em Pace, especialmente Frank Williams, até então um dono de equipe pequena e que tentou contratar Emerson no ano anterior. Com a ajuda dos irmãos Abílio e Alcides Diniz, Pace consegue o patrocínio do Banco Português e faz a temporada de 1971 pela equipe de Frank Williams na F2, mas os resultados não são bons por pura falta de estrutura da equipe, mas uma vitória iria mudar a vida de Pace. Correndo em Ímola, quintal da equipe Ferrari, Pace consegue uma surpreendente vitória na F2 e chama a atenção do time de Maranello. Moco foi convidado para um teste e após bons resultados, é contratado pela Ferrari para dirigir para eles no Mundial de Esporte-Protótipos em 1972. Assim, Carlinhos realizava a profecia dita por ele mesmo quando tinha cinco anos de idade! Mesmo conseguindo um excelente segundo lugar nas 24 Horas de Le Mans de 1973, Pace nunca dirigiria uma Ferrari de F1, mas mostrando bem sua personalidade, ele recusa uma proposta feita pelo próprio Enzo Ferrari para guiar na equipe de F1 em 1974. Motivo? Sua amizade com John Surtees, seu então chefe de equipe.

A esperada estréia de José Carlos Pace na F1 seria no Grande Prêmio da África do Sul de 1972, com um March alugado da equipe de Frank Williams. Além de o carro ser ruim, Pace seguia sofrendo com os problemas estruturais da equipe de Frank e para ilustrar isso, sua estréia ocorreu quatro voltas após a largada em Kyalami! Porém, seu talento faz com que resultados inesperados apareçam e ele marca seu primeiro ponto logo na sua segunda corrida, em Jarama, na Espanha, debaixo de chuva. Sempre largando em posições intermediárias, mas já contando com alguma fama no paddock, Pace é contratado pela equipe Surtees em 1973 com um bom salário para a época, porém a equipe se dividia na F1 e na F2, dificultando as coisas pela falta de foco. Se a Surtees era campeã européia de F2 com Mike Hailwood, os carros de F1 não mostravam o mesmo desempenho e Pace só completaria sua primeira corrida com a nova equipe na 5º corrida do ano, na Bélgica. Como havia ocorrido na temporada anterior, apenas o talento de Pace poderia fazer com que ele aparecesse num mar de mediocridade em que estava e o brasileiro conseguiu seu primeiro pódio com um terceiro lugar no Grande Prêmio da Áustria, onde também marcou a melhor volta da corrida. O quarto lugar no GP da Alemanha, no seletivo circuito de Nürburgring mostrava que Pace era mesmo um piloto diferenciado, ao conseguir levar aquela cadeira elétrica rumo a posições não coerentes a ruindade do carro num circuito notoriamente difícil.

Mesmo com várias propostas para sair da Surtees, Pace permanece mais um ano na equipe, mas divergências com John Surtees, que normalmente dizia que ele mesmo, campeão mundial de F1 em 1964, poderia fazer melhor que seus pilotos, fizeram com que Pace saísse da equipe no meio da temporada. Desde 1971 Bernie Ecclestone tentava contratar Moco e quando ele ficou disponível no mercado, Bernie não pensou duas vezes antes de trazer Pace para a equipe Brabham ainda em 1974. Talvez acostumado com a falta de estrutura das outras equipes com as quais andou na F1 até aquele momento, Pace ficou abismado com a organização da Brabham e após um período de adaptação, seus resultados foram melhorando até chegar o Grande Prêmio dos Estados Unidos. A corrida aconteceria exatamente no dia do seu trigésimo aniversário e um ano depois de Pace, ainda na pista, ter chorado a morte do seu amigo François Cevert. Na noite anterior a corrida, Moco tem um sonho estranho, em que seu falecido pai diz para ele tirar a flecha para baixo que caracterizava seu capacete, pois estaria apenas puxando a carreira do filho para baixo. Com uma lâmina de barbear em punho, Pace se levantou no meio da noite e raspou as pontas da flecha, para conseguir seu melhor resultado na F1 horas mais tarde, com um segundo lugar atrás do seu companheiro de equipe Carlos Reutemann. A equipe havia lhe pedido para não atacar o argentino, pois a diferença dos dois para o resto era tal, que o máximo possível seria evitado para que não ocorresse um acidente. Outro detalhe desta corrida foi que Pace teve duas costelas quebradas no início da corrida quando seu cinto de segurança se soltou e ele bateu com violência na lateral do carro.

Após a dobradinha arrebatadora na última corrida do ano, a Brabham se tornou favorita para 1975. No Grande Prêmio do Brasil, segunda etapa do ano, veria visto uma festa inesquecível. O dia estava extremamente quente e o pole Jean-Pierre Jarier perdeu a ponta na largada para Carlos Reutemann, mas o francês recuperaria a liderança da prova algumas voltas depois, conseguindo abrir uma vantagem impressionante nas voltas seguintes. Pace havia largado em sexto e ganhava posições usando seu conhecimento da pista e na 13º volta ele ultrapassou seu companheiro de equipe e estava em 2º, mas com uma enorme desvantagem de 19s para Jarier. Mais atrás, o bicampeão Emerson Fittipaldi fazia uma corrida inteligente e antes da metade da corrida já aparecia em 3º. O público foi ao delírio e começou a secar Jarier. O francês da Shadow tinha feito uma apresentação parecida na Argentina, mas uma quebra fez com que sua ótima corrida acabasse prematuramente. Para tristeza do francês, a bomba de óleo do seu carro pifou e Pace assumiu a liderança da corrida, com 10s de vantagem sobre Emerson. Numa das maiores festas já vista na história da F1, José Carlos Pace venceu sua primeira corrida na carreira, com Emerson Fittipaldi completando a dobradinha brasileira. Pace foi levado aos boxes nos ombros da torcida e chorou bastante quando chegou lá. Após subir no pódio errado, Pace protagonizou a famosa cena com Emerson Fittipaldi no pódio e o Brasil sabia que tinha agora dois grandes pilotos para torcer na F1.

