quinta-feira, 11 de junho de 2009

Sir Jackie, o segundo escocês voador


Muitas vezes, falar sobre os grandes pilotos que passaram pelas pistas não é apenas falar sobre o que fizeram nas corridas. Jackie Stewart com certeza foi mais do que um tricampeão mundial de F1. O escocês foi um dos primeiros pilotos profissionais da história e após ter escapado da morte, se levantou contra todo o sistema de corridas da época em prol da segurança, trazendo vários inimigos contra si, mas o tempo seria generoso a Stewart, pois hoje muitos agradecem pelos seus esforços num momento em que a morte se fazia sempre presente na corrida. Além disso, Stewart foi um dos grandes da história do automobilismo mundial, com sua grande velocidade e carisma, ele se tornou um digno sucessor de Jim Clark, outro escocês que marcou a história da F1. Sempre ao lado de Ken Tyrrell, Stewart foi o grande destaque da sua geração e 25 anos após sua aposentadoria da F1, o escocês voltou a categoria em grande estilo com sua própria equipe. Ao completar setenta anos no dia de hoje, iremos conhecer essas e outras histórias do grande Jackie Stewart.

John Young Stewart nasceu no dia 11 de junho de 1939 em Milton, na Escócia, numa família que respirava automobilismo e carros. Seu pai era um piloto de motos amador e tinha uma concessionária da Jaguar em Dumbarton, na Escócia, chamada de Dumbuck Garage. Jackie era o filho mais novo e viu seu irmão, Jimmy, começar uma bela carreira no automobilismo britânico no início dos anos 50. Na escola, Jackie Stewart tinha sérios problemas nos estudos e logo foi diagnosticado com dislexia, mas nas pistas, Jackie viu Jimmy estrear na F1 no Grande Prêmio da Inglaterra de 1953 pela famosa Escurie Ecosse, mas o irmão mais velho da família Stewart sofreria um acidente com seu Cooper-Bristol no final da prova, não completando a prova. Seria sua única corrida na F1. Em 1954 Jimmy sofre um forte acidente durante as 24 Horas de Le Mans e após se machucar seriamente em Silverstone no ano seguinte, a matriarca da família Stewart resolve acabar com a brincadeira e Jimmy pára de correr naquele ano. Contando com 15 anos de idade, Jackie era aprendiz de mecânico na oficina do seu pai, mas ele queria competir em algo. Sem poder se envolver nas corridas, Jackie passa a se dedicar ao tiro e quase que o automobilismo perde um dos seus gênios.

Jackie se torna uma estrela na modalidade sendo Campeão Inglês de tiro em 1959 e em 1960, mas ao perder a vaga na equipe britânica de tiro para as Olimpíadas de Roma de 1960, Stewart fica tão decepcionado que resolve abandonar sua breve e vitoriosa carreira no tiro. Se serve de consolo, foi durante os treinos para a seletiva olímpica que Stewart conheceu Helen, sua futura esposa. O automobilismo agradecia, mas o tiro deve ter ajudado Jackie na sua futura prefissão, como na precisão e nos reflexos. Voltando a trabalhar com o pai, Stewart passa a se envolver com Barry Filer, um entusiasta de corridas que tem vários carros preparados pela oficina dos Stewarts. Jackie começa a acompanhar Filer às corridas que ele fazia como mecânico e então é convidado a pilotar um modelo Marcos. E o mundo das corridas ganhava um gênio.

Stewart correu algum tempo escondido dos pais, pois ainda havia a proibição materna, mas após uma corrida em Oulton Park em 1962, Stewart resolveu seguir no automobilismo profissional participando de algumas corridas em carros GT, sendo acompanhado de perto pela estrela do motociclismo Bob McIntyre, que o ajudou no início de sua carreira. Jackie vence duas corridas à bordo de Jaguar Tipo E em 1963 e o escocês entra na mesma equipe do irmão dez anos antes, a Ecurie Ecosse, e após uma excelente corrida em Goodwood, Stewart conhece um jovem e promissor chefe de equipe que procurava pilotos para sua equipe de F-Junior: Ken Tyrrell. Stewart é convidado por Tyrrell para um teste em Goodwood e ele andaria num Cooper-BMC da Fórmula Junior juntamente com Bruce McLaren, já uma estrela da F1. O Cooper era considerado o melhor carro da F-Junior na época e como era piloto de fábrica, McLaren começou os testes para então entregar o carro ao novato. Em poucas voltas Jackie supera os tempos de McLaren, que faz o neozelandês voltar à pista para superar o tempo do escocês. Não por muito tempo. Stewart ainda volta à pista para bater o tempo de McLaren e impressionar a todos que estavam naquele dia no pequeno circuito inglês. Na Escócia, o primeiro teste de Stewart está para o Brasil como o primeiro treino de Garrincha no Botafogo. Todos disseram que estavam lá! O mais importante era que Tyrrell estava lá e o contratou no ato, iniciando uma das maiores parcerias da história da F1.

