Se alguém perguntar para uma pessoa comum aqui no Brasil quem foram os três Campeões Mundiais de F1, a resposta saí na lata: Senna, Fittipaldi e Piquet. Não importa a ordem, a resposta está na ponta da língua. Já nos Estados Unidos, se alguém perguntar a um ianque quem foi o primeiro americano a ser campeão na F1, boa parte irá responder: "O que é F1?". Outras irão responder: "E algum americano já foi campeão nisso aí?". Uma minoria, talvez, arrisque "Andretti!". O que pouquíssimos americanos sabem é que houve um compatriota campeão na maior categoria do mundo nos longíquos anos 60. E de Ferrari! O americano Phil Hill é muito mais conhecido na Europa do que em seu próprio país por ter feito boa parte da carreira nas pistas do velho mundo. Apesar do título mundial de F1, Phil Hill se sentia mais à vontade atrás de uma Ferrari Testarossa, correndo em Le Mans, aonde conquistou suas maiores glórias. Muito tímido e reservado, Phil Hill foi um digno "gentleman driver", um bom acertador de carros, um piloto cuidadoso e suave com seu carro e mesmo com fobias admitidas por ele mesmo, Hill era agressivo quando precisava ser. Muito preocupado com a segurança, Hill ficava bastante tenso antes das largadas, andando para lá e para cá, limpando seus óculos de proteção eternamente ou mascando um chiclete. E mesmo assim, antes de ser um grande piloto de F1, Hill foi um dos maiores pilotos de sport-cars da história, mas sua timidez fora das pistas e seus medos dentro delas, fez com que seu sucesso na Europa acabasse mais rápido do que o imaginado. Tornando-se hoje um octagenário no dia de hoje, vamos conhecer um pouco mais desse americano.
Philip Toll Hill Jr. nasceu em Miami, Flórida no dia 20 de abril de 1927. Seu amor por automóveis começou muito cedo e com tenros nove anos já se arriscava atrás do volante de um Oldsmobile 36. A família Hill se mudou de mala e cuia para Santa Mônica, Califórnia, onde o pai era um agente postal. O amor do pequeno Philip pelas corridas fez com que esse devorasse revistas e livros sobre corridas e carros. "Antes mesmo que eu corresse de verdade, eu era completamente cativado por corridas, lia sobre as Mercedes, as Auto Unions, Caracciola, von Brauchitsch, Tim Birkin. Eu era um fã!" Aos 12 anos, Phil convenceu uma tia a comprar um Ford T apenas para poder demontar e montar o carro ao lado do motorista da sua tia, que o ensinava a dirigir. Phil não foi criado próximo aos pais e ele se tornou uma criança introvertida e com complexo de inferioridade com relação aos amigos. Não muito bom nos esportes, Hill mergulhou na música e logo aprendeu a tocar piano, mas a paixão pelos carros continuava intacta.
Com 19 anos Phil Hill se tornou membro do Clube da Califórnia de Sportcars em 1946. Phil foi para a universidade estudar administração empresarial. Ele ficou na faculdade por dois anos, mas seu amor pelos carros fez com que se transformasse em ajudante de mecânico em uma oficina em Los Angeles cujo proprietário era um corredor amador. Nessa época ele era dono de MG TC, que logo o modificou para correr, e foi com esse carro que ele fez sua primeira corrida no circuito de Carrell Speedway em Los Angeles. Em 1949 Hill foi para a Inglaterra para fazer um curso na SU Carburettors, na Jaguar e na Rolls Royce. Admirado com os carros-esporte europeus, Phil volta aos Estados Unidos com um Jaguar XK120, onde conquistou sua primeira vitória em 1950 em Pebble Beach na Península de Monterrey. Em 1951, seus pais faleceram, mas Hill tinha um bom dinheiro deixado por eles. Sua primeira compra? Uma Ferrari!
Aproveitando seus conhecimentos em mecânica, Phil Hill oferece seus serviços em troca de patrocínios e em 1952 Allen Guiberson inscreveu Phil na lendária corrida de estrada Carrera Panamericana a bordo de uma Ferrari. Hill terminou em sexto. As corridas de carros-esporte aconteciam com muita freqüência em ambos os lados do Atlântico e um Campeonato Mundial foi organizado em 1953. Phil Hill participou de duas etapas válidas, nas 12 horas de Sebring e na Carrera Panamericana ao lado do amigo e mecânico Richie Ginther e em ambas com uma Ferrari. Na Carrera Panamericana Hill sofreu um grave acidente e ele pensou seriamente em se aposentar, mas ele não o fez e ainda estreou nas 24 horas de Le Mans em um Osca. Tamanha preocupação com a segurança fez com que Hill "ganhasse" uma úlcera no estômago que o fez deixar de correr por 10 meses. À base de fortes tranqüilizantes, Phil Hillretornou às corridas e no ano seguinte, voltou ao México para a Carrera e desta vez foi segundo, atrás de Maglioli.
