domingo, 31 de janeiro de 2016

J.J.

Após o título de Keke Rosberg em 1982, a Finlândia passou a se interessar pelas corridas no asfalto, já que nos ralis, o país nódico sempre teve grandes pilotos. Junto com outros dois pilotos compatriotas (Hakkinen e Salo) muito rápidos, com quem disputou várias corridas no kart, J.J. Lehto despontou como um dos grandes talentos da Finlândia no final dos anos 1980 e apadrinhado pelo próprio Rosberg, Lehto se tornou o primeiro finlandês após Keke a entrar na F1, mas ao contrário dos seus contemporâneos, Lehto não teve uma carreira muito produtiva na F1 e mesmo tendo conquistado um histórico pódio, Lehto acabou saindo da F1 pelas portas dos fundos e fez uma longa carreira no turismo. Completando 50 anos hoje, vamos conhecer um pouco a carreira desse finlandês.

Jyrki Juhani Järvilehto nasceu no dia 31 de janeiro de 1966 em Espoo, na Finlândia. Vindo de um país com muita tradição no automobilismo, mas fora de estrada, o pequeno Jyrki começou a correr aos oito anos de idade no kart e rapidamente se tornou um dos melhores piloto da categoria na Finlândia, mesmo tendo uma concorrência interna fortíssima. Com a mesma idade, Mika Salo também se destacava no kartismo finlandês e mais tarde Lehto e Salo teriam a companhia de Mika Hakkinen, dois anos mais novo. Lehto, Salo e Hakkinen dominaram o cenário do kartismo nórdico na virada dos anos 1970 para 1980 e quando Keke Rosberg conquistou o título mundial de F1 em 1982, a Finlândia passou a ver com bons olhos as corridas no asfalto. Foi nesse ano que Lehto começou a correr nos monopostos, com apenas 16 anos, partindo para a F-Ford Finlandesa. Após algumas temporadas de aprendizado, Lehto dominou a F-Ford 1600 na Escandinávia e na Europa em 1986, se graduando para a F-Ford 2000. De forma impressionante, Lehto arrebata logo na sua estreia o campeonato inglês e europeu da categoria, se tornando um dos pilotos mais promissores da Europa. Keke Rosberg, que tinha se aposentado da F1 em 1986, passa a gerenciar a carreira de Lehto, conseguindo preciosos patrocinadores e abrindo portas para as principais equipes de base da Europa. Porém, uma das primeiras providências de Rosberg foi mudar o nome do pupilo. Järvilehto era um nome cumprido e difícil demais para ser pronunciado e, pior, vendido. O próprio Rosberg teve que abreviar seu nome de Keijo Erik para Keke. Foi então que surgiu J.J. Lehto!

Para 1988, Lehto vai para a F3 Inglesa nas mãos da boa equipe Pacific, uma das melhores da Ilha da Velocidade. Lá, Lehto se reencontrou com seus antigos rivais do kart finlandês. Mika Salo e Mika Hakkinen. Era esperado um ano de aprendizado para Lehto, mas como havia acontecido no ano anterior na F-Ford 2000, o finlandês conseguiu o prestigioso título da F3 Inglesa logo no seu primeiro ano, chamando a atenção de todos. Graças aos contatos de Rosberg, Lehto consegue o precioso patrocínio da Marlboro e faz o campeonato da F3000 pela mesma Pacific em 1989, só que, ao contrário dos anos anteriores, Lehto não se destaca no campeonato, conseguindo apenas seis pontos e colecionando vários abandonos. Contudo, o foco de J.J. Lehto não estava exatamente na F3000. A ligação entre Marlboro a a Ferrari era antigo e vendo um piloto tão talentoso no mercado, a Ferrari chama Lehto para uma sessão de testes ainda em 1989. Na F1, a novata equipe Onyx havia impressionado com um pódio em Portugal com o seu experiente piloto Stefan Johansson, mas a cúpula da equipe havia se desentendido com o segundo piloto Bertrand Gachot. Apoiada pela Marlboro e procurando um novo piloto para as corridas finais de 1989, a Onyx, equipe muito forte nas categorias de base europeias durante os anos 1980, contrata Lehto, que se adapta muito bem ao novo carro, já que, por ter testado algumas vezes com a Ferrari, o finlandês tinha certa familiaridade com um F1. Enquanto Gachot teve sérias dificuldades em classificar o carro, Lehto conseguiu um lugar no grid duas vezes nas quatro corridas que fez em 1989, sendo que na última corrida do ano, em Adelaide debaixo de muita chuva, Lehto chegou a correr em quinto, mas abandonou com problemas no seu carro.

