domingo, 19 de dezembro de 2021

O ano ainda não terminou

 


Grandes rivalidades acontecem de tempos em tempos e muitas vezes o seu fim não é determinado quando uma temporada se finaliza. Há todo um contexto que pode fazer com que a rivalidade, na verdade, esteja apenas começando. Havia toda uma expectativa de como seria uma briga aberta entre Lewis Hamilton e Sebastian Vettel, principalmente quando o alemão enfileirou quatro títulos seguidos, no entanto, ocorreu do inglês massacrar Sebastian, com o piloto da Ferrari errando sozinho de forma consecutiva e de forma até mesmo constrangedora. Além do mais, ambos criaram uma amizade que não permitiu maiores polêmicas entre eles, afora o incidente de Baku em 2017. Então apareceu Max Verstappen. Considerado um fenômeno desde o kart, o neerlandês rapidamente se tornou a ponta de lança da Red Bull, mas os austríacos ainda não haviam conseguido dar um carro competitivo o ano inteiro para Max poder se ombrear com Hamilton. A Ferrari apenas chegou perto nos tempos de Vettel, mas em 2021 a Red Bull finalmente conseguiu se colocar como uma real adversária para até então invencível Mercedes na Era Híbrida. Por consequência, Max Verstappen se tornou também um real rival para Hamilton. Tudo isso junto e misturado foram os ingredientes para uma temporada já considerada história e inesquecível, que pode não ter terminado semana passada com o primeiro título de Max Verstappen.


Após a aposentadoria repentina de Nico Rosberg da F1 no final de 2016, Lewis Hamilton se tornou verdadeiramente a prima donna da Mercedes e com a marca de Stuttgart muito à frente das demais, o inglês nadou de braçada entre 2019 e 2020. A Ferrari ainda incomodou em 2017 e 2018 com Vettel, mas como falado anteriormente, Hamilton destruiu o psicológico do alemão e a Mercedes ainda tinha um carro superior. Valtteri Bottas é um bom piloto, rápido em treinos e que em bons dias consegue vitórias para a Mercedes, mas o finlandês não é um verdadeiro 'contender' para o título. Tendo praticamente Bottas como seu único obstáculo rumo ao título, a impressão geral era que Hamilton fazia temporadas apenas protocolares para se sagrar campeão com alguma antecedência. Sem um companheiro à altura e o melhor carro do grid à sua disposição, o melhor de Hamilton não aparecia até porque simplesmente não havia necessidade para isso. Com o calendário da F1 cada vez mais inchado, Hamilton começou a ter números cada vez mais impressionantes, o deixando matematicamente como o maior piloto da história da F1, mas ainda faltava uma prova real para Lewis. E ela veio em 2021. Quando a FIA anunciou que os carros seriam os mesmos de 2020 para diminuição de custos por causa da pandemia, havia o receio de termos outro passeio da Mercedes, porém, a FIA mexeu em alguns itens aerodinâmicos que acertaram em cheio a Mercedes, que teve uma pré-temporada problemática, enquanto a Red Bull, que vencera facilmente a última corrida de 2020, manteve sua taxa de crescimento e ainda teve o apoio da Honda, que anunciara que deixaria a F1 mais uma vez e para sair por cima da categoria, adiantou o motor que só apareceria em 2022. Max Verstappen dominou a pré-temporada, fez a pole em Sakhir, mas Hamilton usou seu gigantesco talento para derrotar por muito pouco o piloto da Red Bull. Era o início de uma rivalidade que tende a ser histórica e que já no Oriente Médio teve as primeira pitadas do que veria pela frente.


Hamilton derrotou Verstappen numa luta direta e dura. Na penúltima volta Max efetuou a ultrapassagem decisiva sobre Lewis, mas ao sair da pista, teve que devolver a posição e entregar a vitória para o piloto da Mercedes. No Bahrein vimos dois pilotos no limite, duas equipes fortíssimas e decisões polêmicas envolvendo o diretor de corridas, Michael Masi, aparecendo. Isso seria o tom de toda a temporada 2021, deixando os demais dezoito pilotos como coadjuvantes, mas não sem boas histórias envolvendo eles.