Em 1955 Phil Hill teve ao seu lado nas 12 horas de Sebring outra lenda norte-americana: Carroll Shelby. O resultado foi um belíssimo segundo lugar numa Ferrari 750 Monza. A reputação de Phil Hill crescia e Luigi Chinetti, representante da Ferrari nos Estados Unidos, convidou o americano a correr as 24 horas de Le Mans em uma Ferrari 118LM ao lado de Giuseppe Farina e Luigi Maglioli. Mesmo com o abandono logo no começo da corrida, Phil deixou uma boa impressão, mas a morte do popular Bill Vukovich durante as 500 Milhas de Indianápolis fez com que Hill pensasse novamente em aposentadoria, mas Chinetti o convenceu o contrário. O italiano previa um grande futuro para Phil Hill.
Mesmo fazendo boa parte de sua carreira à bordo de uma Ferrari, Hill nunca tinha corrido na equipe oficial da marca italiana. Chinetti convenceu Enzo Ferrari que desse uma chance à Hill e o Comendatore fez com que Hill corresse os 1000km de Buenos Aires ao lado de Olivier Gendebien. Foi o começo de uma dupla lendária. Logo de cara eles terminaram em segundo e Hill foi contratado por Ferrari para ser piloto oficial no campeonato de carros-esporte de 1956. Nessa época, a Ferrari tinha pilotos como Juan Manuel Fangio, Eugênio Castelloti, Luigi Musso, Peter Collins, o Alfonso de Portago, Paul Frere, Olivier Gendebien e Maurice Trintignant e assim Hill conviveu com os melhores da época. Hill se mudou para Modena onde aprendeu italiano, começou a se preocupar com a preparação física e se tornou fã de ópera, mas principalmente se tornou um grande piloto de testes, ajudando a Ferrari se tornar campeã de Construtores, mas o título de pilotos ficou para a dupla da Maserati Stirling Moss e Eugenio Castelotti.
Em 1958, Phil Hill se juntou a Peter Collins e os dois começaram o ano arrasadores, vencendo os 1000 kms de Buenos Aires e as 12 horas de Sebring com a Ferrari. Porém, a cereja do bolo ainda estava por vir. Ao lado do velho companheiro Olivier Gendebien, Hill se tornou o primeiro americano a vencer as 24 horas de Le Mans. Hill diria que essa vitória em Le Mans foi mais significativa para ele do que o título Mundial em 1961. Nesse mesmo ano, Hill participou das 500 Milhas de Monzanapolis a bordo de uma Ferrari de F1 especial. Essa era uma corrida no circuito de Monza, mas apenas nas famosas curvas inclinadas inspirada nas não menos famosas 500 Milhas de Indianápolis. Hill foi terceiro. Nem com essa boa exibição, Enzo Ferrari se convenceu de que Phil Hill estava preparado para correr na F1. Mas Hill não pensava assim. Ele alugou a Maserati 250F de Jo Bonnier para o Grande Prêmio da França em Reims e foi sétimo. Essa foi sua estréia na F1, e mesmo sendo parte da equipe, não foi na Ferrari.
Então, aconteceu uma série de fatos desagradáveis que culminaram na entrada de Phil Hill na equipe Ferrari de F1. Nesse mesmo Grande Prêmio da França, o astro italiano da Ferrari Luigi Musso morreu. Musso seria o último grande piloto italiano da Ferrari nos anos 50. Para o Grande Prêmio da Alemanha, sem um carro de F1 pronto, a Ferrari chamou Phil Hill para, digamos, tapar o buraco da equipe andando num carro de F2. A estréia de Hill na Ferrari não poderia acontecer numa corrida pior. Nessa corrida, Peter Collins, antigo companheiro de Hill, também morreu. No meio de tanta desgraça, a Ferrari promoveu Hill como piloto oficial na equipe de F1.
Como estreante, Phil Hill tinha apenas um objetivo. Defender
de qualquer maneira o líder da equipe e do campeonato Mike Hawthorn. Stirling Moss, da Vanwall, estava colado em Hawthorn e a Ferrari queria garantir o título de Hawthorn, não importando os meios. Logo na primeira corrida dentro da equipe, em Monza, Hill estava mais rápido do que Hawthorn, mas o box da Ferrari prontamente pediu para o americano para diminuir e assim Hawhorn conseguiu um valioso segundo lugar, comboiado por Hill. A última corrida da temporada 1958 aconteceu em Casablanca, no único Grande Prêmio do Marrocos da história. Para ser campeão, Hawthorn só precisava ser segundo colocado independentemente do lugar em que chegasse Stirling Moss. Hawthorn vinha fazendo um campeonato extremamente regular, enquanto Moss estava naquela "Ou ganha, ou quebra". Moss fez a parte dele e venceu. Mas quem pensa que as ordens de equipe só existiam na Era Schumacher, se engana. Phil Hill vinha em segundo, 40s na frente de Hawthorn quando o box da Ferrari pediu para o americano diminuir e deixar Hawthorn passar. E Hill fez assim, numa das trocas de posição mais escandalosas da história, e Hawthorn se tornou campeão.
