quinta-feira, 30 de abril de 2009

O outro lado de Ímola


Toda vez que se chega essa época do ano, todos só falam de uma coisa: dia primeiro de maio está fazendo tantos anos da morte de Ayrton Senna. Há quem pense que é feriado no Brasil por causa disso! Porém, além da morte do ídolo, houve vários fatores naquele final de semana negro em Ímola. Na sexta-feira houve o gravíssimo acidente de Rubens Barrichello. Na largada, o forte acidente entre Pedro Lamy e J.J. Lehto, onde um pneu voou em direção ao público e feriu alguns espectadores. E durante a prova, o atropelamento de alguns mecânicos da Lotus pela Minardi de Michele Alboreto. Além desses fatos, poucos se lembram que a morte de Senna foi precedida pela morte de Roland Ratzenberger, piloto austríaco que fazia sua estreia na F1 e era praticamente um anônimo até mesmo para o mundo do automobilismo, mas para quem o conheceu de perto, sabem que, além de um ótimo piloto, Roland foi uma excelente pessoa, do qual todos gostavam. Fazendo quinze anos de sua trágica morte, iremos conhecer um pouco mais da parte menos conhecida daquele terrível final de semana de 1994.

Roland Ratzenberger nasceu no dia 4 de julho de 1960 na cidade de Salzburg, na Áustria, apesar de que, anos mais tarde, quando procurava patrocínio, Roland dizia aos empresários de que havia nascido em 1962. Aos cinco anos ele foi levado pela avó para assistir uma corrida de subida de montanha e como a Áustria via o surgimento do talento de Jochen Rindt, Roland botou na cabeça que seria piloto, mesmo não tendo nenhum tradição automobilística na família. Mesmo assim, Ratzenberger demorou a iniciar sua carreira no esporte a motor e ainda assim foi na marra. Quando estava terminando seus estudos, o patriarca da família Ratzenberger mandou Roland para Graz, ainda na Áustria, para estudar numa escola técnica, mas o aspirante pegou todo o dinheiro que havia recebido e partiu para Monza, na Itália, para participar de uma escola de pilotagem. Aquilo foi uma cisma entre Roland e sua família, pois ele decidiu tentar a vida como piloto sem o mínimo de apoio familiar, inclusive tendo ficado com a relação estremecida com seu pai por vários anos.

Para tentar financiar sua carreira, Ratzenberger trabalhava como mecânico de Walter Lechner e treinava com um F-Ford quando havia um carro disponível. Porém, o talento de Roland ficou cada vez mais aparente e mesmo sem fortes patrocinadores, Lechner elevou seu antigo mecânico a categoria de piloto oficial da equipe e não se arrependeu da escolha, com Ratzenberger conquistando o Campeonato Austríaco e Centro-Europeu de F-Ford, sendo vice-campeão alemão da categoria e ainda arrebatando o quarto posto no certame inglês de F-Ford em 1985. Isso sem contar com um lugar no pódio no Festival Mundial de F-Ford em Brands Hatch, um evento que contava, muitas vezes, com mais de cem carros! Apesar de todos esses resultados, Ratzenberger não conseguiu um lugar na F3, caminho natural para um piloto iniciante, e fez outro ano na F-Ford, conquistando o Festival de F-Ford em Brands Hatch numa chegada apertada com Eddie Irvine, abrindo os olhos dos chefes de equipe de F3 para 1987. E Ratzenberger não poderia começar melhor! A famosa equipe West Surrey, a mesma que deu o título inglês de F3 a Senna em 1983, se interessou em Roland e o contratou para aquela temporada. No entanto, a estrela do austríaco não brilhou no tradicional certame inglês e o máximo que Ratzenberger conseguiu foi um pódio em Spa, terminando o campeonato em 12º lugar, além de ter faturado um quinto lugar no Campeonato Europeu de F3.

