segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Eterno piloto de teste

Houve um tempo na F1 em que as equipes eram liberadas para testar e ter um bom piloto de teste era essencial para conseguir desenvolver bem o carro e dar tranquilidade aos pilotos titulares nas corridas. Se a carreira de Luca Badoer se resumisse a isso, o italiano iria ter uma carreira decente para contar aos netos, após anos sofrendo na Minardi, mas garantindo um lugar na cabeceira da mesa nas festas da Ferrari após temporadas vitoriosas no começo do século 21, como eterno test-driver da equipe italiana, mas uma posição importante dentro do organograma do time de Maranello. O problema para Badoer foi ter aceitado, numa época em que os testes foram praticamente extintos, correr pela Ferrari no lugar do lesionado Felipe Massa em 2009, que fez o italiano entrar para o folclore da F1. Completando 45 anos de idade no dia de hoje, vamos ver um pouco mais da carreira desse piloto sempre ligado à Ferrari.

Luca Badoer nasceu no dia 25 de janeiro de 1971 em Montebelluna, próximo à Veneza, na Itália. As corridas entraram um pouco tarde para o pequeno Luca, só fazendo sua estreia em 1985, aos 14 anos, no kart. Porém, a carreira de Badoer nos micro-bólidos foi curta e vitoriosa, garantindo vários títulos regionais e dois campeonatos italianos de kart, lembrando que a Itália é até hoje considerado o berço do melhor kartismo do mundo. Quando completou 18 anos, Badoer pulou para os monopostos, competindo na F3 Italiana. Após uma primeira temporada de aprendizado, Luca foi para uma equipe melhor em 1990 e conseguiu sua primeira vitória na F3 na corrida final da temporada, batendo Alessandro Zanardi e Roberto Colciago. Badoer parte para uma terceira temporada na F3 Italiana e se torna um dos favoritos ao vencer quatro corridas consecutivas, mas Badoer acaba desclassificado por problemas em seus pneus e perde o campeonato italiano. Contudo, o talento de Luca Badoer é identificado e em 1992 ele faz sua estreia na F3000, ante-sala da F1. Assim como é hoje na GP2, se destacar na F3000 logo no primeiro ano era uma tarefa difícil e mesmo Christian Fittipaldi ter vencido o campeonato como novato em 1991, isso era extremamente raro. Ainda mais para Badoer, que não vinha de um campeonato forte de F3 (Inglês ou Alemão) e nem campeão era. Porém, Luca surpreendeu e com quatro vitórias (Enna-Pergusa, Hockenheim, Nürburgring e Nogaro) se sagra Campeão da F3000.

Contando com apenas 22 anos, Luca Badoer era apontado como uma esperança italiana na F1, mas tudo o que Badoer consegue era o cockpit da equipe Scuderia Italia, que tinha a estrutura da antiga equipe Dallara, que conseguiu alguns brilharecos no começo da década de 1990, o chassi da Lola e o motor Ferrari, no que seria o primeiro contato de Badoer com a escuderia. Contudo, a Ferrari vivia seu longo jejum de títulos e não tinha o melhor motor da F1 na época, cargo ocupado pela Renault. A Lola ainda tentava acertar na F1, após muito sucesso em outras categorias. E 1993 não seria o ano da Lola na F1. A Scuderia Italia era a equipe mais lenta de 1993 e Badoer nunca largou melhor do que a 21º posição, mas o italiano tinha uma boa referência no veterano compatriota Michele Alboreto. Em Ímola, apenas a terceira corrida de Badoer, o italiano consegue um promissor sétimo lugar, mas Luca não poderia imaginar que essa seria sua melhor posição em sua carreira na F1. Na última corrida europeia de 1993, a Scuderia Italia anuncia que havia se fundido com a Minardi e nem viaja para as duas corridas no Oriente (Japão e Austrália), mas Badoer havia mostrado o seu valor e é convidado para um teste com a Benetton, que procurava um segundo piloto para ajudar Schumacher. Porém, Badoer bate o carro no teste e a vaga acaba nas mãos de J.J. Lehto. Badoer acaba tendo que se conformar com uma posição que logo teria que se acostumar: piloto de teste. Como a sua antiga equipe havia sido absorvida, Luca se tornar test-driver da Minardi em 1994, mas não demoraria para o italiano ter outra chance na F1, quando Alboreto decide se aposentar da F1 no final de 1994 e Badoer o substitui em 1995. A Minardi tinha uma chance de ter um motor melhor em 1995 com a Mugen-Honda, mas acaba tendo que se conformar com o velho e eficiente Ford-Cosworth e Badoer teria um carro bem confiável nas mãos, mas também muito lento. Para piorar, Badoer é completamente dominado pelo companheiro de equipe Pierluigi Martini e quando este é substituído pelo português Pedro Lamy, o jovem piloto consegue os único pontos da Minardi em 1995 com um sexto lugar.

