domingo, 11 de dezembro de 2022

Nova dinastia?

 


Nos últimos vinte anos, a F1 vem se caracterizando por grandes domínios. Isso sempre existiu na categoria e já na primeira temporada a Alfa Romeo venceu todas as corridas em que disputou e seus três pilotos oficiais ficaram nas três primeiras posições (Farina, Fangio e Fagioli). No entanto, o que chama atenção é que os domínios estão cada dia mais comuns e duradouros, principalmente com atitudes da FIA em restringir cada vez seus regulamentos. A Mercedes venceu oito títulos consecutivos no Mundial de Construtores e papou sete títulos de pilotos. A F1 estava nitidamente cansada da doutrinação do time de Toto Wolff e seus blue caps e por isso, impôs uma revolucionária mudança de regulamento técnico, que também serviria para ajudar as ultrapassagens e disputas por posições, nêmesis procurada pela FIA já fazem alguns anos. A Mercedes errou o projeto com sua inovadora lateral 'zero-pod', mas nem por isso não houve domínio. Inclusive de recordes sendo quebrados. O conjunto Red Bull e Max Verstappen se mostraram imbatíveis em 2022. Com a casca ganha pela inesquecível disputa com Lewis Hamilton em 2021, Verstappen se mostrou um piloto ainda melhor em 2022 e simplesmente não deu chances aos adversários, enquanto a Red Bull superou um início claudicante para varrer a concorrência e não apenas vencer o Mundial de Pilotos com Max, como recuperar o Mundial de Construtores após quase dez anos.


O começo do ano foi marcado pelo início da guerra entre Rússia e Ucrânia, que acabou respingando na F1 pela crise financeira que o conflito trouxe para toda a Europa, inclusive no famoso teto orçamentário. A inflação fez com que as equipes tivessem que refazer os cálculos e muito time simplesmente não desenvolveu mais seus carros com receio de ultrapassar o tal teto. Porém, a mais 'prejudicada' foi mesmo a Haas. Patrocinada por uma empresa russa cujo dono é um dos magnatas que sustentam Vladimir Putin na Rússia, a Haas ficou com um abacaxi nas mãos, pois imediatamente o mundo impôs várias sanções à Rússia e até mesmo a FIA, tradicionalmente alheio às questões políticas, interveio e a corrida da Rússia foi devidamente cancelada. Uma das imposições era que todos os pilotos russos não correriam com sua bandeira, o mesmo acontecendo com as equipes. Pintada nas cores russas e com amplos patrocínios do país de Putin, a Haas teve que muda seu lay-out ainda na pré-temporada, mas teve um bônus inesperado. Para ter esse patrocínio, a Haas teve que aguentar o bizarro Nikita Mazepin. Com toda essa confusão, Mazepin teve seu contrato rescindido e a Haas recorreu ao veterano Kevin Magnussen, mesmo com a pressão brasileira para que viesse Pietro Fittipaldi. A Haas, que tinha sido a última colocada com 'vantagem' em 2021, usou o dinheiro de Mazepin para construir um carro melhor e ainda teve a sorte de não ter Mazepin no carro. Boa Steiner!


Quando a Mercedes apareceu com seu carro totalmente diferente, com as laterais finas como a Lambo de 1991, a F1 tomou um susto, pois o time de Wolff poderia ter dado um definitivo pulo do gato rumo ao nono ano de domínio, mas os tempos na pré-temporada não mostraram isso. A Ferrari era a grande favorita para o ano. Os italianos se concentraram para 2022 e os novos regulamentos, tendo o carro mais rápido e sólido da pré-temporada. Veio as primeiras corridas e Charles Leclerc tomou a liderança do campeonato com corridas fortes e muita velocidade no sábado, principalmente. Para melhorar a situação dos italianos, a Red Bull sofria com a confiabilidade dos carros e a Mercedes tinha errado seu conceito, sofrendo com algo que não era visto há quarenta anos: o porpoising. Com o retorno do efeito-solo, os quiques que eram vistos no começo dos anos 1980 voltaram com tudo em 2022, algo que os projetistas atuais simplesmente não conseguiam prever. Durante a pré-temporada, era impressionante o quanto os carros quicavam em alta velocidade, fazendo com que os capacetes dos pilotos balançassem demais. Rapidamente os pilotos passaram a reclamar de dores nas costas e a primeira grande polêmica de 2022 se estabeleceu. A Mercedes foi a principal prejudicada e que mais clamava por mudanças. Ferrari e Red Bull eram quem menos sofriam com o porpoising e simplesmente davam a dica: levantem os carros! O impasse foi feito e quando Hamilton saiu do carro com fortes dores nas costas após a corrida em Baku e sua eterna reta dos boxes, a FIA entrou em ação e medidas foram tomadas, enquanto as próprias equipes entendiam e minimizavam o problema, que na verdade nunca acabou até o final de 2022.