No ano seguinte Roland participou novamente da F3 Inglesa, repetindo a 12º posição no campeonato, desta vez na equipe Madgwick, e foi exatamente nesta temporada que o austríaco começou a se aventurar em outras categorias, até mesmo uma forma de se manter como piloto profissional. Em 1987 ele foi contratado pela equipe Schnitzer para pilotar um BMW M3 no Campeonato Mundial de Turismo, terminando o certame em décimo lugar. Após um ano no Campeonato Inglês de F3000 em 1989, Ratzenberger partiu para o Campeonato Mundial de Esporte-Protótipo, no carro oficial da Toyota da equipe do suíço Walter Brun, onde Roland pôde estrear nas 24 Horas de Le Mans, ao lado do argentino Oscar Larrauri. Ratzenberger ainda sonhava com a F1, mas não havia nenhuma oferta para se correr em monopostos e como havia andado bem nos bólidos da Toyota, a marca japonesa convidou o austríaco a se mudar para o Japão e disputar o forte Campeonato Japonês de Turismo. Roland sabia que sua ida ao oriente o distanciava do sonho da F1, mas não titubeou em se morar em Tóquio com vários outros jovens pilotos vindos da Europa, conquistados pelos ienes dos japoneses, que investiam forte no automobilismo graças ao sucesso da Honda na F1. Além de Ratzenberger, outros pilotos se mandaram para ilha e alguns conseguiram muito sucesso na carreira, como foi o caso de Heinz-Harald Frentzen, Eddie Irvine, Mika Salo, Andrew Gilbert-Scott e o americano Jeff Krosnoff. Como moravam praticamente juntos, eles formaram uma espécie de fraternidade e ficaram muito amigos, apesar da forte disputa nas pistas japonesas.

Pessoa muito afável, Ratzenberger era o mais querido do grupo e houve uma história curiosa na passagem da trupe no Japão. Quando eles foram a uma boate japonesa, um sheik árabe se desentendeu com uma garota local e Frentzen interviu a favor da pobre moça. O que o alemão não sabia era que o esquentado rapaz tinha uma faca e se não fosse a ação rápida de Ratzenberger em segurar o homem, Frentzen não poderia ter chegado à F1 anos mais tarde... Foi nessa passagem pelo Japão que Ratzenberger se casou com uma aeromoça noruega chamada Bente em 1991, mas um ano depois eles já estavam divorciados. Nas pistas, Ratzenberger participava de vários campeonatos de turismo pelo Japão, até voltar aos monopostos em 1992 na F3000 Japonesa, onde conseguiu uma vitória dominadora em Suzuka. O austríaco conseguia bons resultados na forte categoria nipônica, mas parecia parado no tempo. Seus amigos começavam a sair do Japão e evoluir na carreira, voltando à Europa, mais especificamente na F1. O primeiro foi Eddie Irvine, que estreou no Grande Prêmio do Japão de 1993 pela Jordan, sendo seguido por Salo, que estreou na corrida seguinte, na Austrália, pela Lotus. Frentzen foi contratado pela Sauber no início de 1994 e Krosnoff voltava aos Estados Unidos para iniciar o projeto da Toyota na F-Indy. Dois anos depois, Krosnoff morreria durante o Grande Prêmio de Toronto da CART.

Ratzenberger se sentiu confiante para voltar à Europa e realizar o sonho de correr na F1 e no início de 1994 ele entrou em contato com Nick Wirth, que estrearia como chefe de equipe na F1 pela Simtek. Mesmo nunca tendo pilotado um F1, Ratzenberger já tinha 33 anos e muita experiência em carros rápidos, enquanto Wirth precisava de um piloto que levasse o carro rumo a bandeirada, já que a equipe tinha recursos bastante limitados. Roland foi contratado para 1994, mas não conseguiu tempo para o Grande Prêmio do Brasil daquele ano, tendo vários problemas naquele final de semana. Quando a F1 foi a Aida, no Japão, para o primeiro Grande Prêmio do Pacífico, Roland pôde usar sua vasta experiência na pista japonesa e conseguiu a 26º e última posição do grid. Sabendo que tinha um carro lento, Ratzenberger apenas levou o seu carro da forma mais segura possível rumo à bandeirada, terminando a prova em décimo primeiro, a cinco voltas do vencedor e amigo Michael Schumacher. Na volta ao velho continente, Ratzenberger pôde conhecer mais o glamour do mundo da F1, se aproximando do compatriota Gerhard Berger e relembrando os bons tempos com Frentzen e Irvine. Antes de viajar a Ímola, o austríaco foi a sua cidade natal e após uma longa conversa com seu pai, Roland finalmente se reconciliou com ele.