A estréia de Jackie Stewart nos monopostos seria na F3 Inglesa e a primeira corrida seria no dia 15 de março de 1964, no circuito de Snetterton. A pista estava molhada e Jackie mostrava uma das suas grandes marcas nas corridas: sua enorme velocidade na chuva. À bordo de um Cooper da Tyrrell Organization, Stewart tinha 25s de vantagem sobre o segundo colocado em... duas voltas! Ao final da prova, o escocês venceu com uma vantagem assombrosa de 44s! Foi algo tão impressionante que a equipe Cooper de F1 ofereceu um teste para o escocês, mas Stewart declinou o convite, preferindo permanecer na F3 ao lado de Tyrrell, onde se tornou campeão de forma incontestável. A carreira de Stewart avançava de forma avassaladora e as comparações com Jim Clark, seu compatriota que arrasava a concorrência na F1 foi inevitável. Eles logo se tornaram amigos e Stewart se torna uma estrela em apenas dois anos de automobilismo. A amizade com Clark lhe garante uma aproximação com Colin Chapman, que oferece um lugar a Stewart numa corrida de F2 em Clermont Ferrand no início de 1965, através de sua equipe oficial na época, a Ron Harris Racing. Mesmo sem conhecer o carro e a pista, Stewart termina em segundo. Ao voltar a Inglaterra, Stewart faz um teste no Lotus 33 de Clark e Chapman fica tão impressionado que oferece um contrato a Jackie, mas este prefere permanecer ao lado de Tyrrell. O chefe de equipe já tinha outros planos para o seu pupilo.

Ken Tyrrell tinha um projeto de ter uma equipe de F1 em médio prazo e sabia que tinha uma jóia nas mãos, que era o talento de Stewart, e sua futura equipe dependia da permanência do escocês. Se fosse para a Lotus, fatalmente Chapman não deixaria Jackie sair de sua equipe e assim Tyrrell procurou outra equipe para Stewart estrear na F1, que na época era algo inevitável. Mesmo sempre correndo pela Cooper, Ken Tyrrell sabia que os áureos tempos da equipe tinham ficado no início da década de 60 e assim entrou em contato com a BRM de Louis Stanley. Contando com o experiente Graham Hill, que tinha vencido um campeonato em 1962, a BRM era a principal rival da Lotus dentro do automobilismo inglês e as duas eram concorrentes ferrenhas da Ferrari na F1. Stewart ainda faria parte da equipe Lotus em campeonato sul-africano de F2 no final de 1964, fazendo sua estréia no Mundial de F1 no Grande Prêmio da África do Sul, no circuito de East London no primeiro dia de janeiro de 1965. A temporada de F2 tinha sido tão boa, que havia grandes expectativas para o início de carreira na F1 de Stewart, mas o escocês teve que se contentar com o sexto lugar e o primeiro ponto na F1. Após um hiato de quatro meses, a F1 realizaria cinco corridas em maio e logo de cara Stewart consegue sua primeira vitória na categoria no International Trophy (corrida não-válida) e duas semanas mais tarde, em Monte Carlo, ele consegue seu primeiro pódio com um terceiro lugar. Jackie consegue mais três pódios nas quatro corridas seguintes (segundo lugar em Spa, Clermont-Ferrand e Zandvoort) e na metade da temporada Stewart era o vice-líder, ficando atrás apenas da dominante Lotus do seu compatriota Jim Clark. Após um abandono em Nürburgring, Stewart vai para a Monza com a BRM preparando um super motor para o velocíssimo circuito italiano. A equipe dominou de tal maneira que Stewart e Hill dispararam com relação aos rivais e começaram a disputar entre si a liderança da prova. O box da BRM tentava sinalizar para que seus dois pilotos aliviassem o ritmo, mas os dois britânicos disputaram a corrida até a última volta, com Stewart conseguindo uma vantagem no final e vencendo a primeira corrida oficial de F1. Era a consolidação de uma estrela ascendente! Os abandonos nas duas últimas provas fizeram com que Stewart perdesse o vice-campeonato para Hill, mas a temporada de estréia do escocês entrou para os anais como uma das mais impressionantes da história da F1.