Enquanto isso, a Red Bull trabalhava na confiabilidade do seu carro e com esse assunto rapidamente resolvido, passou a atacar a desvantagem da Ferrari, que ainda no começo do ano não era nada desprezível. Max Verstappen chegou a emendar algumas vitórias consecutivas, mas Christian Horner teve um inesperado aliado para reverter a situação: a própria Ferrari. Já se passaram quinze anos desde o último título de pilotos da Ferrari e isso talvez reflita numa falta de experiência na gestão da equipe, que quando pressionada, simplesmente entregava a rapadura. Os erros estratégicos começaram a brotar no pomar de Maranello e Mattia Binotto parecia mais perdido que um japonês no meio de um forró. Com a vantagem da Red Bull diminuindo, a Ferrari forçou o desenvolvimento do seu carro e o aumento de performance atingiu a confiabilidade do carro, que começou a quebrar, algumas vezes com Leclerc na ponta, como foi em Baku. Com Carlos Sainz ainda tateando no começo do ano, o monegasco era claramente o primeiro piloto e com seu antigo rival Max Verstappen se aproximando no campeonato, Charles começou a errar e a saída de pista solo em Paul Ricard foi o grande exemplo de como Leclerc estava pressionado. Some-se a isso erros estúpidos de estratégia e tínhamos a receita perfeita de como uma equipe construir o melhor carro do ano estragar sua própria temporada. Leclerc ainda fez várias poles durante o ano, mostrando a velocidade da Ferrari, mas já na entrevista pós-classificação ficava claro que a Red Bull iria venceu no domingo. Era iminente. Claro que essa derrota custaria caro e após vinte e sete anos de Ferrari, Binotto foi dispensado.


A Red Bull aproveitou-se da fragilidade de sua maior rival de 2022 para quebrar recordes. Max Verstappen conquistou incríveis quinze vitórias no ano, se tornando o piloto com mais vitórias numa única temporada. Mais do que isso, Max foi dono de performances de tirar o fôlego, como em Hungaroring e Spa. Foram pilotagens que qualquer gênio da F1 assinaria. Desde 2013 sem títulos de construtores, a Red Bull recuperou o troféu, mesmo com a polêmica de ter furado o teto orçamentário em 2021 e a morte de Dietrich Mateschitz. Sergio Pérez se mostrou uma peça importante na equipe, com vitórias importantes e só perdendo o vice-campeonato por muito pouco para Leclerc. Porém, uma pequena confusão em Interlagos fez com que o final do ano da Red Bull não fosse um mar de rosas. Ainda na briga pelo vice, Pérez esperava que Verstappen lhe cedesse a posição em São Paulo, mas Max simplesmente se negou a isso, dizendo que havia algo que havia lhe irritado antes. Em Mônaco, Pérez bateu na classificação e isso estragou a volta de Verstappen, que largou atrás de Checo e terminou a corrida em terceiro, enquanto Pérez comemorou uma emocionante vitória. A imprensa neerlandesa indicou que a batida de Pérez teria sido proposital para prejudicar Verstappen e que por isso Max não ajudou Checo, que não escondeu sua raiva pela situação. Mesmo com tudo ganho, a Red Bull teve que interver, mas Verstappen não ajudou Pérez na corrida final para que o mexicano ficasse com o vice. Mas Checo terá chance de repetir Nico Rosberg?


Falando nisso em Mercedes, o time tedesco se estabeleceu como a terceira força do campeonato numa temporada cheia de altos e baixos. O carro não tinha nenhuma consistência e tanto poderia tomar uma volta, como dominar um final de semana, como em Interlagos. Porém, o vitorioso não foi Lewis Hamilton em São Paulo, na semana em que o inglês ganhou o título de cidadão honorário brasileiro. Após muita espera, George Russell finalmente estreou na Mercedes e o jovem inglês fez uma temporada de estreia numa equipe grande de forma impecável, mostrando uma pilotagem sólida e andando no mesmo ritmo de Hamilton. Em Interlagos Russell dominou a corrida e venceu pela primeira vez na F1, mostrando que a aposta de Wolff ainda pode render bons frutos. E Hamilton? Desacostumado com um carro ruim, Hamilton nem de longe mostrou ser o piloto faminto dos seus áureos tempos de domínio da Mercedes. Algumas vezes Hamilton se mostrou um piloto resignado, tomando volta em Ímola e pedindo para abandonar em Barcelona. Quando teve um bom carro, porém, Hamilton se mostrou forte e se recuperou de alguma forma na segunda metade da temporada, mas não impedindo que ele terminasse pela primeira vez na carreira sem vitórias na F1, além de ter sido superado por Russell no campeonato.


