domingo, 10 de julho de 2022

Mais alívio do que alegria

 


A cara de Mattia Binotto após a bandeirada refletia bem o sentimento da Ferrari naquele momento. Depois de algum tempo os italianos tinham o melhor carro do pelotão e estavam para conquistar uma dobradinha, quando a confiabilidade voltou a afetar seus pilotos, porém, Charles Leclerc soube administrar muito bem o problema que tinha no acelerador e conseguiu sua primeira vitória em três meses e a terceira em 2022, mas antes os boxes da Ferrari lamentaram a quebra do motor de Sainz e de forma nada polida, estavam com o c... na mão com o problema de Leclerc quase possibilitando uma corrida ganha jogada no lixo, com Verstappen conseguindo mitigar o prejuízo em uma corrida em que a Red Bull, mesmo correndo em casa, não foi nada bem.


A prova no Red Bull Ring foi bem interessante e com muitas nuances estratégicas. Repetindo a largada da Sprint Race, Verstappen fechou a porta de Leclerc com vontade, mas ao contrário do que se viu no sábado, Sainz não saiu tão bem e ao invés de atacar seu companheiro de equipe, teve que se preocupar mais em se defender de George Russell. O inglês da Mercedes estava com apetite nesse domingo. Ao ser superado por Sainz após a freada da curva 3, Russell passou a ser atacado por Pérez e na freada da curva 4, acabou tocando no mexicano, significando uma punição à George mais tarde. E uma boa corrida de recuperação do piloto da Mercedes. No sábado Verstappen dominou como quis a Sprint Race e era esperado algo parecido no domingo, com a torcida holandesa fazendo a festa, mesmo que os sinalizadores laranja tendo criado uma fumaça perigosa para os pilotos, pois claramente a visão deles foi afetada. Após se livrar de Sainz, Leclerc esboçou um ataque em cima de Verstappen e o monegasco reportou poucos problemas de pneus, algo que Max reclamou bem mais, numa clara inversão do que foi visto na temporada. E isso se traduziu no domingo. Após abrir 1,5s nas primeira voltas, Verstappen viu Leclerc se aproximar rapidamente dele. Max fez o que era possível, mas já anunciava pelo rádio que não teria como segurar por muito tempo. Foi a primeira ultrapassagem tomada de Max, com Charles assumindo a ponta. Quando Sainz já encostava, a Red Bull tentou o diferente e trouxe o neerlandês aos pits pela primeira vez de forma antecipada, anunciando aos quatro cantos que pararia duas vezes, no mínimo.


A Ferrari postergou o quanto pôde a parada dos seus pilotos, tentando uma corrida com uma única visita aos pits. Com pneus mais novos, Max Verstappen rapidamente se livrou do trânsito e era mais rápido do que a dupla ferrarista quando a turma de Mattia Binotto chamou seus pilotos no momento em que a corrida se aproximava da metade. De forma lógica, Leclerc voltou atrás de Verstappen e da mesma forma, engoliu a diferença que o separava do piloto da Red Bull, efetuando a ultrapassagem poucas voltas mais tarde. Da mesma forma do primeiro stint, Max já via Sainz fungando no seu cangote quando parou pela segunda e esperada vez nos pits, novamente colocando pneus duros. Max não estava andando muito forte com os pneus duros, o contrário acontecendo com a dupla rossa, mas ainda assim era quase impossível Max colocar pneus médios novamente àquela altura, no entanto, com pneus mais novos, Verstappen poderia ter a ventagem de uma melhor borracha no final da prova, se a Ferrari optasse por uma única parada. Com uma vantagem clara e cristalina na pista, a turma de Binotto chamou seus pilotos para os pits e sem querer arriscar muito, colocou pneus duros, quando o esperado eram os pneus médios, até pela quantidade de voltas para o fim. Nem isso parou Leclerc. O monegasco saiu logo atrás de Verstappen e com um ritmo 1s melhor, ultrapassou novamente o piloto da Rd Bull. Pede música Charles!


Porém, a ótima corrida da Ferrari rapidamente se tornaria dramática. Sainz estava encostando em Max Verstappen para uma tranquila ultrapassagem. A transmissão estava com um câmera focada na dianteira do espanhol, quando de repente a traseira de Max desapareceu no horizonte. Então a familiar cena da fumaça branca saindo da traseira de um carro da Ferrari veio à tona. 'No, no, no'. Era tudo o que dizia Sainz. Já que gosta de cantar no rádio, a música 'oh no, oh no, oh no', poderia ser ecoada por Carlos, que saiu desolado de sua chamuscada Ferrari. Lá se foi a boa fase de Sainz. Nos boxes da Ferrari, todo mundo se entreolhava assustado. Seria outra corrida ganha indo para o beleleú? Antes que a presepada ocorrida em Silverstone se repetisse, a Ferrari chamou Leclerc quando o SC Virtual deu as caras para apagar o incêndio do carro do companheiro de equipe, o mesmo fazendo Max Verstappen. Com menos de quinze voltas para o fim, com nítida vantagem na pista e estratégias semelhantes, bastava à Leclerc levar o bebê para casa, certo? Não, se você se veste de vermelho a adora complicar o descomplicado. Um estranho problema no acelerador de Leclerc fazia com que, quando Charles tirasse o pé, o pedal não voltasse totalmente, criando uma estranha sensação de carro acelerado. Em tempos de gasolina com o preço nas alturas, seria um problemão, mas como Leclerc não se preocupa em pagar do seu bolso o reabastecimento do seu carro, havia outros riscos envolvidos. Com a FIA empolgada em punir pilotos pelo famigerado 'track limits', havia o risco do carro sair de frente e Leclerc passar do ponto, sem contar que o problema poderia piorar de vez. Até Enzo Ferrari prendeu a respiração em sua tumba nas voltas finais, mas aqui vale dizer que Leclerc piloto como nunca, não perdendo tanto tempo para Verstappen, que baixou para perigosos 2s na abertura da última volta sua desvantagem. Leclerc mostrou ser um piloto diferenciado nessa sua vitória, talvez a mais dramática das cinco que já tem na F1. Com o abandono de Pérez, ainda rescaldo do toque com Russell na primeira volta, Leclerc voltou à vice-liderança do campeonato, se tornando de fato e direito o principal rival de Verstappen no campeonato. Mesmo derrotado na casa de sua equipe, Verstappen ainda teve o que comemorar, pois num dia ruim da Red Bull, somado os pontos da Sprint Race e da melhor volta, ele nem perdeu tantos pontos para Leclerc, ajudado ainda pelo abandono de Sainz, quando a ultrapassagem do espanhol era iminente. É a famosa sorte de campeão.


