Dentro das pistas, ele foi um dos grandes mitos da motovelocidade, vencendo várias corridas nas décadas de 70 e início dos 80, com uma pilotagem limpa, mas sendo agressivo quando preciso. Fora das pistas, usou sua beleza para se tornar um grande produto de marketing, sempre aparecendo em capas de revista, não obrigatoriamente especializadas em motos. Assim foi Barry Sheene, um das maiores figuras a pilotar uma moto e dono de um bom humor que o fez se tornar uma lenda na Grã-Bretanha, com sua moto de número sete e com o desenho do Pato Donald em seu capacete negro. Preferencialmente uma Suzuki. Último grande piloto inglês no motociclismo mundial, a carreira de Sheene foi marcada por várias recuperações incríveis, mas infelizmente ele não foi capaz de derrotar seu último grande obstáculo. Se estivesse vivo, Barry estaria completando 60 anos e por isso vamos ver como foi sua carreira.
Barry Sheene nasceu no dia 11 de setembro de 1950 em Londres, filho de Frank, um engenheiro no Royal College of Surgeons, e Iris. Junto com sua irmã mais velha, Maggie, ele cresceu em Queen's Square e sempre cercado pelas motos. Além de engenheiro, Frank também era um conceituado preparador de motos e um piloto amador, que nunca teve a oportunidade de correr profissionalmente. Inspirado por ídolos ingleses como John Surtees, Greoff Duke e Mike Haywood, o pequeno Barry cresceu os vendo correr de perto e não foi surpresa vê-lo andando numa pequena Ducati 50cc com apenas cinco anos de idade. Durante a adolescência, Barry sempre acompanhava o seu pai nas corridas e também na preparação das motos de corridas dos principais pilotos da Inglaterra. Quando se interessou a correr, no final da década de 60, Frank Sheene prepara uma Bultaco para um teste em Brands Hatch e quando vê seu filho andando muito bem, passa a apoiá-lo de todas as formas, o ajudando na preparação nas motos e no tortuoso caminho rumo a se tornar um grande piloto de motos. Assim, em 1968, com 18 anos de idade, Sheene faz sua primeira corrida no Campeonato Inglês, também em Brands Hatch, e, mesmo não vencendo, chama a atenção de todos que assistiram aquela prova.
A carreira de Barry era preparada de forma meticulosa por Frank Sheene e por isso o jovem piloto inglês disputou sua primeira temporada completa no Campeonato britânico de 125cc com uma Bultaco. Na temporada seguinte, em 1970, disputa várias corridas em várias motos diferentes durante o ano e acaba conquistando o Campeonato Inglês das 125cc com uma Suzuki. Seria o primeiro contato de Sheene com a marca japonesa. Aos 21 anos, Barry parte para o Campeonato Mundial das 125cc, ainda com sua Suzuki preparada pelo pai e vence sua primeira corrida do Mundial no Grande Prêmio da Bélgica, conseguindo o vice-campeonato com outras duas vitórias, ficando apenas dois pontos atrás do campeão (e também lenda) Angel Nieto. Nesse ano, Sheene participa de sua primeira corrida na Ilha Man e abandona após apenas uma volta. A tradicional corrida começava a causar polêmica pela sua insegurança e Sheene se torna um inimigo fidagal da perigosa pista, participando ativamente para que ela saísse do calendário do Mundial de Motovelocidade. A verdade era que Barry Sheene, mesmo ainda sem ter conquistado o título mundial, já era uma celebridade na Inglaterra. Juntamente com sua beleza e o prematuro sucesso nas pistas, Barry passou a usar sua fama para ganhar bastante dinheiro em ações de marketing, ganhando muito dinheiro no processo. Junto a isso, Sheene também passou a ter uma vida desregrada, passando a fumar, beber e frequentar boates. Por sinal, conta a lenda que o fumo entrou com tanta força na vida de Sheene, que ele tinha um pequeno buraco em seu capacete com desenho do Pato Donald (diz ele, o mascote lhe dava sorte), para colocar o cigarro logo após as corridas, sem precisar tirar o aparato de segurança!
