sábado, 6 de outubro de 2007

O Touro dos Pampas

Juan Manuel Fangio é sinônimo de automobilismo argentino para o leigo em automobilismo, mas no final dos anos 40, Fangio era um dos grandes pilotos argentinos. Em 1949, Fangio foi à Europa acompanhado de um jovem e roliço amigo para juntos desbravarem a Europa e conquistá-la poucos anos depois. José Froilan Gonzalez era a antítese do piloto de corridas atual. Claramente fora de forma, mas dono de uma tocada fortíssima, Gonzalez foi um dos grandes pilotos do início da F1 e entrou para a história da Ferrari ao dar à Scuderia sua primeira vitória em 1951. Conhecido como El Cabezón pela sua cabeça avantajada, Gonzalez também era conhecido como Touro dos Pampas, pelo tamanho da barriga. Completando 85 anos de idade, vamos reviver um pouco a história de Gonzalez.

José Froilan Gonzales nasceu no dia cinco de outubro de 1922 em Arrecifes, na província de Buenos Aires a aproximadamente três horas da capital argentina. Filho de um revendedor da Chevrolet, quando era jovem o pequeno José foi um atleta nato, se tornando um grande nadador, um grande atirador, um ciclista que não fazia vergonha até se apaixonar pelas corridas, participando das famosas corridas de estrada pela América do Sul junto com Fangio e Oscar Galvéz em meados dos anos 40. Desde essa época Gonzalez exibiu seu físico bem roliço, mas se engana quando vê um homem gordo ao volante. El Cabezón era um dos melhores pilotos da América do Sul.

Ainda na Argentina Gonzalez ajudou seu pai a montar um negócio de transportes com caminhões quando recebeu o convite de sua vida em 1949. O governo de Perón pagou uma temporada na Europa para os melhores pilotos da Argentina de então e Gonzalez partiu junto com o grande Fangio para essa empreitada. O primeiro carro de Gonzalez e Fangio era um Maserati 4CLT de uma equipe pequena e o melhor resultado de Gonzalez foi um segundo lugar em Albi atrás do vencedor Louis Rosier num Talbot. No primeiro campeonato de F1 em 1950, Gonzalez fez sua estréia no Grande Prêmio de Mônaco com o mesmo Maserati 4CLT e se involveu no famoso acidente que eliminou a maioria do grid daquela corrida no principado. Gonzalez se queimou um pouco e só participou de mais uma corrida em Reims.

No início de 1951 a Mercedes começava a mexer os pauzinhos para a sua volta ao automobilismo e rescucitou três Mercedes W154 de antes da Segunda Guerra Mundial para participar de uma série de corridas na Argentina. Os modelos W154 eram as vedetes do pré-guerra, mas Gonzalez venceu todas as corridas à bordo de um Ferrari 166. Era o primeiro contato de Gonzalez com a Ferrari. De volta à Europa, Gonzalez andou inicialmente com um Talbot e foi o segundo colocado no GP de Paris em Bagatelle e participou da primeira etapa de 1951 da F1 na Suíça. O terceiro piloto da Ferrari em 1951 Piero Taruffi também era dono de equipe do mundial de motociclismo e praticamente sem tempo para conciliar as duas atividades, saiu da Scuderia e para o seu lugar foi contratado Gonzalez.

Enzo Ferrari tinha ficado impressionado com as atuações de Gonzalez na Argentina no início do ano e pensava que o roliço argentino era o atíndoto perfeito para Fangio, que estava na equipe Alfa Romeo. Porém, Alberto Ascari se impôs dentro da equipe e queria a primazia dentro do time. A Ferrari usava um motor 3.2l V12 aspirado que consumia bem menos combustível do que os 1.5l sobrealimentados da Alfa e a escuderia de Enzo Ferrari já tinha um desempenho parecido com a da sua ex-equipe. Em Reims, Gonzalez liderou a maior parte de sua primeira corrida pela Ferrari, mas teve que ceder seu carro para Ascari, que tinha quebrado a pouco tempo. Em Silverstone, Gonzalez se adaptou maravilhosamente ao rápido circuito e deu à Ferrari sua primeira pole na história logo em sua estréia no autódromo. Numa disputa sensacional com seu amigo Fangio durante a corrida, Gonzalez entrou para a história do automobilismo ao vencer pela Ferrari pela primeira vez na história da equipe. Era também a primeira derrota da Alfa Romeo desde 1946.