No sábado, Roland Ratzenberger continuava sua determinada luta em conseguir uma vaga no grid para o Grande Prêmio de San Marino, quando foi fechado pela Pacific de Bertrand Gachot, principal rival da Simtek pelos últimos lugares do grid, na chicane Acque Minerali e para evitar o acidente, o austríaco saiu da pista, tocando sua asa dianteira na zebra. Na volta seguinte, Ratzenberger tentou mais uma volta rápida na Classificação e após deixar a rápida curva Tamburello, a asa dianteira do Simtek se desprendeu e Roland foi reto na curva Villeneuve a mais 300 km/h. Quando o carro parou, havia um rombo no lado esquerdo do cockpit do Simtek e sangue acima da viseira de Ratzenberger. O piloto estava profundamente desacordado e logo após ser retirado do carro, foi uma feita uma tentativa de reanimação cardíaca, mas oito minutos depois que o helicóptero desceu no Hospital Maggiore de Bolonha, Roland Ratzenberger foi declarado morto, com fraturas múltiplas no crânio e no pescoço. Investigações posteriores indicaram que o austríaco acertou em cheio o muro com a cabeça e houve a suspeita de que Roland teve morte instantânea. Segundo as leis italianas, se um esportista morre dentro de um evento esportivo, o mesmo tem que ser cancelado. Os organizadores da corrida alegaram que Ratzenberger foi levado com vida ao hospital, mas as autoridades afirmaram que tanto a FIA como os organizadores retardaram o anúncio da morte para evitar o cancelamento do evento e o enorme prejuízo que isso iria causar.

Apesar de tudo isso, a Simtek correu normalmente com David Brabham no domingo e ao longo da temporada Ratzenberger seria substituído por Andrea Montermini, que sofreria um sério acidente durante o ano. A Simtek teve vida curta e no meio de 1995 ela fechou as portas. Ayrton Senna ficou tremendamente abalado com a morte de Ratzenberger, mas isso não teve nada a ver com a morte do brasileiro no dia seguinte. Vários pilotos ficaram arrasados com a morte de Roland, inclusive Schumacher e Damon Hill, que correram na mesma época com o austríaco, além dos pilotos com que conviveram no Japão. Berger voltou à pista quando a Classificação reiniciou e disse que, se não voltasse à pista naquele dia, abandonaria o automobilismo. A morte de Roland foi a primeira em oito anos na F1 e isso, somado a morte de Senna, acarretou em mudanças drásticas na segurança dos carros de F1 a partir daquela temporada. Roland Ratzenberger percorreu um longo caminho sozinho para conseguir seu sonho e durante esse percurso, deixou muitas amizades e o carinho de todos com que conviveram com ele. Porém, quando conseguiu seu objetivo, Roland viveu muito pouco seu sonho, mas o amor com que fazia corria pelas pistas no mundo, mostra que ele viveu intensamente estes escassos momentos.

3 comentários:

  1. Eu me surpreendi com as belas homenagens pela morte do Ratzenberger na blogosfera. Está aqui mais uma. Também me surpreendi com a história de vida do austríaco e merecia melhor sorte, também na Fórmula 1.
    Agora não é novidade que a FIA não tenha cancelado o evento. Dinheiro sempre fica a frente das pessoas. Chega a ser lastimável.
    Abraços.

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  2. realmente Roland foi um grande piloto, talvez não pelos os resultados mas sim pela obstinação por conseguir seus sonhos. R.I.P Roland

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  3. Grande texto JC!!!!

    O melhor que vi até agora sobre Ratzenberger.

    Parebéns!!

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