A expectativa era ótima para 1966 e todos tinham curiosidade para saber como seria a segunda temporada de Stewart, mas com o advento dos motores de 3 litros, a F1 mudou completamente e a BRM não se adaptou muito bem. Inicialmente a equipe inglesa, que também fabricava seus motores, aumentou seu motor de 1.5l para 1.9l, enquanto era aguardado o motor 3l com uma inédita geometria em H16. No entanto, os motores 3l de Ferrari e Repco, que equipavam a equipe Brabham, se mostraram muito melhores que os demais e ambas venceram as primeiras provas de pré-temporada de 1966, mas na primeira etapa do Mundial de F1, em Mônaco, poucos carros foram inscritos e muitas equipes ainda tateavam à procura do melhor motor, como foi o caso da Cooper com os pesados motores Maserati e a McLaren, com seu motor Ford standard. Num circuito onde a potência dos motores não era tão importante, Stewart se sobressaiu e após largar em terceiro, conseguiu sua segunda vitória na F1 e pela primeira vez na carreira liderava o campeonato. Um carro com motor de 1.9l venceu a primeira corrida de F1 com motores 3l...

Uma semana depois Stewart cruza o Atlântico para sua primeira 500 Milhas de Indianápolis, onde Jim Clark havia vencido um ano antes. Era a chamada “invasão britânica” à mítica corrida americana, pois além de Stewart e Clark, Graham Hill também participaria da corrida. E o triunvirato britânico dominou a prova. Stewart, que utilizava um Lola-Ford, estava em terceiro lugar atrás da Eagle de Lloyd Ruby e a Lotus de Jim Clark, mas problemas com ambos fizeram com que o escocês assumisse a liderança da prova na volta 151. Seria uma vitória consagradora e a primeira de um novato em muitos anos, mas faltando dez voltas para o final a bomba de combustível do Lola de Stewart parou de funcionar, deixando o nível de óleo a níveis fatais. Stewart aceitou a derrota com dignidade, o que fez dele um raro caso de um piloto europeu se tornar ídolo para os americanos. Apesar do problema em seu carro, Jackie completou a prova em sexto, vendo de longe a vitória de Graham Hill. Mais duas semanas e outra travessia do Atlântico e Stewart estaria de volta ao cockpit de um carro de F1 para um fato que marcou sua vida e sua carreira.

Jackie tinha feito uma ótima corrida em Spa em 1965 e a BRM esperava que ele repetisse o desempenho do ano anterior mesmo com a desvantagem crônica de motor. No dia da corrida, o tempo estava instável e isso poderia até ajudar Stewart, mas uma súbita tempestade na parte de trás do circuito pegou vários pilotos de surpresa. Inclusive Jackie. O piloto da BRM foi um dos sete pilotos que rodaram na pista encharcada, mas o acidente mais sério foi de Stewart. O escocês aquaplanou na curva Masta, o seu BRM deslizou pela grama, atingiu um poste e uma cabine telefônica antes dele cair num galpão de um agricultor. O tanque de combustível do BRM rachou e Jackie teve a perna presa pela volante. Bob Bondurant e Graham Hill tinha saído da pista alguns metros depois e foram ajudar o companheiro de profissão, que estava todo encharcado de combustível. O relato de Stewart mostrava bem quais eram as precárias condições de segurança da F1 nos anos 60: “Eu fiquei preso no carro durante 25 minutos e não podia ser retirado do carro. Graham e Bob Bondurant me tiraram do carro utilizando ferramentas que um espectador tinha emprestado a eles. Não havia médicos e não havia aonde me colocar. Na verdade, eles me colocaram na caçamba de uma picape e me levaram a um pronto-socorro que ficava ao lado da torre de controle e eu fui deixado numa maca, no chão, cercado de pontas de cigarro. Fui colocado em uma ambulância com uma escolta policial, mas a ambulância se perdeu da escolta e o motorista não sabia como chegar em Liege.”

