domingo, 2 de abril de 2023

Marasmo e caos

 


Os pilotos gostam muito de usar a palavra 'montanha-russa' para definir suas corridas, mas não há como sair desse 'adjetivo' para definir o que foi o Grande Prêmio da Austrália de 2023. A corrida oceânica saiu do marasmo ao caos em vários momentos, apenas o vencedor não mudou nessa temporada: a Red Bull. Dessa vez não teve dobradinha, mas os austríacos comemoraram outra vitória dominante com Max Verstappen, que mesmo não largando bem e dando um sustinho no terço final da corrida, teve a prova sob controle e com a corrida burocrática de Pérez, já abre uma diferença que deverá ser substancial rumo ao tricampeonato do neerlandês. Porém, a corrida desse domingo não foi tranquila, com muitas disputas, acidentes e um show de incompetência da FIA, que no afã de garantir um 'bom show', deu um baita prejuízo aos donos de equipe.


O pouco espaço entre a linha de largada e a primeira curva não impediu que George Russell saísse muito bem no apagar das cinco luzes vermelhas ultrapassasse Verstappen, que foi claramente cauteloso. Sabedor que seu maior rival e talvez único pelo título, Sérgio Pérez, estava num final de semana para lá de esquecível, tudo que Max não queria era problemas e ele os evitou ao máximo, freando tão cedo na curva 3, que permitiu a ultrapassagem de Hamilton e trouxe um pouco de caos, com o toque de Leclerc em Stroll, que provocou o abandono do monegasco ali mesmo, além de inaugurar a série de Safety-Cars. Na primeira relargada, a dupla da Mercedes e Verstappen se destacou de Sainz e Alonso. A Mercedes tinha como trunfo ter seus dois carros contra Max e por isso segurou Russell para proporcionar o DRS à Hamilton, para que o inglês pudesse segurar as estocadas de Verstappen. Porém, essa tática durou pouco com o acidente de Alexander Albon, que largara muito bem e com os toques à sua frente, subia para um surpreendente sexto lugar. O anglo-tailandês tem muita velocidade, mas bastante inconsistência, batendo quando estava muito bem, deixando a Williams sem pontos. Porém, o que veio a seguir mostrava que a FIA, talvez influenciada pela Liberty, queria mexer na corrida. A Williams de Albon nem estava numa posição tão ruim assim e apesar da pista estivesse imunda, um SC daria conta do recado tranquilamente. Porém, precisamos de um bom show e corrida foi parada por uma bandeira vermelha para lá de desnecessária.


À essa altura Russell e Sainz foram os grandes prejudicados, pois eles tinham parado no SC que veio a seguir ao acidente de Albon, mas com a bandeira vermelha, ambos perdiam o posicionamento e com os demais carros colocando pneus duros, qualquer vantagem dois fora para o espaço. O asfalto de Melboune não é muito abrasivo e por isso a estratégia de uma parada, com todos colocando os pneus duros, era a tática ideal e com a bandeira vermelha proporcionando a troca de pneus sem um pit-stop, as equipes estavam felizes com os carros indo até o final da prova sem mais paradas. Quem não deve ter gostado disso foram as pessoas nas arquibancadas, que quebraram recordes na Austrália, além das pessoas que ficaram na frente da TV, muitas vezes em horários para lá de inconvenientes. Como os pilotos teriam que levar seus carros até o final com aquele jogo de pneus, ninguém poderia forçar em demasia, levando ao marasmo que se viu na corrida na Arábia Saudita. Verstappen rapidamente ultrapassou Hamilton e abriu uma vantagem em que Max apenas administrou. Hamilton ficou para trás, tendo Alonso sempre menos de 2s atrás, enquanto Russell tentava a recuperação, ultrapassando de forma bonita Gasly, mas quando inglês pensou em se insinuar para cima de Alonso, o motor Mercedes abriu o bico, deixando George na mão. Gasly tinha se aproveitado bem da bandeira vermelha e mesmo ultrapassado por Sainz, o francês seguia a Ferrari sem maiores dramas. Sainz chegou a encostar no seu compatriota Alonso, mas mantendo os mesmos 1,5-2s que Alonso tinha de desvantagem para Hamilton. E assim permaneceu a corrida por longas e sorumbáticas voltas. Havia a tensão dos carros relativamente próximos, os pilotos reclamando do ritmo, mas ninguém atacava ninguém, pois o objetivo era ver a bandeirada. Enquanto Verstappen saía rapidamente da pista na penúltima curva, Checo Pérez fazia uma corrida burocrática, bem longe da agressividade mostrada por Max em Jidá. O mexicano da Red Bull parecia não acreditar que poderia escalar o pelotão e muitas vezes demorava em demasia para ultrapassar carros 2s mais lentos que o seu. Em condições normais, Pérez chegaria num sétimo lugar, talvez pressionando Lance Stroll, quando a corrida teve a guinada derradeira nas voltas finais.