A carreira de Luca Badoer parecia estar chegando ao fim, quando a Forti Corse apareceu na vida do italiano. Dono de um histórico vitorioso nas categorias de base, a Forti resolveu subir à F1 em 1995 em associação com Pedro Paulo Diniz, que tinha à disposição vários patrocinadores. Além de Diniz estar longe de ser um bom piloto, a estreia da Forti Corse na F1 foi tão ruim, que foi criado em 1996 a regra dos 107% nas classificações, para evitar carros muito lentos (como o da Forti) estivessem no grid. Para piorar as coisas para a Forti Corse, Diniz levou seu patrocínio pessoal para a Ligier, deixando a Forti com o pires na mão. Foi nesse ambiente precário que Badoer estreou na equipe em 1996, sendo uma das primeiras vítimas da regra dos 107% que a Forti havia obrigado a F1 criar. A primeira corrida de Luca Badoer em 1996 foi em São Paulo e à muito custo, o italiano levou o carro até o final, mesmo que em último. Uma semana mais tarde, Badoer provoca um acidente assustador quando capota o seu carro durante um safety-car, por causa do incêndio do Ligier de Diniz. Aquele acabaria sendo o momentos mais marcante de Badoer em 1996. Com a Forti Corse em sérias dificuldades financeiras, o time foi vendido para um obscuro grupo irlandês chamado Shannon, que mudou até mesmo o lay-out da equipe, trocando o amarelo pela verde e branco. Não demorou para que Guido Forti e o grupo Shannon brigassem na justiça e o Grande Prêmio da Inglaterra parecia ser o último de Luca Badoer na F1. Após participar da temporada de 1997 no FIA-GT, Badoer é contratado pela Ferrari para ser piloto de teste da equipe, ajudando Michael Schumacher a acertar o carro da Ferrari e terminar o longo jejum de título dos italianos. Mesmo não participando ativamente das corridas, Badoer teria um papel importante dentro da Ferrari, testando milhares de quilômetros a fio, sendo inclusive elogiado por Jean Todt pelo seu trabalho duro.

Para ganhar uma maior quilometragem em corrida, Luca Badoer convence a Ferrari a lhe liberar para mais uma temporada com a Minardi em 1999. Quatro anos após sua última passagem pela equipe, Badoer se convence que pouco havia mudado no time de Giancarlo Minardi e o italiano passa o ano lutando com a Arrows para não fechar o grid na maioria das corridas daquela temporada. Quando Michael Schumacher quebra a perna em Silverstone, era esperado que a Ferrari promovesse Badoer para o lugar do alemão, mas como brigava diretamente com a McLaren, a Ferrari prefere trazer o finlandês Mika Salo. O sonho de Luca Badoer correr pela Ferrari era adiado. A temporada corria normalmente e então, vem o Grande Prêmio da Europa, no volátil clima de Nürburgring. A corrida naquele dia foi marcado pela chuva e pelos problemas dos principais pilotos de 1999, proporcionando zebras inacreditáveis, como a liderança de Johnny Herbert na Stewart, seguido pelo Prost de Jarno Trulli e por Rubens Barrichello, na outra Stewart. Em quarto, surpresa total, estava a Minardi de Luca Badoer, fazendo a corrida de sua vida e pronto para marcar seus primeiros pontos na F1, além de igualar o melhor resultado da história da Minardi. Então, faltando poucas voltas para o final, a transmissão da Minardi de Badoer quebra. O italiano tinha boa vantagem sobre a McLaren de Hakkinen e com certeza pontuaria naquele dia. Frustrado, Badoer sai do carro, se ajoelha e chora copiosamente, emocionando a todos que assistiam a corrida naquele dia. Havia sido a melhor chance de Luca Badoer de marcar pontos na F1 até então. 