Até o final do ano Gonzalez consegue vários pódios, mas sem nenhuma vitória. A Ferrari foi derrotada por Fangio na última corrida na Espanha e Gonzalez foi o terceiro colocado no seu primeiro campeonato completo de F1. Mesmo com uma bela temporada na Ferrari, Gonzalez preferiu se transferir para a Maserati, mas um grande acidente em Monza acabou com os sonhos do argentino de uma boa temporada em 1952 e em 1953 os carros da Maserati não foram páreos para a Ferrari e Alberto Ascari. Quando Ascari e Villoresi abandonaram a Ferrari no final de 1953 para tentarem erguer uma equipe de F1 com a Lancia, Gonzalez foi mais uma vez chamado por Enzo Ferrari para fazer parte da Scuderia.

Com o novo carro ainda não estando pronto, Gonzalez teve que dirigir um Ferrari baseado no carro de F2 e Gonzalez acabou a corrida em terceiro atrás de Fangio e Farina no Grande Prêmio da Argentina. Na primeira corrida na Europa (mas não válido pelo campeonato de F1) em Siracusa, a Ferrari teve uma etapa desastrosa quando Mike Hawthorn teve um acidente nos treinos e como o carro pegou fogo, Gonzalez parou para ajudar o inglês e as duas Ferraris pegaram fogo! Antes da segunda etapa na Bélgica, Gonzalez participou de quatro corridas secundárias de F1 e venceu três (Bordeaus, Daily Express em Silverstone e em Bari), mas em Spa Gonzalez foi apenas quarto. Em Reims, a Mercedes voltava oficialmente á F1 com Fangio, Karl Kling e Hans Hermann. O modelo W196 era o carro mais revolucionário da época e a Mercedes dominou em sua corrida de estréia.

Em Silverstone, a pista mais estreita favorecia mais ao torque da motor Ferrari e as curvas lentas não favoreciam as insinuantes linhas aerodinâmicas da Mercedes. Mercedes e Ferrari estavam em pé de igualdade, com Fangio ficando com a pole, mas se aproveitando de sua experiência anterior em Silverstone, Gonzalez esteve imbatível e vencia novamente no circuito inglês pela Ferrari. Na etapa seguinte, a esquadra argentina sofre um forte abalo com a morte de Onofre Marimon nos treinos do Grande Prêmio da Alemanha. Com extremo profissionalismo Fangio vence a corrida de ponta a ponta, enquanto Gonzalez não se recupera da morte do jovem amigo de quem ajudava como podia e abandonou a corrida. Não por coinscidência, esse foi o começo do declínio de Gonzalez na F1.

Após um terceiro lugar no Grande Prêmio da Itália, Gonzalez sofreu um forte acidente num sport-car da Ferrari e não pode participar do última Grande Prêmio de 1954 em Pedralbes. Mesmo assim Gonzalez terminou o campeonato em segundo lugar atrás do seu compatriota Fangio, produzindo uma inédita dobradinha argentina na F1. Então, Gonzalez volta a Argentina como sempre fazia no final do ano, mas não volta à Europa em 1955. Gonzalez só volta a Europa à convite da Vanwall para participar do Grande Prêmio da Inglaterra de 1956. Já com 38 anos de idade (ainda novo para os padrões da época), Gonzalez participa de sua última corrida de F1 no Grande Prêmio da Argentina de 1960 com uma Ferrari.

Após sua aposentadoria, Gonzalez virou uma espécie de monumento da Ferrari, sempre participando de eventos da marca italiana pelo mundo, inclusive nos 50 anos da primeira vitória ferrarista em 2001, quando Michael Schumacher deu uma volta na Ferrari de Gonzalez pelo novo Silverstone. Com vários problemas de saúde, Gonzalez já não viaja como antes e hoje fica mais na sua amada Argentina, onde curte sua tranqüila aposentadoria, talvez se lembrando de suas duas vitórias em Silverstone, onde derrotou ninguém menos do que seu grande amigo Juan Manuel Fangio.

Parabéns
José Froilan Gonzalez

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