Por esses fatores positivos e negativos, Barry Sheene conseguiu seu primeiro contrato profissional com a Yamaha, mas pensando muito mais nas benesses de fora da pista, o inglês tem um ano não muito bom em 1972. Apesar disso, Sheene é contratado pela Suzuki em 1973, iniciando uma parceria que entraria para a história. Logo de cara, a Suzuki produz uma moto sensacional para a recém-criada categoria 750cc e Sheene domina o campeonato, conquistando seu primeiro título importante. Para o ano seguinte, a Suzuki se concentra nas 500cc e mesmo com a nova moto só estreando no meio de 1974, Sheene consegue sua primeira vitória na tradicional categoria e termina o campeonato num bom sexto lugar. O fase de Sheene era ascendente, mas sofre um enorme baque no início de 1975. Durante as 200 Milhas de Daytona, Barry vinha a mais 280 km/h quando o pneu traseiro sai do aro e Sheene sofre um seríssimo acidente, lhe quebrando o fêmur esquerdo, o braço e a clavícula direita e duas costelas. O inglês fica duas semanas internado no hospital e apesar da severidade do acidentes, em sete semanas já estava em cima de sua Suzuki. Ainda andando com ajuda de muletas, ele conhece Stephanie McLean, uma modelo da Penthouse e o casal acabaria se casando mais tarde. Barry e Stephanie teriam dois filhos, Sidonie e Freddie.
Mesmo ainda se recuperando do seu acidente, Barry Sheene consegue duas vitórias (Holanda e Suécia) em 1975 e termina o campeonato em sétimo. Agora plenamente recuperado, Barry se tornou o favorito para 1976, principalmente com a queda de Yamaha e MV Augusta. Principal piloto da Suzuki, Sheene vence cinco corridas (França, Áustria, Nações, Holanda e Suécia) e conquista seu primeiro título mundial, com enorme vantagem sobre os demais. Em 1977, Sheene não dá chances a ninguém e domina o campeonato, com seis vitórias (Venezuela, Alemanha Ocidental, Nações, França, Bélgica e Suécia) em nove provas do calendário do Mundial das 500cc e conquista não apenas o bicampeonato mundial, como também o Campeonato Inglês das 500cc e de Superbike. Não restavam dúvidas que Barry Sheene era o melhor piloto da época e também a maior estrela do Mundial de Motovelocidade, porém uma ameaça vindo dos Estados Unidos acabaria com esse domínio. Kenny Roberts tinha feito sua estréia no Mundial em 1977 e mesmo com o preconceito de alguns pilotos europeus, mas com apoio irrestrito da Yamaha, o americano se destacou no Mundial, em pistas que não conhecia, e despontava como o maior rival de Sheene para a temporada seguinte. E essa expectativa se confirmou em 1978. Roberts faz uma temporada impecável e ajudado por uma virose que fez Sheene não participar das duas primeiras corridas do ano, o americano conseguiu seu primeiro título, com cinco vitórias. Apesar de ter feito duas provas a menos que todo mundo, Sheene ainda conseguiu o vice-campeonato, com dois triunfos, e ainda foi nomeado como Membro do Império Britânico.
Com a chegada de Roberts, Sheene agora dividiria as atenções com o americano no Mundial das 500cc e os dois se tornam as maiores atrações do campeonato. Durante o Grande Prêmio da Inglaterra de 1979, Sheene e Roberts protagonizam uma disputa espetacular, no que seria considerado a melhor corrida da década de 70. Porém, a Yamaha estava investindo bem mais do que a Suzuki e Sheene não pode acompanhar o ritmo de Roberts e vê o americano conquistar o bicampeonato. Para piorar, o inglês perde o vice-campeonato para o companheiro de equipe Virginio Ferrari, fazendo Sheene acusar a Suzuki de lhe entregar um equipamento inferior ao dos demais integrantes da equipe. Com isso, a parceria de sete anos termina e Sheene monta uma equipe própria em 1980, com uma moto Yamaha. Como não poderia deixar de ser, Sheene tem um ano difícil e não consegue nenhum resultado de relevo. Para piorar, ainda vê Kenny Roberts conseguir seu terceiro campeonato seguido, o superando como o grande piloto da época, mas Sheene e Roberts eram grandes amigos fora das pistas.