No final, Jackie havia quebrado um ombro, algumas costelas e sofrido algumas queimaduras pelo corpo por causa do contato com o combustível. Esse acidente foi o início da luta de Stewart por mais segurança na F1. Juntamente com Louis Stanley ele lançou uma campanha para melhorar as normas de segurança e das instalações médicas e uma das primeiras atitudes de Jackie foi colocar uma pequena caixa de ferramentas em seu carro para o caso de alguém precisar tirá-lo do carro e não ter que pedir emprestado a alguém! Mais na frente ele, lutou para que fosse instalado um interruptor principal para desligar o sistema elétrico do carro e que os volantes fossem removíveis. Após observar seu lento transporte rumo ao hospital, Stewart contratou um médico para que o acompanhasse em todas as corridas, enquanto Stanley preparou um caminhão médico para que todos utilizassem se houvesse um acidente. Ele também foi o pioneiro na utilização dos capacetes fechados e na utilização de cintos de segurança com seis pontos de fixação. Porém, o maior problema de Stewart era convencer os organizadores dos circuitos em melhorarem a segurança dos autódromos. Stewart liderou boicotes a circuitos como Spa-Francorchamps e Nürburgring para que fossem melhoradas as barreiras, as áreas de escape e as instalações médicas. O trabalho de Stewart não foi muito apreciado pelos proprietários das pistas, organizadores e até mesmo alguns colegas de profissão, mas isso não esmoreceu o esforço de Jackie Stewart, que se não evitou algumas mortes em seu período, iniciou um movimento no qual hoje a F1 não vê uma morte na pista há mais de quinze anos. “Se eu tiver que deixar algum legado para este esporte, espero que tenha sido em prol da segurança.”

Apesar das fraturas, Stewart voltou a F1 após perder apenas uma etapa na França e seria em casa, no circuito de Brands Hatch, mas o seu acidente pareceu ter afetado o escocês e Jackie era constantemente superado por Hill. Em Monza, finalmente o novo motor H16 foi estreado, mas apesar da expectativa, os pesados motores não ofereceram nada mais do que dores de cabeça a BRM e assim uma temporada que tinha começado com tanto otimismo acabava de forma melancólica. Para 1967, Stewart teria como companheiro de equipe Mike Spence, com Graham Hill se juntando a Lotus nesse ano. Ainda construindo seus próprios motores, a BRM se perdeu mais um vez e o novo propulsor V8 se mostrou tão ruim como o H16, além de ser bastante inconfiável. Apesar das dificuldades, Jackie conseguia resultados surpreendentes, como o segundo lugar em Spa um ano após o seu grave acidente e tendo que passar metade da corrida se debatendo com problemas de câmbio. Stewart corria para Ken Tyrrell na F2 e ao contrário do que ocorria na F1, o escocês vencia na categoria de base com quatro vitórias (Albi, Oulton Park, Enna-Pergusa e Kalrskoga) nas últimas cinco provas do Campeonato Europeu. Tyrrel corria com o chassi Matra e com motores Cosworth FVA. A Matra tinha um grande projeto de chegar à F1 e com isso construiu carros de F3 e F2 e com o sucesso na última, a fábrica francesa se sentiu pronta para estrear na F1. Ken Tyrrell tinha contribuído com a Lotus para o desenvolvimento do novo motor Ford Cosworth DFV na segunda metade de 1967 e sabia que os potentes motores anglo-americanos seriam vendidos a partir de 1968 a outras equipes. Interessado em ingressar na F1, Tyrrell convence a Matra a fornecer um chassi para uma segunda equipe chefiada por ele, a Matra International, e ainda contratar Jackie Stewart, que graças aos seus contatos com a Ford, traria o cobiçado Cosworth DFV. Desde que havia estreado, Jackie era uma estrela e era assediado pela Ferrari, mas o escocês preferiu apostar no seu manager e amigo e entrou no projeto da Matra International. Porém, Stewart não viria de graça. Tyrrell entrou em contato com a Elf e a Dunlop para pagar um contrato milionário ao seu pupilo. Foi aí que outra faceta de Jackie Stewart apareceu. O escocês começou a levar o profissionalismo ao extremo, vendendo sempre que possível sua marca com vários produtos ligados ao seu nome e sua aparência, como os seus famosos óculos escuros.

