sábado, 16 de outubro de 2021

Coração de leão

 


Ele foi um dos pilotos mais carismáticos e queridos da Indy na primeira década do século 21, além de ter uma pilotagem emocionante, que fez com que os americanos o admirasse a ponto dele ser mais respeitado nos circuitos ovais do que nos mistos. Dan Wheldon teve uma carreira belíssima, mas bem distinta dos seus compatriotas, onde o inglês rapidamente se mudou para os Estados Unidos e fez toda a sua carreira por lá. Vindo de uma família humilde, mas ligada ao automobilismo, as corridas sempre foram uma paixão para Wheldon, mas infelizmente a ganância dos dirigentes da Indy na época fez com que a categoria corresse numa pista sem condições e o que se viu foi um dos acidentes mais impactantes da história do automobilismo e que custou a vida de Wheldon, cujo acidente completa dez anos hoje e iremos ver como Dan chegou até aquele dia fatídico.

Daniel Clive Wheldon nasceu no dia 22 de junho de 1978 no pequeno vilarejo de Emberton, próximo a cidade de Olney. Filho de um encanador, mas que correu de kart quando jovem, Daniel sempre foi ligado aos esportes, mas sua verdadeira paixão, transmitida pelo pai, sempre foram as corridas e assim que foi possível Dan (logo ele seria conhecido pelo diminutivo de Daniel) competir de kart, ele já estava nas pistas. E com sucesso. Wheldon foi campeão britânico de kart várias vezes, atraindo a atenção do lendário Terry Fullerton, que o apoiou quando Wheldon foi campeão da Copa do Mundo de kart em 1995. Foi mais ou menos nessa época que Wheldon começou uma grande rivalidade com outro jovem, talentoso e promissor piloto inglês: Jenson Button. Havia muito respeito entre eles, mas não se podia dizer que eram amigos. Aos 17 anos Wheldon estreou nos monopostos na F-Vauxhall Junior e mesmo novato, ficou em segundo lugar em 1996, logo à frente de Luciano Burti. Ao invés de subir para a F3, Wheldon foi para a F-Ford e seus resultados eram bons o suficiente para ser indicado para o, na época, valoroso prêmio de Jovem Piloto do Ano da Autosport. Em 1998 ele ficou em segundo lugar no famoso Festival de F-Ford em Brands Hatch, onde foi derrotado pelo eterno rival Jenson Button. O objetivo de Wheldon para 1999 era se graduar para a F3 Inglesa, mas vindo de uma família humilde, Wheldon não conseguiu os recursos necessários para a empreitada, mas havia quem acreditasse no inglês. Seu chefe de equipe Ralph Firman sugeriu que Wheldon cruzasse o Atlântico e fosse para a F-Ford 2000 Americana.


Ainda pensando na Europa, Wheldon fez um ótimo teste com o F-Ford 2000 e ficou na América para conquistar o campeonato com sete vitórias e sendo o primeiro inglês a vencer o campeonato. O que seria apenas uma passagem pelos Estados Unidos acabaria sendo uma carreira completa! Sem pensar mais em tentar um lugar rumo a F1, Wheldon se concentrou na estrada rumo à Indy, partindo para a tradicional F-Atlantic no ano 2000, vencendo em sua estreia (algo inédito na categoria) e ficando com o vice-campeonato, perdendo o título para Buddy Rice, mas garantindo o valioso prêmio de Rookie of the year. Os bons resultados de Wheldon o colocaram na Indy Lights em 2001 na equipe PacWest, que vinha conquistado o título na categoria nos últimos anos. Wheldon venceu duas corridas, novamente foi o Rookie do ano e vice-campeão, dessa vez vendo Townsend Bell ser o campeão de forma dominante. Porém, naquele tempo haviam duas Indys e Wheldon teria que escolher entre a CART e a IRL. O ano de 2001 foi terrível para a CART, que inicialmente era a escolha do inglês por ter as melhores equipes, mas combinando a falta de patrocínio com a queda da CART, Wheldon optou pela IRL. E seria uma aposta certeira!