Na prova seguinte em Kyalami, Pace consegue sua primeira pole na carreira e ele era um dos favoritos a vitória. Após manter a ponta na largada, Moco começa a perder várias posições e seu carro misteriosamente não rendia nas longas retas da pista africana. Na base da raça, Pace termina a prova em quarto, mas logo após a corrida identifica o ridículo problema que certamente lhe tirou a sua segunda vitória na F1. Um molho de chaves de mão que algum mecânico distraído simplesmente esquecera dentro do cockpit. O chaveiro ficou preso por baixo do acelerador e limitava o curso do pedal do acelerador e desta forma Carlos Pace não conseguia acelerar a fundo em nenhum momento. Com o quarto lugar na África do Sul Pace assumia o segundo lugar no Mundial de Pilotos, logo atrás de Emerson, mas a partir daí a Ferrari passou a dominar o campeonato com Niki Lauda e Moco ainda protagonizaria outra dobradinha com Emerson, só que com a ordem invertida, em Silverstone, onde seria a última vitória na F1 do eterno bicampeão. Após um final de temporada conturbado, cheio de abandonos, Pace termina o ano em 6º lugar no Mundial, mas o pior ainda estava por vir. Ecclestone firma um acordo com a Alfa Romeo em 1976 e os resultados são pífios, com Pace conseguindo apenas dois 4º lugares durante o ano. A temporada tinha sido tão ruim para a Brabham, que Reutemann abandona a equipe antes do final do ano, aceitando o convite da Ferrari para substituir o acidentado Lauda. Porém, Pace estava melhorando o carro, usando todo o seu conhecimento técnico que obteve no rico automobilismo brasileiro do final da década de 60. O pesado e complicado Brabham-Alfa BT45 tinha se tornado, nas mãos de Pace, no carro mais rápido da pré-temporada de 1977 e o brasileiro se tornava a esperança nacional para conquistar o título, já que Emerson já começava a sofrer com a perseguição do sonho de ser campeão numa equipe familiar. Na Argentina, um ótimo segundo lugar já previa um bom resultado, mas após largar primeira fila em Interlagos, Pace é uma das vítimas da curva 3, em que o asfalto se soltou no meio da corrida, e abandonou a prova quando liderava.

Esses resultados apenas ilustravam algo que todos esperavam: Pace brigaria pelo Campeonato Mundial de 1977. Após o GP da África do Sul, houve uma folga no calendário da F1 e Moco veio ao Brasil descansar. No dia 18 de março de 1977, José Carlos Pace levantou voo ao lado de Marivaldo Fernandes no monomotor PP-EHR, no Campo de Marte, em São Paulo, rumo a Araraquara, na fazenda de Marivaldo. Chovia muito forte naquele dia. Talvez tanto que não valeria a pena ir à fazenda de Marivaldo. Porém, o destino fez com que eles levantassem vôo naquele dia. Na cidade de Mairiporã, o pequeno avião que levava Moco e Marivaldo se chocou contra a Serra da Cantareira e os dois morreram na hora. O corpo de Pace ficou mutilado e ele só foi reconhecido por causa de uma sapatilha azul. Ele tinha 32 anos e deixava viúva sua amada esposa Elda, que teria que criar sozinha os filhos Patrício e Rodrigo. O Brasil recebeu a trágica notícia com tristeza e ficou em estado de choque. Seu velório no Automóvel Clube Paulista contou com a presença de várias personalidades da F1 e os irmãos Fittipaldi choraram a morte do seu melhor amigo no automobilismo. Frank Williams, John Surtees e Bernie Ecclestone nunca esqueceram a figura dócil de José Carlos Pace e o próprio dono da Brabham diria mais tarde que Pace iniciou o caminho vitorioso em que culminaria no título de Nelson Piquet anos mais tarde. Em sua homenagem, o autódromo de Interlagos, um dos palcos favoritos de Moco, passou a se chamar Autódromo José Carlos Pace em 1985. Uma justa lembrança de um piloto que levou alegrias com que conviveu com ele e cuja tocada forte nunca foi esquecida.

2 comentários:

  1. Ótimo texto, como sempre, e merecidíssima homenagem.]


    Abraço

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  2. Moco é um caso aparte. Teria tudo para ser considerado um perdedor, mas não.
    Ele é um piloto fantástico que Wilsinho Fitipaldi dizia ser o melhor da turma. Mas infelizmente ele morreu em seu melhor ano, com seu melhor carro nas mãos.

    Eu moro bem perto do local do acidente.

    JC... Trabalho fantástico.

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