Kevin Magnussen, pressionado pela boa atuação de Nico Hulkenberg, sempre mais rápido nos treinos e na corrida, brigava com Zhou pela décima segunda posição. Na abertura da antepenúltima volta, o danes abriu demais na curva dois e bateu forte no muro. O pneu traseiro da Haas ficou no meio da pista e com a suspensão quebrada, K-Mag abandonaria seu carro logo depois. Safety-Car na pista, sem muito choro, nem vela. Porém, com o pneu de Kevin no meio da pista, tendo que retirar a Haas do acostamento e alinhar todo mundo atrás do SC, estava claro que a corrida não seria reiniciada. Para quem acompanha a Indy e a Nascar, há uma clara imposição dos organizadores americanos: não se pode terminar uma corrida sob bandeira amarela. Na Nascar, surgiu a prorrogação. Na Indy, bandeiras vermelhas garantem a limpeza da pista e uma relargada. Com a Liberty cada vez mais empenhada em ter um 'bom show', seguiu os companheiros da Indy: bandeira vermelha. Afinal, o show tem que continuar, com os carros na pista. Outro fato interessante é que Michael Masi, o homem que provocou toda a polêmica de 2021, estava em Melboune nesse final de semana para uma visitinha. Com certeza olharam para Masi e recordaram do para sempre lembrado final de campeonato de 2021 e toda a polêmica que acarretou. Para que arriscar? Vamos ter um bom show. Bandeira vermelha!


Com todos os pilotos calçados com pneus macios e podendo forçar à vontade para pouquíssimas voltas, estava na cara que ia acontecer uma merda. E aconteceu! A terceira largada parada do dia foi uma carnificina. Verstappen posicionou seu carro mirando Lewis e foi assim que o piloto da Red Bull manteve a primeira posição. Porém, a freada da primeira curva foi caótica, com Gasly freando tudo para não bater em Alonso, Sainz tocando no seu compatriota, Pérez saindo da pista e quando Gasly retornava à pista, bateu em... seu companheiro de equipe Ocon, destruindo a corrida da Alpine. Para completar, Tsunoda já tinha batido em Bottas, enquanto Sargeant se tocou com De Vries e Stroll, que poderia ter subido para terceiro, mostrou seu 'talento' e passou reto na terceira curva. Sobrava poucos carros e uma terceira bandeira vermelha apareceu, dessa vez de forma necessária, por causa dos inúmero detritos na pista e os vários carros a serem retirados. Fico imaginando como devem estar felizes os chefes de equipe, que nessa semana entregarão seus relatórios financeiros à FIA sobre a temporada 2022. Foi um strike com vários carros danificados. De forma estranha, a FIA ainda queria mais e anunciou uma nova largada, quando a TV mostrava claramente que todas as 58 voltas tinham sido completadas. Alonso, que com o toque recebido saída da zona de pontos, reclamava que a terceira largada tinha que ser cancelada e que tudo deveria voltar como estava. A vontade do espanhol foi realizada e a quarta relargada do dia, com o mesmo grid da outra relargada, foi apenas para Verstappen receber a bandeirada com o carro em movimento. Com a saída dos carros da Alpine e a punição à Sainz pelo toque em Alonso, vários carros que não pontuariam entraram na zona de pontos. A Aston Martin subiu para terceiro e quarto, ganhando bons pontos no Mundial de Construtores, Hulkenberg marcou seus primeiros pontos em seu retorno, a problemática McLaren pontuou com seus dois carros, com destaque para a corrida combativa do novato Piastri e Tsunoda saiu do zero. Pérez ainda salvou um quinto lugar num dia nada auspicioso para o chicano.


A corrida desse domingo pode ser dividida entre o caos absoluto e o marasmo absoluto, sem meio-termo. Com tantos acidentes, apenas doze carros completaram a corrida, mas Max Verstappen apenas observa de cima toda a confusão que se estabeleceu. A Red Bull tem um carro nitidamente superior a qualquer um, com Aston Martin, Mercedes e até mesmo Ferrari e Alpine brigando pelo resto. Porém, a F1 não precisa de showzinhos forçados para ter um bom espetáculo. 

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