Com a Ferrari correndo atrás do seu sonhado título desde 1979, os italianos convocam Badoer para focar unicamente nos extensos testes que tinha pela frente. Não era raro Badoer entrar na pista de Mugello ou Fiorano para testar uma situação de corrida, enquanto Schumacher e Barrichello estavam num final de semana de Grande Prêmio. O trabalho duro de Badoer rende frutos e o italiano era constantemente aclamado pelo sucesso da Ferrari entre 2000 e 2004. Luciano Burti e depois Marc Gené passaram a dividir com Badoer o papel de piloto de testes da Ferrari, mas a F1 mudava aos poucos. A explosão dos orçamentos das equipes grandes faziam com que a FIA pensasse em formas de diminuir tamanha gastança. Uma das vítimas acabou sendo os testes, que diminuíam em quantidade ao longo do tempo. Em 2007, Luca Badoer era praticamente uma peça decorativa dentro da Ferrari e já próximo dos 40 anos, Luca já pensava em aposentadoria quando uma chance inesperada e desagradável lhe aparece.

Durante a classificação do Grande Prêmio da Hungria de 2009, uma mola atinge a cabeça do piloto da Ferrari Felipe Massa, que fica em coma e perde o resto da temporada. Os dias seguintes ao acidente faz com que a Ferrari chame Schumacher para sair de sua aposentadoria, mas após um teste, o alemão declina do convite por um alegado problema no pescoço. Conta a lenda que a verdade era que Schumacher havia sentido que a Ferrari não tinha um bom carro, além de difícil de se guiar. Após vencer o título em 2007 com Raikkonen e perder por muito pouco com Massa em 2008, a Ferrari estava tendo um ano muito ruim em 2009 e a equipe ainda teria que substituir Massa, que era o primeiro piloto da equipe então. Sem nenhum piloto à vista, o time de Maranello puxa Luca Badoer como piloto titular. Aos 38 anos de idade, Badoer era o piloto mais velho do paddock quando chegou em Valencia para a sua primeira corrida de F1 em dez anos, igualando um recorde de Jan Lammers, que passou o mesmo tempo sem correr de F1 (1982-1992). Porém, sem testar o carro, sem participar de uma corrida há muitos anos, numa pista difícil e desconhecida, Luca Badoer passou por um dos maiores vexames dos últimos tempos na F1. O italiano rodou com seu carro várias vezes no circuito de rua espanhol e, pior, era muito mais lento que o seu companheiro de equipe Kimi Raikkonen. Bem mais lento... O cruel cronômetro mostrava Luca Badoer 3s mais lento do que um desmotivado Kimi, na última posição. O detalhe era que Badoer era 1.5s mais lento que o penúltimo colocado Jaime Alguersuari, que tinha exatamente a metade de sua idade. A corrida não foi nada melhor e mesmo recebendo a bandeirada, Badoer já havia entrado no folclore da F1 com suas rodadas e lentidão. Não demoraram as piadas. Nos caracteres da TV, aparecia BAD (Mal em inglês), quando se referiam à Badoer. De propósito ou não, ninguém sabe.

E ninguém, nem mesmo a Ferrari, nem mesmo Badoer, poderia imaginar uma atuação tão ridícula como aquela. Badoer prometeu evolução na corrida seguinte em Spa, até mesmo por que o italiano conhecia a pista. Foi ainda pior. Enquanto Luca largava em último e recebia a bandeirada numa nada honrosa 14º posição, Kimi Raikkonen vencia em solo belga. Era demais. Mesmo tendo todo o respeito da cúpula ferrarista, algo havia de ser feito. Giancarlo Fisichella tinha conseguido uma corrida extraordinária em Spa com seu Force India e como utilizava motor Ferrari e Fisico sonhava em correr pela Ferrari, não foi difícil convencer equipe e piloto para a troca. Badoer foi sacado e aquela havia sido a última de 48 corridas de F1 do italiano, que nunca marcou pontos na categoria máxima do automobilismo. Se serve de consolo para Luca Badoer, Giancarlo Fisichella também teve problemas com a Ferrari e não pontuou nenhuma vez até o fim da temporada 2009. Chateado com a situação, Luca Badoer abandonou o automobilismo em 2010, após doze anos de Ferrari e mais de 130.000 km de testes que, sem dúvida alguma, ajudou a Ferrari dominar a F1 no começo da década passada. Mas ao invés de lembrar desse incrível feito ou da corrida pela Minardi em Nürburgring/99, a última impressão que temos de Luca Badoer foram as duas péssimas exibições em 2009, quando finalmente o italiano realizou o sonho de correr pela Ferrari, mas que acabou virando pesadelo.

Parabéns!
Luca Badoer

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