A Matra ainda levou uma equipe inteiramente francesa, a Matra Sports, com chassi e motor da Matra e o francês Jean-Pierre Beltoise e foi nesse momento que o motor Cosworth DFV fez a diferença. Mesmo com uma estrutura menor, a Matra International conseguiu colocar Stewart na primeira fila da sua corrida de estréia na F1, em Kyalami. Essa corrida foi dominada pelas duas Lotus, mas Stewart passou boa parte da prova em segundo até abandonar na metade da corrida. Porém, esta corrida seria bastante marcante para Stewart e a F1, pois seria a última vitória de Jim Clark, que morreria numa corrida de F2 em Hockenheim três meses depois. Clark e Stewart eram mais do que grandes amigos. Primeiro ‘escocês voador’, o próprio Clark admitia que Stewart era seu sucessor e sua morte causou uma impacto bem parecido com a comparação entre Ayrton Senna e Michael Schumacher. Assim como o brasileiro e o alemão, não existiu uma verdadeira batalha entre os dois escoceses e muitos ainda especulam como seria a ‘briga’ entre Stewart e Clark no auge de suas carreiras. Com a morte de Clark, Stewart se tornava o grande favorito ao título de 1968, mas antes do Grande Prêmio da Espanha, 2º etapa do campeonato, Jackie sofre um acidente correndo de F2 em Jarama e quebra o pulso, deixando-o de fora de duas etapas do Mundial e das 500 Milhas de Indianápolis. Graham Hill se aproveita da ausência do seu maior rival e vence as duas provas, mas provando que era o grande piloto da época, Stewart quase vence em sua volta à F1 em Spa, pista que obviamente não gostava, mas fica sem combustível faltando duas voltas e vence em Zandvoort, numa prova marcada pela dobradinha da Matra, com Beltoise em segundo. Uma corrida errática no trágico Grande Prêmio da França antecedeu uma das maiores exibições individuais da história da F1.

Nürburgring era um circuito intimidador em condições normais, mas quando chovia era uma pista assustadora. Os treinos já haviam sido bastante chuvosos e a densa neblina atrapalhava ainda mais os pilotos. Stewart já havia dito que contra correr naquelas condições e os treinos ocorreram sobre péssimas condições de visibilidade, com Ickx ficando com uma pole dominante e Stewart apenas em 6º no grid, mais de 50s mais lento. O tempo no domingo estava um pouco melhor, mas ainda havia discussões sobre largar ou não. Após 20 minutos de atraso, a largada foi dada e Stewart teve que largar obrigado por Ken Tyrrell, mas o escocês tinha um trunfo na mão. A Dunlop tinha os melhores pneus de chuva do pelotão e ainda na segunda curva Jackie já aparecia em terceiro, subindo para segundo na metade da primeira volta e ultrapassando o líder Graham Hill na curva Schwalbenschwanz. A partir deste momento, Jackie Stewart desapareceu. Ele completou a primeira volta com 9s de vantagem, que subiria para 34s na segunda e um minuto na quarta volta. A visibilidade era praticamente nula e na maior parte do circuito a pista estava encharcada, mas Stewart fez uma corrida que entrou para a história da F1, exibindo uma forma extraordinária debaixo de muita chuva e colocou seu nome na história. A diferença final para Hill foi de 4:03.2!