Sérgio Pérez retornava a uma equipe grande após quase sair da F1 com a entrada de Lawrence Stroll como dono da Force India, que se tornou Aston Martin. O mexicano teve dificuldades logo na primeira prova do ano no Sakhir e quase ficou de fora na volta de apresentação, mas Pérez apertou um 'Ctrl+Alt+Del' no seu carro e voltou à pista em último para conseguir uma série de ultrapassagens e se tornar um dos destaques da corrida. E isso aconteceu várias vezes ao longo do ano. Checo repetiu a sina dos companheiro de equipe de Verstappen na Red Bull, onde acompanhar o neerlandês era uma tarefa hercúlea. Pérez só superou Verstappen no grid uma vez em 2021, com um ritmo de classificação bem ruim para Checo, mas o mexicano compensava na corrida, porém, isso muitas vezes deixava Verstappen sozinho contra a Mercedes, diminuindo as opções táticas da Red Bull. Muitas vezes cobrado, Pérez não teve sua renovação de contrato automática, mas no geral Pérez fez um bom campeonato, com uma vitória sortuda em Baku, pista onde sempre anda bem. O mexicano contou um furo de pneu de Verstappen e um erro de Hamilton para vencer no Azerbaijão, além de conseguir vários pódios, incluindo em sua casa, proporcionando uma festa belíssima junto com seus compatriotas. No fim, o contrato de Pérez foi renovado e o mexicano terá como meta melhorar seu ritmo de classificação. Bottas já entrou nessa temporada pressionado em mostrar serviço, se não ganharia o famoso bilhete azul. Porém, o nórdico repetiu as temporadas anteriores, com vitórias consagradoras como na Turquia, com exibições bisonhas, como na Rússia ou em Austin. Mesmo sabendo que Hamilton funciona melhor sem ter ninguém para lhe perturbar dentro a equipe, Toto Wolff percebeu que Bottas já havia chegado ao limite e por isso o dispensou da equipe e para o seu lugar trouxe o promissor George Russell, de ótimos serviços com a Williams. Resta saber como Russell irá se comportar ao lado de Hamilton. Num ano tão bipolarizado, os escudeiros de Mercedes e Red Bull fizeram diferença a ponto de Verstappen dizer que não seria campeão se não fosse Pérez. O mexicano realmente ajudou Max e a Red Bull em momentos pontuais, como na Turquia e em Abu Dhabi, enquanto Bottas ficou devendo um pouco mais, com voltas mais rápidas que tiraram pontos de Max e nada mais. No cômputo geral, mesmo ficando atrás de Bottas no campeonato, Pérez se saiu melhor entre os 'números 2' das equipes top e ficará mais um ano na Red Bull.


Após um ano tão ruim em 2020, a Ferrari se recuperou em 2021 e terminou o ano em terceiro lugar com uma dupla de pilotos equilibrada, muito forte e promissora. Charles Leclerc pensava que ficaria como primeiro piloto da Ferrari com a saída de Vettel, mas Carlos Sainz imediatamente se adaptou à Ferrari e andou junto do monegasco durante todo o ano. O espanhol conquistou quatro pódios, incluindo na corrida decisiva que lhe garantiu o quinto lugar no Mundial de Pilotos, o que significa ter sido o melhor do resto. Leclerc teve um ano dentro das suas expectativas, onde conquistou a pole em sua corrida caseira, mas um acidente na classificação e a não troca do câmbio fez com que Charles nem largasse. Pela primeira vez na F1, Leclerc foi superado por um companheiro de equipe e com seus dois pilotos andando próximos o tempo todo, a Ferrari viu Leclerc e Sainz terem algumas rusgas nesse final de campeonato, o que pode ser um problema para Mattia Binotto quando a Ferrari finalmente voltar a briga pela vitória. A principal rival da Ferrari no ano foi a McLaren e na verdade os ingleses ficaram boa parte do ano na frente dos italianos. Lando Norris foi um dos grandes nomes da temporada, conquistando resultados importantes para a McLaren e ficando até a metade da temporada numa improvável terceira colocação no Mundial de Pilotos. Piloto carismático e muito popular, Norris foi uma das forças da F1 no ano, com três pódios na primeira metade do ano, suplantando completamente Daniel Ricciardo. O australiano foi contratado à peso de ouro pela McLaren para liderar a equipe, que voltava a receber motores Mercedes, mas Daniel foi uma das grandes decepções do ano, superado com sobras por Norris e muitas vezes ficando no Q2 e até mesmo no Q1! Porém, numa dessas magias que acontecem na F1, em Monza a McLaren viveu seu melhor momento em muitos anos na F1 e largou nas duas primeiras filas, com Ricciardo tomando a ponta de Verstappen na primeira curva e liderando de ponta a ponta a corrida. Norris se aproveitou de um dos entreveros de Max e Lewis para completar a dobradinha da McLaren, por sinal, a única da temporada. Norris teve uma chance de ouro na Rússia, onde liderou boa parte da corrida, mas uma pancada de chuva nas voltas finais destruíram o sonho do inglês em conquistar sua primeira vitória na F1 e a partir dali, talvez pensando no novo carro de 2022, a McLaren decaiu muito e permitiu a virada da Ferrari no Mundial de Construtores. A McLaren se consolida como uma das principais equipes do apertado pelotão intermediário, tornando-a atrativa o suficiente para fazer com que o Grupo VW, interessada em entrar na F1, comprá-la num futuro próximo.