A expectativa era boa para 1990, mas a Onyx passava por problemas financeiros e foi vendida pelo suíço Peter Monteverdi, que tinha como sócio o pai do inexpressivo Gregor Foitek, que não mostrava muito talento nas pistas. Lehto assumiria o posto de primeiro piloto da Onyx, mas tendo a família de Foitek como acionista, o piloto suíço passa a receber o melhor material, frustrando Lehto. Para piorar, Monteverdi acabaria preso no meio da temporada e a equipe, totalmente desorientada, acabaria fechando as postas antes do final da temporada. Lehto não largou nenhuma vez acima da 20º posição e só terminou uma única corrida, mas o finlandês não ficaria a pé em 1991. Rosberg consegue um lugar para Lehto na Scuderia Italia, que até 1989 era chamada de Dallara e tinha conseguido alguns brilharecos naquele temporada, graças aos pneus Pirelli. Lehto teria como companheiro de equipe Emanuele Pirro, mas o carro, que não tinha ido muito bem em 1990, se mostrava também difícil em 1991. Lehto superava Pirro em praticamente todos os treinos, mas os resultados não vinham. Porém, tudo estava para mudar. Minutos antes da terceira etapa da temporada, em Ímola, a chuva caiu forte no circuito Enzo e Dino Ferrari e causou algumas surpresas ao longo da prova, principalmente com Prost rodando na volta de apresentação e Mansell batendo ainda na primeira volta. Vários dos favoritos foram abandonando, enquanto Lehto, que largou em 19º, fazia uma corrida inteligente e sem erros. Ainda antes da metade da prova, JJ Lehto já estava na zona de pontuação, enquanto todos os pilotos trocavam os pneus de chuva para os slicks. Numa corrida dominada pela McLaren, Lehto viu os abandonos de Ivan Capelli, Stefano Modena e Roberto Moreno, este já nas voltas finais, para se colocar numa incrível terceira posição. Mesmo uma volta atrás dos líderes, J.J. Lehto ainda poderia ter conseguido mais. Depois da corrida, tanto o vencedor Senna, como o segundo colocado Berger, indicaram problemas em seu motor Honda V12, muitas vezes tendo que abrandar o ritmo para chegar ao final. Porém, os quatro pontos de Lehto com o que seria seu único pódio na F1 seriam os único em 1991.

Para 1992 a Dallara ganharia o reforço do motor Ferrari e a expectativa de todos, inclusive de Lehto, era que a façanha em Ímola se repetisse de forma mais regular. Ledo engano. A Ferrari projeta um dos seus piores motores de sua história e para piorar, a Dallara erra a mão no carro novamente, fazendo com que Lehto largasse fora do top-20 em praticamente toda a temporada. O melhor resultado do finlandês seria um sétimo lugar e vendo que a Scuderia Italia estava se transformando numa equipe fecha-grid, Lehto se mudou para a novata Sauber para 1993. A Sauber tinha estreitos laços com a Mercedes desde os tempos do Mundial de Marcas e a estreia da equipe suíça na F1 nada mais era do que um primeiro passo da Mercedes em seu retorno à categoria após quase 40 anos. Por isso, mesmo estreando na F1, a Sauber teria uma boa estrutura, além da experiência de Peter Sauber. A equipe, que tinha belos carros negros, começa muito bem e Lehto volta a marcar pontos após quase dois anos com um quinto lugar logo na estreia da Sauber na F1, em Kyalami. Em Ímola, pista em que sempre andou bem, Lehto consegue um ótimo quarto lugar, mesmo o finlandês tendo que abandonar na última volta com o motor quebrado. Porém, em Mônaco, Lehto tem um entrevero com o companheiro de equipe Karl Wendlinger, acabando com o bom ambiente dentro da Sauber. Coincidência ou não, Lehto não marca mais pontos até o final do ano, apesar de ter batido na trave duas vezes, com sétimo lugares no Canadá e em Portugal. Vendo que estava sem ambiente dentro da Sauber, Lehto procura novamente outros ares e com a influência do seu agente Keke Rosberg, J.J. consegue um teste com a Benetton no final de 1993, que procurava então um companheiro de equipe para Michael Schumacher em 1994. Lehto teve a concorrência de Luca Badoer, mas o italiano acabou sofrendo um acidente e o finlandês acabaria com a vaga. Porém, o que seria a primeira oportunidade numa equipe grande para o finlandês. se tornaria um pesadelo para Lehto.