Mesmo perdendo algumas corridas na temporada, Stewart ainda brigou com Hill pelo título até a última corrida no México, com ambos disputando a liderança da corrida até metade da prova, quando o motor de Stewart perdeu rendimento com a perca de pressão de combustível e mesmo andando num ritmo muito ruim, o piloto da Matra levou seu carro até o final e viu o título indo para Graham Hill. Se Jackie lamentou no final de 1968, ele atropelaria em 1969! Largando em 4º no Grande Prêmio da África do Sul, Stewart assumiu a liderança na segunda curva e não foi mais incomodado. Em Montjuich, na famosa corrida dos altos e desengonçados aerofólios traseiros, Stewart venceu se aproveitando do famoso azar de Chris Amon, que liderava com 40s de vantagem até abandonar. Em Mônaco, o escocês marcou a pole e a melhor volta, mas abandonou na volta 23 com o semi-eixo quebrado. Em Zandvoort, Stewart venceu e com mais duas vitórias (França e Inglaterra), o piloto da Matra tinha quatro vitórias em cinco corridas! O Grande Prêmio da Alemanha se iniciou sob a sombra da morte de Gerhard Mitter nos treinos e Stewart teve uma briga tensa com seu desafeto Jacky Ickx até metade da prova, até o escocês perder a terceira e a quarta marcha. Jackie tinha chances reais de se tornar campeão em Monza, ainda faltando três corridas para o fim do campeonato, e numa típica corrida no velocíssimo circuito italiano, Stewart venceu mais uma vez e se tornou Campeão Mundial pela primeira vez de forma arrasadora. Porém, a Matra queria que a Tyrrell deixasse de lado o motor Cosworth e utilizasse seu motor V12. A montadora francesa estava numa situação delicada, pois com o mesmo carro, viu seu motor ser derrotado de forma inapelável pela rival americana. Ken Tyrrell mantinha uma estreita relação com a Ford e achava os motores da Matra insatisfatórios, preferindo acabar com a parceria com a Matra no final de 1969. Já pensando em construir seus próprios carros, Tyrrel contrata Derek Gardner para o projeto do modelo Tyrrell 001, mas o carro só ficaria pronto na metade de 1970 e assim Tyrrell teria que achar um chassi para Stewart correr. A March tinha feito um bom carro de F3 em 1969 e estrearia na F1 em 1970, mas as promessas de Alan Rees e Max Mosley fizeram com que Tyrrell comprasse um chassi da estreante para o início do ano e novamente Stewart teria que correr numa equipe cliente, pois a March tinha uma equipe própria com Chris Amon. Apesar das desconfianças, Stewart marcou a pole logo na estréia da March, mas terminou o Grande Prêmio da África do Sul em segundo, no entanto, em seguida ele venceu a Corrida dos Campeões e o Grande Prêmio da Espanha. Apesar de duas poles nas duas corridas seguintes (Monte Carlo e Spa), Stewart não teve chances na corrida e abandonou em ambas, enquanto Jochen Rindt mostrava que o novo Lotus 72 era o carro a ser batido. Enquanto Stewart teve sérios problema de inconfiabilidade no seu carro no verão europeu, Rindt vencia três corridas seguidas e praticamente assegurava o seu título, mas o austríaco acabou falecendo nos treinos para o Grande Prêmio da Itália de 1970, causando uma grande consternação em Stewart, fazendo-o pensar em parar. Idéia logo abandonada com o escocês terminando a prova em segundo lugar em sua última corrida pela March.

O novo chassi Tyrrell 001 estava pronto para ser estreado nas três últimas corridas de 1970, na América do Norte, e Stewart mostra todo o potencial do novo carro ao marcar a pole logo na estréia do novo bólido. Na corrida, o carro de Gardner se mostra claramente superior aos demais, com Stewart andando num ritmo 1s mais rápido que os demais no Canadá, mas como todo carro novo, o novo modelo sofria de problemas de confiabilidade e mesmo liderando as três provas, ele não finalizou nenhumas dessas corridas. No final de 1970, Stewart mostrou pioneirismo ao fazer um seguro de vida milionário após uma temporada terrível, com as mortes de Bruce McLaren, Piers Courage e Jochen Rindt. Foi nessa época que Jackie se juntou a Mark McCormack e introduziu algo nunca visto antes na F1: marketing. Stewart se tornou uma estrela mundial e foi o primeiro piloto da F1 a ganhar mais um milhão de dólares por ano.

Se tudo estava bem fora das pistas, Stewart agora precisava garantir sua fama dentro das pistas e para isso trabalhou bastante no inverno de 1971 para melhorar a confiabilidade do novíssimo Tyrrell 003. Juntamente com o conhecido motor Cosworth e os pneus Goodyear, Jackie Stewart foi imbatível em 1971, vencendo cinco das primeiras sete corridas daquela temporada, resolvendo o campeonato na Áustria, faltando três corridas para o fim do campeonato. Um ano antes, a Tyrrell não era um construtor e fabricava um carro em sigilo, mas Stewart, juntamente com o jovem François Cevert, era Campeão Mundial de Pilotos e Tyrrell era Campeão do Mundial de Construtores logo em sua primeira temporada completa. Algumas corridas entraram para a história, como a vitória na Corrida dos Campeões. Stewart tinha destruído o seu carro num teste e foi a Brands Hatch com um carro totalmente reconstruído e após conseguir a pole, colocando 1.2s em cima da Ferrari de Ickx, Jackie sentiu algo estranho em seu carro na volta de apresentação. Um disco de freio estava quebrado. Sem tempo para conserto e, principalmente, sem freios traseiros, Stewart partiu para a corrida e mesmo com todas essas dificuldades, venceu a corrida com 25s de vantagem!