Inicialmente Wheldon seria piloto de testes da equipe Panther, que corria somente com Sam Hornish Jr, mas o inglês teve a promessa de que correria ainda em 2002 algumas corridas com um segundo carro da equipe. A promessa foi cumprida e Wheldon estreou na Indy em Chicagoland. Porém, a Panther não teria recursos para um segundo carro para 2003, mas as boas exibições de Wheldon chamaram a atenção da equipe Andretti-Green, que o contratou inicialmente como piloto de testes, mas se houvesse recursos, ele correria a temporada inteira. Foi então que a sorte finalmente sorriu para Dan, quando Dario Franchitti não pôde correr a primeira prova do ano e Wheldon foi muito bem em Motegi, garantindo lugar para o resto da temporada com a aposentadoria em tempo integral de Michael Andretti. Logo de cara Wheldon vai muito bem na pista que importava: Indianápolis. Ele largou em quinto, antes de bater quando estava no pelotão da frente. Até então havia um certo preconceito dos americanos contra os pilotos europeus nos circuitos ovais, mas Wheldon quebrou completamente esse paradigma, ao andar de igual para igual contra os americanos nas pistas ovais. Wheldon foi o Rookie of the Year da Indy em 2003 e teve seu contrato alongado com a Andretti-Green. O time comandado por Michael Andretti era a mais forte da época e Wheldon era uma espécie de piloto júnior de uma equipe que tinha também Tony Kanaan, Dario Franchitti e Bryan Herta. Porém, Dan evoluía continuamente e os primeiros feitos não demoraria. A primeira pole aconteceria logo na primeira etapa de 2004 em Phoenix e a primeira vitória seria conquistada de forma categórica em Motegi, onde liderou praticamente todas as voltas. Em Indianápolis Wheldon foi novamente muito bem e terminou em terceiro numa prova encurtada pela chuva. Kanaan foi o campeão daquele ano, mas Wheldon tinha dado o seu recado e foi vice. O título de Kanaan, um brasileiro, foi um golpe no status quo da IRL. Criada para ser uma categoria americana, a vitória de um forasteiro foi um baque para Tony George, que teve que engolir a entrada de um circuito misto em 2005. E a primeira vitória da história da IRL num circuito assim foi de Wheldon, que iniciava uma incrível sequência de vitórias.


Dentro dessas vitórias houve o seu primeiro triunfo em Indianápolis, ultrapassando Danica Patrick, numa arriscada estratégia de pit-stops, quando faltavam sete voltas para o fim. Wheldon se tornava o primeiro inglês a vencer em Indianápolis desde Graham Hill em 1966. Foi uma temporada dominante, onde Wheldon bateu o recorde de vitórias numa temporada (seis), ratificando o campeonato com uma etapa de antecipação, feito não igualado passados dezesseis anos. Claro que isso chamou a atenção da F1 e Wheldon foi convidado pela BMW Sauber para um teste com potencial contratação para 2006, mas o inglês já tinha uma carreira consolidada nos Estados Unidos e Dan sabia que ele poderia não ser competitivo na F1, mesmo sendo esse seu sonho original. Porém, em 2006 Wheldon estaria numa equipe nova. Mesmo a Andretti-Green tendo dominado as duas temporadas anteriores, o inglês aceitou uma proposta da Chip Ganassi e se mudou para o time em 2006, para surpresa de muitas pessoas. Wheldon continuou bastante competitivo e lutou de forma tenaz contra Hornish, que estava na Penske, pelo título daquele ano. Na verdade, ambos acabaram o ano empatados em pontos, com Hornish levando o título por ter mais vitórias (4x2). Essa tenacidade de Wheldon o fez ser conhecido no meio automobilístico como The Lion Heart (Coração de Leão), inclusive incorporando essa marca em seu capacete. Dono de um espírito contagiante, Wheldon era um dos pilotos mais populares da Indy. Muito amigo de Tony Kanaan, Wheldon veio duas vezes ao Brasil participar da tradicional corrida de kart na Granja Viana.