Outra equipe que conseguiu vitória esse ano sem contar as gigantes foi a Alpine. Os franceses, único a utilizarem o motor Renault, fizeram uma temporada aquém do esperado pelos pilotos que tem. Além do jovem, mas experimentado Esteban Ocon, a Alpine contou com a genialidade de Fernando Alonso, retornando à F1 no alto dos seus quarenta anos. O espanhol começou devagar o ano, mas conseguiu evoluir ao seu altíssimo nível durante o ano e foi um dos destaques da temporada. Contudo, assim como na McLaren, foi o outro piloto a triunfar. A corrida na Hungria foi confusa e marcada pela chuva. Porém, a pista secou rapidamente. Talvez tão rapidamente que vimos uma cena insólita, com apenas Hamilton largando no grid, com os demais pilotos nos boxes para colocar pneus slicks. Na confusão dentro dos boxes, quem saiu da frente foi Ocon, que controlou toda a corrida para conquistar sua primeira vitória na F1 e também da Alpine. Com a luxuosa contribuição de Alonso, que segurou por várias voltas com enorme categoria um bem mais rápido Hamilton. Um ano com nível tão alto não poderia terminar sem um resultado de relevo para Fernando e ele veio no Catar, uma das novidades do ano. O espanhol andou muito forte na nova pista e com uma pilotagem exemplar, conseguiu chegar em terceiro, mesmo com Pérez logo atrás. Essas exibições colocaram a Alpine em quinto lugar, mas por ser uma equipe de fábrica, ainda é muito pouco para as pretensões francesas. Os gauleses tiveram como concorrentes a Alpha Tauri, que tinha como principal piloto um francês, o cada vez melhor Pierre Gasly. Após sua traumática saída da Red Bull em 2019, Gasly somente melhora na equipe satélite e nesse ano Gasly continuou sua consolidação como um dos ótimos pilotos do grid, com um pódio em Baku. Porém, a falta de atenção por parte da Red Bull (leia-se Helmut Marko) com ele já incomoda Pierre, que deu uma corajosa entrevista ao Player's Tribune, onde criticou a forma como foi tratado por Marko, que claramente só tem olhos para Max Verstappen. Como a Red Bull já não tem a mesma ostentação de jovens pilotos como em outros tempos, Gasly vai ficando na Alpha Tauri, mas claramente pensando em conseguir outro lugar para mostrar seu talento, pois Pierre sabe que a Red Bull tem dono. A Alpha Tauri estreou nesse ano o japonês Yuki Tsunoda, o primeiro piloto da F1 nascido nos anos 2000. O pequenino piloto debutou muito bem ao pontuar, mas ao contrário de boa parte da população japonesa, Tsunoda tem um comportamento irritadiço e muitas vezes soltou palavrões no rádio com a equipe, além de cometer erros em sucessão que irritou Marko. Tsunoda até mudou de país para se focar mais na F1 e nas últimas corridas Yuki melhorou a ponto de chegar num ótimo quarto lugar na corrida final. Tsunoda, protegido da Honda, teve seu contrato renovado, mas para permanecer na F1 terá que errar menos. Após um ano tão bom ao copiar a Mercedes, havia uma expectativa muito boa com a Aston Martin, mas se até a Mercedes teve problemas com as mudanças de assoalho, imagina então quem a copiava. A Aston Martin ficou aquém do esperado no ano. Vettel chegou devagar e teve um ano de altos (pódio em Baku e o segundo lugar na Hungria cassado por problemas de combustível) e baixos, mas o alemão superou o limitado Lance Stroll, só estando ali por causa da grana do papai. Vamos até quando Lawrence vai se tocar que o futuro do seu filho talvez seja atrás de uma mesa de escritório... 