Após um ano de sonho em 1971, a temporada de 1972 não foi tão boa assim. O duo Stewart-Tyrrell continuava excelente com o escocês conseguindo uma vitória na primeira etapa na Argentina e uma pole na África do Sul, onde Jackie abandonou quando liderava, mas quando a F1 chegou a Europa, novamente a Lotus surgia como grande rival e tinha agora um mais maduro e experiente Emerson Fittipaldi. O brasileiro surgiu do nada em 1970 e logo em sua quarta corrida venceu o Grande Prêmio dos Estados Unidos, mas a dominância de Stewart em 1971 encobriu o crescimento do piloto da Lotus e agora na sua segunda temporada completa, Fittipaldi mostrava que podia encarar o já considerado monstro sagrado Jackie Stewart. Emerson venceu na Espanha e na Inglaterra, enquanto Stewart sofria com uma úlcera gástrica que o fez perder o Grande Prêmio da Bélgica, corrida vencida por Fittipaldi. A Tyrrell percebe que não tinha como deter a caminhada de Fittipaldi rumo ao primeiro título e começa a se concentrar no modelo 005/006. Stewart é condecorado Membro do Império Britânico em 1972 e já se preparando para 1973, estréia de forma sensacional o novo modelo da sua equipe nas duas últimas etapas de 1972, vencendo no Canadá e nos Estados Unidos.

Após perder o título de 1972, não faltaram os que dissessem que Stewart já estava acabado, mas o escocês, que já pensava em se aposentar, queria sair por cima da F1. Para não deixar Tyrrell na mão, Jackie preparava seu grande amigo François Cevert como um digno sucessor e era comum ver Stewart ensinando a Cevert como contornar algumas curvas e contando alguns segredos de acertos para o amigo. Demonstrando todo o potencial do novo Tyrrell 005, Stewart domina o campeonato de 1973 de maneira semelhante da qual venceu os anteriores. Mesmo com Fittipaldi vencendo as duas primeiras etapas do ano, Stewart engatou seqüência de cinco vitórias em nove corridas, garantindo o título no Grande Prêmio do Canadá, antepenúltima etapa do ano. Após a morte de Roger Williamson no Grande Prêmio da Holanda de 1973, Stewart resolveu abandonar a F1 no final da temporada, mas manteve a notícia em sigilo, só contando para a sua esposa e a Ken Tyrrell. Nem Cevert sabia que seria o sucessor de Stewart em 1974, quando a F1 chegou a Watkins Glen para a última corrida do ano, no que seria também a centésima corrida de Stewart. O circuito americano tinha sido palco da primeira vitória de Cevert na F1, mas nos treinos de sábado o francês bateu no guard-rail e morreu na hora. Stewart ficou tão chocado com a morte do amigo que teve que ser atendido pelos médicos com calmantes. Ele resolve não correr aquela corrida em homenagem a Cevert e poucos dias depois anuncia que estava abandonando a F1. Num cartel impressionante, Stewart tinha números que o colocam como o maioral da época e por 14 anos ele foi o piloto com o maior número de vitórias na história, sendo superado por Prost em 1987. No total, Jackie Stewart tinha 99 Grandes Prêmios, 27 vitórias, 17 poles, 15 melhores voltas, 43 pódios 360 pontos e três títulos mundiais (1969, 1971, 1973).