Após a bela exibição em Silverstone, quando a Mercedes aspirou lutar pela vitória, não deixou de ser decepcionante a corrida na Áustria. Mesmo numa pista com layout favorável, a Mercedes mostrou-se com deficit de potência nas longas retas de Red Bull Ring. Com uma Ferrari e uma Red Bull abandonando, uma Mercedes subiu ao pódio e este coube à Lewis Hamilton. O inglês ficou um tempo atrás da dupla da Haas no início da prova, mas rapidamente ficou como o melhor do resto e por lá ficou a corrida inteira, sem ser importunado por ninguém. Talvez resquícios da luta do ano passado, Hamilton perturbou um pouco Verstappen quando este chegou em Lewis com pneus melhores, mas a batalha só durou alguns metros e serviu apenas para Max perder décimos que nem fariam tanta diferença. Após uma primeira volta alvoroçada, Russell acabou punido de forma esperada e caiu para as últimas posições, tendo ainda que trocar o bico pelo toque com Checo. Tudo levava a crer numa corrida opaca de George, mas o inglês teve a sorte da corrida ter tido como padrão a tática de duas paradas e assim Russell acabou não tendo tanta desvantagem pelas atribulações das primeiras voltas, efetuando uma bela recuperação, ultrapassando muita gente e Ocon no final para ficar com um excelente quarto lugar, mesmo que bem longe de Hamilton. Após uma classificação onde viu seus dois pilotos baterem, dando muito trabalho aos mecânicos no sábado, a Mercedes conseguiu ótimos pontos no domingo, mesmo que o desempenho tenha ficado abaixo do esperado. A Alpine esperava brigar com a Mercedes, mas a forma como Russell saiu lá de trás e ainda chegou à frente de Ocon mostra que os franceses ainda tem que comer muita baguete para chegar nos tedescos, mas isso não ofuscou a bela corrida dos seus pilotos. Ocon fez uma prova sólida em sua centésima corrida e foi quinto, com Alonso saindo da última fila para os pontos, mesmo parando igual vezes que seus adversários mais próximos. 


A confiança é a base de qualquer esportista e Mick Schumacher deu a prova hoje. Após finalmente marcar seus primeiros pontos na F1 em Silverstone, o jovem alemão fez uma ótima corrida no país vizinho ao seu e levou à Haas ao sexto lugar, andando constantemente na frente de Kevin Magnussen, que chegou em oitavo, dando importantes pontos à Haas. Ao contrário do que foi dito na transmissão, apenas a Haas das clientes da Ferrari andaram bem, com a Alfa Romeo ficando longe dos pontos, mesmo com Bottas tendo feito ótima corrida após sair do pit-lane e por pouco perder um pontinho, ao ser ultrapassado por Alonso nas voltas finais. Num final de semana complicado, a McLaren ainda salvou alguns pontos com seus dois pilotos (aleluia Ricciardo!), mas vendo a Alpine empatar no Mundial de Construtores. Albon fez um ótimo trabalho e quase pontuou, ultrapassado por Bottas e Alonso quando estava em décimo já nas voltas derradeiras. Gasly parece atarantado por ver sua carreira estagnada em ficar mais um ano na Alpha Tauri, sem maiores perspectivas de crescer dentro do seio da Red Bull e sem muito para onde ir nas outras equipes. Gasly foi punido duas vezes hoje, incluindo um toque evitável com Vettel. Com Pierre indo mal, a Alpha Tauri foi no mesmo caminho, inclusive com Tsunoda ficando atrás do duplamente punido Gasly. Vettel foi tocado na Sprint e na corrida principal, ficando em último entre os que chegaram e como é o alemão que carrega a Aston Martin nas costas, sem surpresas o time ficou sem pontos.


Após uma corrida em que poderia ter feito uma dobradinha dominadora, pelo menos a Ferrari conseguiu que Leclerc voltasse a vencer. O monegasco lavou a alma com essa vitória, demonstrando claramente que se não fosse a (ainda) claudicante confiabilidade da Ferrari e algumas escolhas estranhas do time, ele estaria ainda mais forte na briga pelo título. Max Verstappen ainda foi segundo e perdendo poucos pontos para Leclerc, mas o neerlandês terá que cobrar uma melhora da Red Bull após duas vitórias consecutivas da Ferrari. Ainda estamos na metade do campeonato e muita coisa pode acontecer. Sorte a nossa!

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