A Alfa Romeo não brilhou esse ano e seus pilotos marcaram poucos pontos. Antonio Giovinazzi se mostrou rápido em classificação, mas sofrível nas corridas e por isso foi dispensado, tirando a Itália da F1 mais uma vez. Seu substituto causou polêmica, pois o chinês Guanyu Zhou tem como principal credencial seu polpudo cheque para mostrar a F1, enquanto o fenômeno Oscar Piastri, campeão da F2 derrotando Zhou ficará como piloto reserva da Alpine em 2022. Porém, a saída que chama atenção será de Kimi Raikkonen. Aos 42 anos de idade, Kimi Raikkonen anunciou sua aposentadoria definitiva do seu jeito, sem muitas palavras e deixando saudades para os seus fãs, ávidos de ouvir patadas via rádio, onde Raikkonen evocava o Seu Lunga Nórdico. Kimi queria apenas correr, não se importando com todo o resto, mas não dá para esconder que o finlandês fez apenas figuração nos últimos anos. Para o seu lugar, virá Valtteri Bottas, ajudado pela boa relação entre Toto Wolff e Fred Vasseur, chefe da Alfa. Bottas trará experiência de vários anos numa equipe dominadora à Alfa Romeo, mas Valtteri terá que se manter mais acordado para ficar mais alguns anos na F1. A Williams viveu um ano de opostos dentro e fora da pista. Houve evolução do novo carro, carregado nas costas por Russell. O inglês lutou bastante para marcar seus primeiros pontos pela Williams e havia até uma torcida para isso. Muito rápido em ritmo de classificação, Russell pecava em ritmo de corrida, mas os primeiros pontos vieram na Hungria e em Spa, na corrida 'Viúva Porcina', Russell conseguiu o primeiro pódio da Williams em muitos anos, mas devido às circunstâncias, pouco comemorado. Latifi, piloto pagante, evoluiu e marcou seus pontinhos, mas o canadense não tem traquejo para liderar uma equipe com a saída de Russell para a Mercedes. Esse papel caberá à Alex Albon, trazido da Red Bull, enquanto Russell terá que subir ainda mais seu nível para andar ao lado de Lewis Hamilton e perceber que um quarto lugar no grid é algo a ser lamentado, não comemorado. Fora das pistas, se fala no interesse do Grupo VW, mas a morte de Frank Williams marcará para sempre o ano de 2021 para a Williams. A Haas foi a única que não pontuou em 2021. Disparado o pior carro do ano, Gunther Steiner ainda teve que aturar seus dois pilotos se batendo algumas vezes, na maioria das vezes por culpa do irascível Nikita Mazepin. A F1 já tem um certo preconceito com pilotos-pagantes, mas Mazepin passou de todos os limites de antipatia ao ser flagrado assediando uma moça e sair várias vezes da pista no começo do ano a ponto de ser chamado de 'Mazespin'. A desvantagem que o russo tinha para Mick Schumacher nas classificações mostrava que Nikita não tem a mínima condição de estar na F1, mesmo errando menos nas últimas provas. Schumacher mostrou ser diferenciado ao conseguir levar algumas vezes o péssimo carro da Haas ao Q2, mas é fato também que o jovem alemão bateu demais. Assim como as demais equipes, a Haas aposta tudo nos novos regulamentos de 2022 para evoluir. O problema é que começando tão atrás, será difícil para os americanos não repetirem o papelão desse ano.