Stewart pôde ter saído do cockpit, mas nunca ficou longe o bastante da F1, se tornando comentarista de F1 da BBC e da ABC por vários anos. Sempre que podia Stewart participava de testes com a Tyrrell e sua famosa seqüência on-boardcom o modelo P34 com seis rodas entrou para a história, além do famoso clipe da música Faster, de George Harrison. Na metade nos anos 80, seu filho Paul resolveu seguir os passos do pai e estreou no automobilismo, com Jackie criando a Paul Stewart Racing em 1988. Stewart era um chefe de equipe tão profissional como piloto e utilizava o seu nome para conseguir bons patrocinadores. A equipe sempre seguia os passos de Paul, mas mantinha a equipe nas categorias abaixo do filho, criando umas das equipes de base mais estruturadas da Inglaterra. Nos anos 90, a Paul Stewart Racing dominou a F3 Inglesa, vencendo seis títulos em sete anos com pilotos que se mostraram promissores (e outros nem tanto...), como Gil de Ferran, Kelvin Burt, Jan Magnussen, Ralph Firman, Jonny Kane e Mario Haberfeld. Na F3000, a equipe não se mostrou tão competitiva apesar de ter contado com o talento de Gil de Ferran e os esforços de Paul Stewart, mas em 1996 Jackie estava envolvido em outro grande projeto em sua vida. Tendo contato com a Ford desde os anos 60, Stewart articulou uma nova equipe de F1, a Stewart Grand Prix, sob a batuta da montadora americana e de vários patrocinadores fortes. Jackie enxergou em Rubens Barrichello, que estava de saída da Jordan e da F1, como um bom primeiro piloto da nova equipe, enquanto Jan Magnussen, campeão inglês de F3 em 1994 pela equipe e chamado pelo próprio Stewart de “Novo Senna”, seria uma espécie de aprendiz.

A equipe fez sua estréia em 1997 e logo em sua quinta corrida, Barrichello deu a nova equipe seu primeiro pódio com um segundo lugar no chuvoso Grande Prêmio de Mônaco, para emoção de Jackie. Após um ano em que a equipe mostrou grande velocidade e pouca confiabilidade, a segunda temporada foi ainda pior, com Rubens Barrichello conseguindo apenas quatro pontos e Magnussen sendo demitido por deficiência técnica no meio do ano. Para 1999, a Ford constrói um motor leve e compacto e desta vez a equipe projeta um carro rápido e confiável, conseguindo dar ótimos resultados a Barrichello, como os pódios em Ímola e Magny-Cours, mas foi Johnny Herbert, simpático piloto inglês que pouco tinha feito até então, que conseguiu o que seria a única vitória da Stewart GP no Grande Prêmio da Europa em Nürburgring. No entanto, Jackie havia adquirido algumas dívidas durante o ano, Paul tinha sido diagnosticado com câncer no final de 1999 e com o ótimo resultado durante a temporada, a Ford resolve absorver a pequena equipe Stewart e a transforma em Jaguar Racing no ano 2000. Foi um fracasso absoluto! Em 2001 Jackie se afastou da equipe e após vários anos de mais baixos do que altos, a Ford vendeu a equipe para a Red Bull no final de 2004.

Hoje em dia, Jackie Stewart é representante da RBS na F1, mas com a crise financeira mundial, o escocês ficou praticamente desempregado, porém Jackie está longe de ficar inativo. Membro influente do BRDC, suas opiniões são bastante respeitadas e até já foi processado por Max Mosley por causa de suas declarações. Sua velocidade em pista nunca será esquecida, mas Stewart foi muito mais do que uma lenda viva do automobilismo mundial. Sua luta contra a segurança proporcionou que os pilotos atuais tivessem mais tranqüilidade em correr e mesmo sendo chamado de covarde por alguns companheiros na sua época por causa de suas preocupações com a segurança, Stewart respondia com grandes exibições, como no famoso Grande Prêmio da Alemanha de 1968. Primeiro piloto realmente profissional, um cavalheiro dentro e fora das pistas, Jackie Stewart marcou uma época na F1.

Parabéns!
Jackie Stewart

3 comentários:

  1. uma biografia excelente, como é habitual em ti. Como eu ando a fazer as coisas de forma mais espaçada e mais pormenorizada, posso referir que este post também será uma referência na elaboração da minha biografia sobre este Senhor das pistas.


    Daquele tempo, pode-se dizer que em todos os aspectos, é um grande. Como piloto, como comentador, como chefe de equipa, como paladino pela segurança, como dirigente... enfim, tudo. Definitivamente é um dos melhores pilotos do século XX.

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  2. Gênio, mas que quando abre a boca, só fala merda... Como diz Nazi Mosley: "Um idiota com certificado". huahua

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  3. gostaria de ver a stewart na f1 de novo

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