Outra esperança do novo regulamento técnico era diminuir as diferença entre as equipes grandes e médias, mas aconteceu exatamente o contrário. O abismo aumentou e os pódios foram inteiramente dominados pelos pilotos de Red Bull, Ferrari e Mercedes. Apenas Lando Norris furou esse domínio em Ímola. Contudo, a briga pelo meio do pelotão esteve longe de ser ruim, até mesmo fora das pistas. Alpine e McLaren brigaram palmo a palmo pelo quarto lugar no Mundial de Construtores, no final vencido pelos franceses. Porém, a Alpine teve sérios problemas de confiabilidade que fizeram com que a McLaren passasse boa parte do ano à frente da Alpine. Alonso mostrou sua magia em várias ocasiões, mas acabou tendo problemas demais com seu carro e por isso acabou atrás de Ocon, com quem teve atritos no final da temporada. Contanto com 41 anos de idade, Alonso não teve seu contrato renovado rapidamente e esse impasse acabou trazendo a grande polêmica fora das pistas entre McLaren e Alpine. Quando Vettel surpreendeu a todos com a sua aposentadoria, Alonso não deixou por menos e anunciou que substituiria o alemão na Aston Martin em 2023. O passo seguinte e lógico era que Oscar Piastri, tratado como uma perola pela Alpine, substituísse o espanhol na equipe gaulesa em 2023, certo? Não para Piastri e sua equipe. Foram meses de enrolação por parte da Alpine e Piastri corria o sério risco de ficar outro ano fora da F1 e por isso, o australiano negociou com a McLaren, claramente frustrada com outro ano abaixo da crítica de Daniel Ricciardo. Numa negociação por debaixo dos panos, Piastri se acertou com a McLaren e quando a Alpine anunciou que Piastri seria seu piloto em 2023, Oscar simplesmente negou a sua então equipe. Foi uma confusão gigantesca, principalmente quando a Alpine descobriu que tinha levado um chapéu histórico da McLaren, que tinha acertado com o jovem piloto da Alpine. O registro de contratos da FIA anunciou que a McLaren estava correta, deixando Otmar Szfanauer uma arara. Tentando compensar a errata de perder dois grandes pilotos em poucas semanas, a Alpine contratou Pierre Gasly, talvez esquecendo que Ocon e Gasly não se dão. 2023 tende a ser bem tendo pelos lados da Alpine, enquanto a McLaren terá dois jovens talentosos no seu line-up, mas precisando dar bons carros a eles.


Como falado anteriormente, Vettel anunciou sua aposentadoria ao final de 2022, iniciando uma temporada de despedida e não faltaram despedidas emocionantes na corrida final em Abu Dhabi. Após seu período de domínio com a Red Bull, Vettel passou a olhar para outros itens de sua vida e por isso ganhou vários admiradores pelas suas causas. Vettel saiu da F1 como um dos grandes, mas com bastante respeito entre seus pares, algo bem raro na história da categoria. Respeito que ninguém terá por Lance Stroll, cada vez mais na cara que só está na F1 por ser filho do dono. Quando a Ferrari começou o ano muito bem, puxou consigo suas clientes Alfa Romeo e Haas, mas na mesma medida em que a Ferrari foi perdendo o fôlego, as duas equipes caíram ao longo do ano. Após anos numa equipe de ponta, Bottas teve que reaprender a correr no meio do pelotão e aprender a liderar uma equipe, o que fez muito bem na Alfa Romeo, guiando o único novato no ano, Guanyu Zhou. O chinês chegou conhecido como pay-driver, mas se comportou muito bem, ao contrário dos canadenses Stroll e Nicholas Latifi. O piloto da Williams teve um ano medonho, mesmo liderando casualmente um treino livre. Tão ruim que Latifi, mesmo trazendo dinheiro para a Williams, acabou dispensado da equipe, entrando em seu lugar Logan Sargent, americano de bom desempenho nas categorias de base. Alexander Albon fez um trabalho muito bom ao liderar a Williams, mesmo não sendo possível tirar a equipe da lanterna do Mundial de Construtores. A Alpha Tauri teve uma grande queda em 2022 e ainda amargou a saída de Gasly e sem opções, manteve o inconstante Yuki Tsunoda, que aos poucos vai entrando para o folclore da F1, mas ao menos a equipe júnior da Red Bull terá um piloto conceituado em 2023, com a estreia de Nyck de Vries. A Haas viu Magnussen mal pegar no carro e marcar pontos, enquanto Mick Schumacher destruía seus carros em acidentes muito fortes, que doeram no bolso de Gene Haas. Para completar, em Interlagos Kevin ficou com uma incrível pole e Mick foi último. Apesar do sobrenome, Mick foi dispensado e a Haas trouxe da aposentadoria Nico Hulkenberg.


Após um 2021 inesquecível e de muita disputa, a temporada 2022 esteve longe de empolgar na luta pelo título. O conjunto Red Bull/Max Verstappen já é um dos mais dominantes da F1 no século 21 e por isso surge como grande favorito para 2023, mas há esperanças de mais competitividade. Dificilmente a Mercedes terá outro ano tão ruim e os erros de projetos foram descobertos e deverão ser corrigidos, enquanto a Ferrari tentará usar essa temporada como uma grande lição. As demais equipes tentarão encostar no pelotão dianteiro. Esperemos que 2023 não seja uma continuação dos recordes da Red Bull e de Max. Lógico, se você não ser neerlandês ou torcedor desse fenômeno chamado Max Verstappen.

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