A tão propagada revolução para 2022 permeou boa parte das equipes, que pouco evoluíram nesse ano já pensando na próxima temporada. O problema é que tem tanta gente pensando em 2022 e o pódio continuará tendo apenas três vagas e haverá apenas um campeão, sem contar que Red Bull e Mercedes continuarão trabalhando para se manter na ponta. Houve também as primeiras Sprint Races, ideia da Liberty Media para movimentar os finais de semana, mas que até agora não cativou ninguém. Toda essa movimentação me faz lembrar de 1997, quando houve uma temporada excepcional, mas às vésperas de uma grande revolução nos regulamentos que trouxe a expectativa de todo mundo, mas no final 1998 foi um ano bem abaixo do anterior. Tomara que isso não se repita! No Brasil a F1 sofreu uma grande mudança com saída da Globo após quarenta anos e o retorno da Bandeirantes. Houve uma clara empolgação com o novo produto e a Band tratou a F1 melhor do que vinha fazendo a Globo, que não passava os treinos e pódios. A Band tratou de passar tudo isso, além de fazer um pré e um pós corrida, mas na verdade não mudou muita coisa na transmissão da corrida em sia, pois Reginaldo Leme já estava lá, foram contratados Felipe Giaffone e Max Wilson, egressos da Globo, além do narrador Sergio Maurício, que fazia as transmissões da F1 no SporTV. Com uma temporada tão boa, os índices de audiência foram excelentes, deixando a Band até mesmo na liderança em alguns momentos, além das gordas cotas de patrocínio. O resultado para a Band foi muito bom, apesar de não concordar com Sergio Maurício dessa ter sido a melhor temporada de F1 de todos os tempos.


Mas foi uma das melhores. Após a primeira corrida do ano, ficou claro que teríamos uma disputa titânica entre Lewis Hamilton e Max Verstappen. Uma disputa tão grandiosa que envolveu suas equipes e não havia uma beligerância tão grande entre times e chefes de equipe desde os tempos de McLaren e Ferrari no caso Spygate. Porém, ainda havia algum respeito ali. Entre Toto Wolff e Christian Horner, nem isso. Foi uma guerra aberta e as consequências ainda serão mensuradas. O mesmo acontecendo entre os pilotos. Mesmo alcançando marcas centenárias na F1, Lewis Hamilton parecia faminto em derrotar um piloto diferente e de uma equipe diferente. Ninguém pode questionar fatos, mas pode-se questionar o contexto. Hamilton conseguiu seus inflados números correndo sozinho? Lewis sabia que, historicamente, ele precisava desse título para se colocar numa prateleira mais alta junto aos grandes da F1. Com isso, finalmente vimos um Hamilton no limite como a muito não víamos, com o experiente inglês usando todo o seu arsenal para derrotar Verstappen, que também estava pressionado. Forjado para ser campeão mundial de F1 desde o kart na mão de ferro do seu pai, Max Verstappen sabia que essa era uma oportunidade que ele não podia desperdiçar e nada melhor do que derrotando a grande estrela do presente, sem contar que a saída da Honda tornar o futuro próximo da Red Bull numa incógnita. Max sabia que se o título não viesse agora, poderia demorar muito mais. Era agora ou talvez nunca mais, mesmo ninguém duvidando do enorme talento do neerlandês. Essa conjunção de dois cometas, cada um com seu objetivo, fez com que tivemos uma das grandes temporadas da história.


Max ou Lewis. Lewis ou Max. 2021 foi sempre uma tensão do que poderia acontecer com eles durante as provas. E aconteceram muitas coisas, culminando com Silverstone. Mais experiente, Hamilton tirou o pé algumas vezes, enquanto Max Verstappen sempre se colocou no modo 'Full Attack' o tempo todo. Em Barcelona, Portimão e Ímola, Lewis tirou o pé para não bater em Max em disputas direta na primeira volta. Correndo em casa, dois anos depois com público, Hamilton não iria querer ficar por baixo frente ao rival. Havia um fator psicológico que poderia fazer toda a diferença ao longo do campeonato. Na Sprint Race, Max novamente partiu para cima de Lewis e o inglês pensou que havia chegado a hora de dar uma carteirada no fedelho. Numa disputa de posição polêmica e que será discutida e falada por anos, Hamilton colocou de lado na entrada da Copse e Verstappen, que fora atacado por Lewis nas curvas anteriores, fez a curva normalmente, talvez esperando que o piloto da Mercedes tirasse o pé como fizera até então. Só que Hamilton não tirou o pé e o toque foi inevitável. Max bateu forte, Hamilton foi punido justamente (a maior punição prevista em regulamento é de 10s e Lewis foi punido em 10s), mas Lewis ainda venceu, enquanto Verstappen estava no hospital em observação. Hamilton imitou o ídolo Senna? Na minha visão, não. Senna entrou na traseira de Prost de forma proposital, enquanto Hamilton deu a opção para Max em bater ou não e o piloto da Red Bull optou em bater e ver no que vai acontecer. Para Hamilton, aquela lição deveria baixar o ímpeto de Max, mas isso foi um erro de julgamento de Hamilton, pois deixou Verstappen ainda mais agressivo nas disputas entre eles. Hamilton voltou ao seu pragmatismo, mas sem perder a sua velocidade. Um ponto pouco falado foi que, se Max tivesse deixado Hamilton passar, em Silverstone, ele teria no mínimo mais dezoito pontos na mão e teria um final de campeonato mais tranquilo. Porém, a frase 'deixar passar' não combina bem com Verstappen. E outro toque polêmico aconteceu em Monza, com Verstappen literalmente passando por cima de Hamilton, que foi salvo pelo Halo.