Ainda na pré-temporada, Lehto sofre um sério acidente com o novo Benetton B194 e quebra algumas vértebras. O jovem piloto de testes da equipe Jos Verstappen acaba assumindo o lugar de Lehto, mas Verstappen mostrava impetuosidade em excesso e o resultado são vários acidentes que fazem com que Lehto, ainda convalescendo do seu acidente, volte ao cockpit na terceira prova de 1994, em Ímola, lugar de tantas boas lembranças para J.J. O acidente de Lehto, somado a outro acidente de Jean Alesi na pré-temporada, tinha sido alguns dos sinais de que algo estava errado na F1 e muitos graves acidentes estavam ocorrendo naquele momento. De forma surpreendente e mostrando que sempre se dava bem em Ímola, Lehto  consegue um ótimo quinto lugar no grid, até então, sua melhor posição de grid na F1. Porém, Lehto fica parado no grid quando a luz verde apareceu e os pilotos subsequentes ao finlandês escaparam bem, mas Pedro Lamy atingiu com força a traseira da Benetton de Lehto, que saiu do carro com algumas dores. Para piorar, destroços dos carros voaram para multidão, machucando alguns expectadores. Esse seria o prelúdio de um dia trágico em Ímola e muito provavelmente Lehto não sabia que essa seria sua última visita ao circuito italiano pilotando um F1. Lehto não parecia ainda totalmente recuperado do seu acidente na pré-temporada e mesmo marcando um ponto no Canadá, ele acabou substituído novamente por Verstappen após a corrida em Montreal. Quando Schumacher foi suspenso de duas corridas, Lehto voltou ao cockpit da Benetton, o que acabou fazendo a caveira do finlandês. No mesmo carro com que Schumacher dominou a temporada de 1994, Lehto largou em 20º em Monza e 14º em Estoril, só recebendo a bandeirada na Itália numa obscura nona posição. As más línguas diziam que a Benetton retirou todas as ajudas ilegais do seu carro para Lehto e assim, ninguém desconfiar mais do carro, dizendo que a diferença era mesmo o piloto... Quando Schumacher voltou a ficar apto (e vencendo com o carro que Lehto pilotou em sua volta...), Lehto saiu de cena e com Johnny Herbert já contratado para 1995, o finlandês saiu da Benetton imediatamente. Por ironia do destino, Karl Wendlinger quase tinha morrido num acidente em Mônaco e J.J. Lehto foi chamado para substitui-lo nas duas corridas finais na Sauber. Após uma temporada tão frustrante, J.J. Lehto foi aconselhado por Keke Rosberg a se mudar para o DTM em 1995, saindo da F1. Foram 62 Grandes Prêmios, apenas dez pontos e o histórico pódio em Ímola/1991.

J.J. Lehto ainda fez duas temporadas no DTM com resultados medianos, mas sua carreira se voltaria às corridas de longa duração. Em 1990 e 1991, Lehto participou das 24 Horas de Le Mans com a Porsche, sem sucesso. Ainda em 1995, com uma equipe particular, Lehto é convidado a voltar à Le Mans e com um McLaren F1 GTR, venceu a tradicional corrida de Endurance, junto com Yannick Dalmas e Masanori Sekiya. Em 1997, Lehto foi contratado pela BMW para participar do primeiro campeonato de FIA-GT, onde o finlandês correria com um McLaren e teria como rival a Mercedes AMG. Foi um campeonato interessantíssimo e muito disputado, com Lehto, ao lado do inglês Steve Soper, perdendo o título para Bernd Schneider na última corrida, em Laguna Seca. Em 1998, Lehto fez um breve retorno aos monopostos ao partir para a F-Indy/CART com a pequena equipe Hogan. Talvez desacostumado com esse tipo de carro, o finlandês esteve longe das primeiras posições, terminando o campeonato apenas em 20º lugar, tendo um quinto lugar em Surfers Paradise como melhor resultado. No ano seguinte Lehto retorna às corridas de longa duração, novamente como piloto oficial da BMW. A marca bávara preparava o seu retorno à F1 e testou o seu motor que seria instalado na Williams a partir de 2001 nos carros de Endurance. Lehto teve um papel importante desenvolvendo o carro e a BMW chegaria a vencer as 24 Horas de Le Mans no ano 2000. Em 2002, Lehto participa da volta da Cadillac à Le Mans e no ano seguinte, é contratado pela Audi, onde é campeão da American Le Mans Series em 2004 com seis vitórias. Lehto consegue sua segunda vitória em Le Mans em 2005, ao lado da lenda Tom Kristensen e do alemão Marco Werner. Esse seria a última vitória de Lehto numa grande competição. O finlandês se aposentou das pistas no final de 2008 e passou a se dedicar aos comentários da TV finlandesa de F1 e DTM, algo que fazia desde 2001. Infelizmente, a última vez em que apareceu com destaque no noticiários, Lehto esteve envolvido num acidente de barco onde uma pessoa morreu e foi descoberto que Lehto dirigia o barco completamente embriagado. Piloto extremamente promissor no final dos anos 1980, J.J. Lehto tinha tudo para trilhar uma carreira similar aos seus contemporâneos de kart, Salo e Hakkinen, mas mesmo tendo praticamente as mesmas oportunidades, Lehto esteve longe de ter uma carreira sólida na F1, mas o finlandês acabou garantindo uma certa dose de sucesso nas categorias GT.

Parabéns!
J.J. Lehto 

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