domingo, 15 de novembro de 2020

Escorregando para a glória

 


Um título tão importante não poderia ser conquistado com um quarto ou sexto lugar. Teria que vir com uma vitória com V maiúsculo. Lewis Hamilton se sagrou heptacampeão com uma vitória consagradora nessa manhã em Istambul, onde usou todo o seu vasto repertório para derrotar as intempéries de uma pista extremamente escorregadia pela chuva e pelo asfalto ainda não totalmente pronto em Istambul Park. Hamilton foi paciente, cuidou dos pneus, se resguardou, atacou quando podia, imprimiu um ritmo de corrida aceitável dentro do limite da pista, do carro e principalmente dos pneus. Mais uma vitória de Hamilton em 2020? Sim, mas dessa vez uma vitória especial, merecedora de transformar Lewis Carl Davidson Hamilton no maior campeão da história da F1, ao lado de Michael Schumacher.


A volta do mítico circuito de Istambul Park para a F1 foi bastante comemorada por todos que seguem a categoria, mas bastou algumas voltas no belo traçado turco para que a comemoração acabasse. Um recapeamento de última hora transformou a pista num verdadeiro sabão, mesmo com pista seca. Na sexta à noite, a organização alugou carros para ficar andando na pista, tentando colocar alguma borracha no asfalto que seja. E se chovesse? No sábado Lance Stroll já havia surpreendido quando a pista estava molhada, mas a chuva tornou a aparecer no domingo, prometendo uma corrida caótica e divertida. Felizmente, apenas a segunda parte se confirmou. Claro que houveram muitas rodadas, mas apenas um SC virtual apareceu e os abandonos ocorridos foram por problemas mecânicos. Numa situação difícil, os pilotos se comportaram muito bem hoje e deram um belo espetáculo. Lance Stroll largou muito bem de sua primeira pole e rapidamente disparou na frente, seguido de perto do companheiro de equipe Sergio Pérez. Tínhamos que admitir: o canadense estava muito bem nos primeiros dois terços da prova. Porém, um bom piloto também se caracteriza por saber se adaptar às condições. Enquanto a pista esteve escorregadia ao extremo, Stroll foi absoluto na corrida, porém, quando o asfalto começou a secar, o piloto da Racing Point perdeu completamente a mão. Stroll só não foi ultrapassado por Pérez porque foi chamado aos boxes antes para colocar pneus intermediários novos, contudo, depois da sua segunda parada Stroll caiu pelotão abaixo, não repetindo a boa prova no começo.


Ao contrário do companheiro de equipe, Pérez, sem muito a perder e sem emprego para 2021 também, ficou na pista com os pneus intermediários, mas já vinha acossado por Max Verstappen, talvez o grande favorito antes da largada. O neerlandês da Red Bull largou pessimamente saindo de segundo e ficou muito tempo atrás de Sebastian Vettel, que ao contrário de Max, largara de forma soberba. Verstappen foi um dos últimos a colocar os pneus intermediários e saiu na frente de Vettel, indo para cima de Pérez, mas acabou rodando quando atacou o mexicano, praticamente acabando com suas chances de vitória naquele momento. Faltando vinte voltas para o fim, Hamilton estava meio conformado em garantir o título sem vitória. Valtteri Bottas, seu único concorrente, fazia uma corrida medonha! O finlandês rodou na primeira curva, bateu em Ocon algumas curvas depois e rodou inúmeras vezes. Porém, para um supercampeão como Hamilton, garantir um título tão especial como o sétimo não seria perfeito sem uma exibição de gala. Preso atrás de Vettel, Hamilton se distanciou um pouco do alemão para resguardar seus pneus intermediários e quanto a Ferrari chamou Seb para uma segunda parada, Lewis já estava em posição de ataque em cima de Pérez. Facilmente Hamilton ultrapassou o mexicano e mesmo com pneus desgastados, imprimiu um ritmo seguro que o colocou até em posição de parar sem perder a ponta para Pérez. Com 256 largadas no lombo, Hamilton tem a experiência necessária para pensar em tudo. Enquanto guiava o fino, Hamilton falou sobre o tempo, lembrou de sua sofrida vitória em Silverstone com três rodas e até da triste lembrança de Xangai em 2007, quando perdeu o título na entrada dos pits. Cada vez mais consciente, Hamilton levou seu carro na maciota, colocando volta num horroroso Bottas, meio que para mostrar que por melhor que a Mercedes seja, o piloto ainda faz muita diferença. Lewis Hamilton levou a bandeirada e logo depois desabou em lágrimas de felicidade. O inglês sabia que estava fazendo história e por isso lembrou das dificuldades que teve no começo de sua vida, do sacrifício do pai e dele mesmo para chegar aonde havia chegado. 


Mais atrás uma briga encarniçada pelo segundo lugar terminava com Pérez conseguindo segurar a posição e Vettel se aproveitar do afobamento de Leclerc para conseguir seu primeiro pódio em um ano, além do melhor resultado da Ferrari em 2020. Sainz saiu do pelotão intermediário para ser um sólido sexto lugar, à frente dos dois carros da Red Bull. Em certo momento da prova, parecia que Albon calaria seus críticos. O tailandês era o piloto mais rápido da pista e alcançava a dupla da Racing Point no que poderia ser uma vitória consagradora. Porém, Albon destruiu seus pneus no processo, teve que fazer uma segunda parada e ainda rodou sozinho. Está difícil defender Albon e o segundo lugar de Pérez faz com que o mexicano esteja pedindo energético com tequila uma hora dessas.


Vettel fez sua melhor corrida nos últimos tempos, conseguindo um ritmo muito forte a ponto de se segurar à frente de Hamilton e Verstappen por longas voltas sem muito sofrimento. Mesmo ultrapassado por Leclerc, manteve-se próximo do monegasco e contou com o açodamento de Leclerc para conseguir o lugar no pódio e ser um dos primeiros a congratular Hamilton pelo enorme feito conseguido hoje. 



Sete títulos. Quando comecei a acompanhar F1 no final dos anos 1980, os cinco títulos de Fangio pareciam imbatíveis, mas veio Schumacher para destruir esse recorde. O alemão parecia que tinha reunido tudo o necessário para destroçar a concorrência, porém, isso não se repetiria. Só que surgiu Lewis Hamilton. Do piloto de uma talento gigantesco, mas com claros problemas de cabeça, Hamilton foi evoluindo na F1. Conseguiu um título de forma precoce, saiu de sua zona de conforto na McLaren para aceitar o desafio da Mercedes. Parecia loucura na época, mas Toto Wolff e Niki Lauda estavam construindo uma equipe tão forte como a construída por Jean Todt e Michael Schumacher anos antes. E Hamilton seria parte essencial desse processo. Ele sofreu um pouco, aprendeu ao lado do ex-amigo Nico Rosberg e se tornou o piloto completo de hoje, além de perceber o seu tamanho para se tornar um cidadão melhor. Podemos apontar esse ou aquele senão dos números superlativos de Hamilton, mas ninguém poderá negar que o inglês está entre os gigantes do esporte. 

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