Naquele momento, a Yamaha investia quase que unicamente em Roberts e quando o americano sofre um sério acidente no começo de 1981, o time japonês fica praticamente sem piloto para enfrentar o poderio da Suzuki. Então, a Yamaha passa a apoiar mais a equipe privada de Barry Sheene e permite ao inglês sua última vitória na carreira, no Grande Prêmio da Suécia. Quando Roberts se recupera plenamente do seu acidente, os dois antigos rivais passam a brigar pela primazia dentro da Yamaha e praticamente deixam que os pilotos da Heron Suzuki, Marco Lucchinelli e Randy Mamola, discutissem entre si o título, ficando com o italiano. Roberts ainda supera Sheene, mas a Yamaha contrói uma ótima moto para a temporada de 1982, dando esperanças a Sheene de reconquistar o título. Porém, durante o treino para o Grande Prêmio da Inglaterra em Silverstone, Sheene encontra uma moto muito mais lenta do que ele e o atinge a mais de 250 km/h. Barry é levado às pressas ao hospital com várias fraturas nas pernas, com os cirurgiões tendo que reconstruí-las, usando placas de metal e parafusos. Os médicos disseram-lhe que levaria pelo menos três meses para que ele dobrasse o joelho direito em um ângulo de 90 graus. Sheene desafiou os prognósticos e em duas semanas e meia já dobrava o joelho em 110º! Porém, mais esse grave acidente foi como um aviso para Sheene.
Apesar do problema em suas pernas e ser chamado até mesmo de 'Homem Biônico', pela quantidade de parafusos em suas pernas, Sheene foi chamado de volta para a equipe oficial da Suzuki em 1983. O time sabia que tinha uma pérola em suas mãos, mas Randy Mamola ainda era muito 'entusiasmado' e perdia algumas corridas com quedas incomuns. Com Sheene, a Suzuki pensava que teria a experiência a seu favor para voltar aos títulos. Porém, faltou a montadora japonesa avisar os adversários. A Honda havia retornado ao Mundial em 1982 com o jovem americano Freddie Spencer e tinha um potencial enorme para voltar aos tempos de glória nos anos 60. Em troca, a Yamaha, agora com o apoio da Marlboro, formava uma equipe forte para reconquistar o título e com Kenny Roberts querendo se aposentar em grande estilo, o time vinha extremamente forte para 1983, inclusive, já escolhendo o sucessor de Roberts: o também americano Eddie Lawson. O ano foi um inesquecível embate entre a Honda de Spencer e a Yamaha de Roberts, com vantagem para o primeiro e, infelizmente, a Suzuki não fez parte da festa e Barry Sheene fez uma temporada muito ruim, derrotado por longe por Mamola, que ficou em terceiro no campeonato. Barry percebe que seu tempo no Mundial das 500cc havia passado e com uma Suzuki particular, participa de sua última temporada no Mundial de motociclismo em 1984, ainda a tempo de um último show, quando conquistou um terceiro lugar em Kyalami, debaixo de muita chuva. Mesmo com um convite da Cagiva para 1985, Barry Sheene resolve encerrar sua carreira no motociclismo aos 34 anos, com 102 Grandes Prêmios, 23 vitórias, 18 poles, 20 voltas mais rápidas, 52 pódios e os títulos mundiais em 1976 e 1977.
Após se aposentar, Sheene fez um ano no automobilismo, no Campeonato Britânico de Turismo, com um Toyota, mas após uma temporada acaba sua aventura nas quatro rodas e se muda com toda a sua família para a Austrália em 1987, na esperança de sofrer menos com as dores provocadas pela artrite causada pelo acidente em 1982, com o calor australiano. O país da Oceania lhe acolhe de braços abertos e praticamente adota Barry Sheene como um cidadão australiano. Primeiramente, Barry desenvolve uma empresa imobiliária e logo depois é convidado pela TV Australiana como comentarista do Mundial de motovelocidade. Ainda se aproveitando de sua fama, Sheene protagoniza, junto com a esposa, de um filme chamado Space Riders. Quem assistiu, parabéns... Barry Sheene ainda é popular o bastante para conseguir um lugar também como comentarista da TV Inglesa e rapidamente faz sucesso entre o público inglês pelos seus comentários bem humorados. No final da década de 90, Sheene passa a participar de várias corridas com motos clássicas e em 2001 é nomeado pela FIM como uma 'Lenda do Motociclismo'. Lembrando dos seus tempos de piloto e que lutava pela segurança dos pilotos, Sheene desenvolve uma proteção para as costas dos pilotos de motos, facilmente vista nos macações de hoje, entregando a patente para a Dainese. Infelizmente, a nicotina em excesso cobrou seu preço e em julho de 2002 Barry Sheene descobriu que tinha câncer na garganta e no esôfago. Se lembrando de suas meticulosas recuperações na carreira, Sheene acreditava que podia vencer a doença e usou um tratamento alternativo, a base de alimentos naturais, se recusando a quimioterapia. Sheene vivia sua vida o mais normal possível, mas no dia 10 de março de 2003, o mundo da motovelocidade perdeu uma de suas maiores lendas, o Lorde das pistas.
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