Os anos de 2007 e 2008 foram menos consistentes para Wheldon e ele conseguiu poucas vitórias e não esteve na briga pelo título em nenhuma dessas temporadas. Foi em 2008 que houve a reunificação da Indy e com a saída de Tony George, houve um aumento significativo de circuitos mistos. Mesmo sendo um europeu, Wheldon sofreu com essa mudança, mas pois seus melhores resultados eram nos ovais. Com Scott Dixon cada vez mais dominante, Wheldon foi ficando cada vez mais coadjuvante dentro da Ganassi e em meados de 2008 Wheldon anunciou que não renovaria com a Ganassi, dando seu lugar para Dario Franchitti, que corria pela Ganassi na Nascar e após uma experiência nada boa, retornou com sucesso para a Indy. Contudo Wheldon não ficaria a pé por muito tempo e ele assinou um retorno com a Panther. No entanto, a equipe não estava mais na principal prateleira das equipes da Indy, como quando inglês entrou na categoria em 2002. A Panther era naquele momento um time de meio de pelotão e Wheldon não mais brigaria por títulos. Bons resultados, apenas eventualmente e de preferência, em circuitos ovais, onde Wheldon ainda se dava bem, como nas 500 Milhas de 2009, onde Dan chegou em segundo lugar. Porém, os bons resultados eram escassos e quando a Panther precisou de patrocínio no final de 2010, Wheldon foi sacado pelo jovem J.R. Hildebrand. Porém, como se diz atualmente, o mundo não gira, mas capota!


Sem lugar lugar na Indy em 2011, Wheldon passou a ser uma espécie de consultou da Dallara, que se preparava para construiu um novo carro para 2012. Aos 32 anos, o inglês retornava ao cargo de piloto de testes que exerceu quase dez anos antes, mas ele receberia um convite que mudaria sua vida. Se hoje a Indy tem carros sobrando em Indianápolis, dez anos atrás a categoria tinha dificuldades em fechar o tradicional grid de 33 carros e por isso muitas equipes e pilotos apareciam somente em Indianápolis, na maioria das vezes para fazer número. O antigo companheiro de equipe de Dan, Bryan Herta, teria um pequeno esquema para Indianápolis e Wheldon aceitou a proposta para retornar às 500 Milhas na pequena equipe. Wheldon colocou o carro em sexto lugar no grid e numa corrida até mesmo morna em sua maior parte, Dan estava em segundo nas voltas finais, perseguindo justamente Hildebrand, que havia roubado seu lugar na Panther. A vitória poderia ser uma ressurreição para a equipe, sem contar que consagraria Hildebrand, que estreava na pista de Indiana, mas como diziam os mais velhos, Indianápolis escolhe seus vitoriosos. E dessa vez, os deuses da velocidade foram bem cruéis com Hildebrand. O americano de 23 anos já sentia o gosto do leite na boca quando fez a curva quatro da última volta de forma muito aberta e bateu no muro, para estupefação de todo o mundo. Hildebrand ainda tentou se arrastar até a bandeirada, que já era agitada pelo diretor de prova, mas Wheldon desviou do seu antigo carro e recebeu a bandeirada de um dos finais de 500 Milhas mais dramáticos da história. A Panther ainda tentou recorrer, dizendo que Wheldon teria feito a ultrapassagem decisiva sob bandeira amarela, mas os próprios mecânicos da Panther foram congratular Wheldon no Victory Lane. Hildebrand, coitado, ficou para sempre marcado pelo erro na 800º e última curva das 500 Milhas de 2011 e nunca mais se recuperaria do baque. Tinha sido uma vitória de conto de fadas para Wheldon, mas tudo mudaria em pouco tempo.