Houveram pegas incríveis e inesquecíveis em Austin e Interlagos, numa festa que Hamilton proporcionou no Brasil no que foi uma de suas melhores corridas na sua já longa carreira. Assim foi Max e Lewis o ano todo. Os dois levando ao limite um ao outro. Não faltaram grandes recuperações. Para o nosso deleite. Mas havia um terceiro personagem nessa equação: Michael Masi. O australiano estava sossegado dirigindo corridas da V8 Supercars quando a F1 foi surpreendida pela morte súbita de Charlie Whitting nas vésperas do GP da Austrália de 2017 e Masi foi ficando como diretor de corridas da F1. Porém, Masi levava as regras ao pé da letra que começava a incomodar a todo o entorno da F1, passando por torcida, pilotos e equipes. Em 2021 Masi foi protagonista involuntário da temporada com suas decisões que mexeram na luta pelo título, enquanto tinha Wolff e Horner lhe falando no pé do ouvido o tempo todo via rádio. Numa disputa tão parelha e em alto nível, a F1 chegou com Hamilton e Verstappen empatados para a última corrida do ano, algo que só se repetiu em 1974. Max tinha a vantagem por ter uma vitória a mais e por isso, um toque entre eles era algo não apenas cogitado, como esperado. Felizmente o toque não veio. A polêmica, sim. Como acontecera em 2008 com Timo Glock, o infeliz que mexeu em todo o campeonato foi Nicholas Latifi, por coincidência usando motor Mercedes, quando este bateu seu Williams nas voltas finais e trouxe o SC para a pista. Hamilton ficou na pista, mas Verstappen correu para colocar pneus macios. Isso se mostraria decisivo, mas havia cinco retardatários entre os líderes de uma corrida que acabava. O que fez Masi? Mandou que apenas esses cinco retardatários saíssem da frente de Max e a corrida foi reiniciada com Hamilton, que vinha de três vitórias seguidas e dominava a corrida, se tornasse um alvo fácil para Verstappen, que tomou a ponta na última volta para vencer de forma eletrizante o campeonato.


Toto Wolff estava uma fera, a Mercedes protestou das decisões atabalhoadas de Masi e como foram rejeitadas, prometeu apelar. Hamilton passou algum tempo dentro do carro e silenciou-se após a corrida, nem participando da entrevista coletiva. A Mercedes e Hamilton ficaram como mau perdedores e a promessa de apelação foi retirada, garantindo o título de Verstappen. E também a demissão de Michael Masi. Se o título fosse para Hamilton, também seria merecido, mas o inglês teve como trunfo o novo motor Mercedes que fez com que Lewis tivesse um canhão nas últimas quatro corridas e se não fosse o acidente de Latifi, ele seria o grande campeão desse ano. Mérito para a Mercedes, que conquistou o inédito octacampeonato seguido de Construtores. Porém, Max Verstappen elevou todo o nível da Red Bull, andou de forma agressiva o tempo todo e levantou seu primeiro caneco. Mais confiante, podemos ver um Verstappen ainda melhor em 2022, assim como poderemos ver um Hamilton mais agressivo por ter perdido o título tão no final e na visão dele e da Mercedes, de forma injusta. A inesquecível temporada 2021 pode não ter terminado semana passada, com Lewis e Max ainda se digladiando nos próximos anos.

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