Quando a IRL sobrepujou a CART e se tornou a principal categoria de monopostos dos Estados Unidos, a categoria usou como mote a 'emoção' das corridas e que ali 'se corriam homens, não meninos'. As corridas da Indy eram muito próximas naquele tempo, com muitas chegadas decididas no photo-chat, mas havia um preço que poderia ser pago a qualquer momento. De forma proposital, a Indy projetava seus carros com muito downforce para provocar as chamadas 'pack races', onde vários carros disputavam roda a roda durante toda a corrida. Para completar a Indy incluiu em seu calendários pistas ovais muito largas e com bastante inclinação nas curvas, fazendo com que o piloto executasse uma volta com o pé cravado no acelerador, com velocidades superiores a 350 km/h. Alguns acidentes perigosos já haviam acontecido, com destaque para o acidente que encerrou a carreira de Kenny Brack em 2003, no Texas. Uma dessas pistas de uma milha e meia era Las Vegas. Pista construída para receber a Nascar, a pista já havia sido tirada do calendário da Indy anos antes por falta de segurança. Sem qualquer motivo aparente, o presidente da Indy na época Randy Bernard, trouxe a pista novamente para o calendário na decisão do campeonato e com mais alguns detalhes. O grid estaria cheio (34 carros) e foram feito vários convites para pilotos de outras categorias, que ganharia um prêmio milionário se vencessem a prova. Apenas Wheldon aceitou, mas ele teria que largar de último.


Nos treinos a maioria dos pilotos se empolgou com as velocidades atingidas, algumas vezes batendo na insana marca dos 390 km/h. Os mais experientes se mostravam preocupados com tantos carros juntos a uma velocidade tão alta. Havia uma tensão forte no ar. A largada foi dado e mesmo o título sendo decidido entre Franchitti e Will Power, todas as atenções estavam em cima de Dan Wheldon, que escalava o pelotão. Na décima primeira volta, o jovem Sebastian Saavedra perdeu o controle do seu carro no meio do pelotão, iniciando um dos acidentes mais impressionantes da história do automobilismo. Em alta velocidade, alguns carros simplesmente alçaram voo e foram lançados feito mísseis contra o muro. Entre eles estava o carro de Dan Wheldon. O inglês acertou o carro de Charlie Kimball, alçou voo e foi bater na cerca de proteção. O capacete de Dan acertou um poste de proteção e ao meio dos quinze carros destruídos no meio da pista, alguns em chamas, a cena do enorme buraco no capacete de Wheldon mostrava que ele era o caso mais grave. Ele ainda foi levado ao hospital, mas Dan Wheldon, com 33 anos de idade, foi declarado morto duas horas depois.


Grande amigo de Wheldon, Dario Franchitti recebeu a notícia da morte do inglês ainda dentro carro e irrompeu em lágrimas. O escocês também era o campeão de 2011, mas isso não importava. A corrida foi cancelada, mas os pilotos que ainda tinham carro em condições para relargar deram cinco voltas pela pista em forma de homenagem. O mundo do esporte a motor chorou a morte de Wheldon, inclusive seu antigo rival Jenson Button e a estrela ascendente Lewis Hamilton. Imediatamente a segurança da Indy foi questionada e houveram pilotos como AJ Allmendinger e Tomas Scheckter que simplesmente se recusaram a voltar à Indy em circuitos ovais. Randy Bernard foi defenestrado da presidência da Indy e várias medidas foram tomadas para evitar as pack races. Las Vegas nunca mais recebeu uma corrida da Indy. Acertado com a Andretti para 2012, Dan Wheldon testava o novo carro da Dallara e insistia em aumentar a segurança do carro em caso de toque entre rodas. Em homenagem a Dan Wheldon, o novo carro seria chamado DW12. Na ocasião o inglês deixou dois pequenos filhos órfãos, mas assim como Dan no começo da carreira, eles foram de alguma forma inspirados pelo pai e hoje correm de kart. Com sucesso, como Dan Wheldon.  

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