Com a aposentadoria de Mike Hawthorn - que morreria ainda no final de 1958 num acidente de trânsito -, Tony Brooks se tornou o primeiro piloto da Ferrari. Phil Hill ainda esperava sua chance. No meio disso tudo, a F1 passava por transformações e os carros de motor dianteiro viraram peças de museu num piscar de olhos. A Ferrari foi uma das últimas a aderir a nova moda do motor traseiro. Mesmo assim, Hill conseguiu sua primeira vitória na F1 no Grande Prêmio da Itália de 1960, se tornando o primeiro americano a vencer um Grande Prêmio desde Jimmy Murphy em 1921. Contudo, as equipes inglesas boicotaram o GP da Itália de 60 por causas das mudanças no regulamento da F1 e as Ferraris correram sozinhas, com a briga ficando entre seus pilotos, mas Hill foi melhor do que seus fortes companheiros de equipe e venceu.
Para 1961, as equipes inglesas estavam imaginando o pior e isso realmente aconteceu. Com os motores passando de 2,5l para 1,5l, as equipes inglesas ficaram praticamente sem motor, enquanto a Ferrari desenvolvia um motor V6 de 1,5l na F2 desde 1960. Isso foi uma manobra política da Ferrari e as equipes inglesas não tardariam a se vingar. A Ferrari também desenvolvia o famoso 156 com "nariz de tubarão", um dos carros de F1 mais belos da história. O carro era muito bom, mas o motor Ferrari era muito superior aos demais. Os pilotos de Maranello seriam Phil Hill, o conde alemão Wolfgang von Trips e Richie Ginther, velho amigo e mecânico de Hill, agora piloto de F1.
A briga pelo campeonato ficou entre Hill e Von Trips. Hill venceu em Spa, enquanto Von Trips venceu em Zandvoort e Aintree. A corrida decisiva seria em Monza, casa da Ferrari. Von Trips tinha 33 pontos, ante os 29 de Hill. Na corrida, Hill foi perfeito, mas sua bela vitória foi obscurecida pela morte de Von Trips ainda no começo da corrida, juntamente com 14
espectadores. Phil Hill se tornou o primeiro americano a ser campeão de F1, mas foi um título triste. Ao invés de comemorar, Hill teve que ir à Alemanha para o enterro de Von Trips: "Nós nos davámos muito bem, mas nós erámos muito diferentes. Ele era mais extrovertido do que eu, mas não sabia nada de carros. Só dirigi-los. A Ferrari gostava dele pois pensava que o piloto só precisava pilotar mesmo. Foi um ano longo, e se fossemos muito amigos, seria um inferno e seria muito mais difícil ser tão competitivo como ele. Enfrentá-lo não era normal: ele tentava ganhar dos caras de dia, mas a noite ele nem ligava mais."
Após um ano dominador, a Ferrari teve um péssimo ano em 1962 e esse foi o começo do fim para Phil Hill na F1. Mas não com os carros-esporte. Sempre ao lado de Olivier Gendebien, Hill venceu as 24 horas de Le Mans em 1961 e 1962 e as 12 horas de Sebring em 1961, depois de vencer a clássica corrida americana em 1958 e 1959. No final de 1962, Hill deixou a Ferrari para se juntar a equipe ATS do ex-engenheiro da Ferrari Carlo Chiti. Isso foi praticamente o fim da carreira de Hill, pois ele não fez mais nada na F1 e tinha se desligado da Ferrari, a melhor equipe de carros-esporte da época. Ele andou em carros-esporte para a Porsche e GTs para Aston Martin, e em 1964 foi para a já combalida Cooper na F1, onde fez sua última corrida pela categoria no final do ano. Ele também foi um dos pioneiros do programa da Ford que produziu o legendário Ford GT40.
Em 1965 Hill se juntou a equipe de Jim Hall no famoso carro Chaparral. A dupla Hall-Hill (parece dupla sertaneja...) venceu os 1000 km de Nürburgring com o Chaparral Radical 2D ao lado de Jo Bonnier. Em 1966 Hill voltou a Europa com o Chaparral para disputar as 6 horas de Brands Hatch. Ao lado de Mike Spence, Hill venceu e decidiu se aposentar. Ele já tinha 39 anos e terminou sua carreira com chave de ouro e sem nenhum ferimento em seu corpo.
Mesmo aposentado das corridas, Phil não esqueceu sua paixão pelos carros. Ele construiu uma conhecida oficina de restauração de carros clássicos, a Hill & Vaugh. Hill se tornou comentarista de corridas pela rede ABC e editor da conhecida revista Road&Track. Phil se casou com Alma em 1971 e teve duas filhas e um filho, Derek, que tentou seguir a carreira do pai, mas sem sucesso. Junto com Mario Andretti, Phil Hill se tornou um embaixador da F1 nos Estados Unidos. Em 20 anos de carreira, Hill venceu um campeonato mundial de F1, três edições das 24 horas de Le Mans e três edições das 12 horas de Sebring. Sem contar outras corridas conhecidas e a participação do filme "Grand Prix". Porém, o lugar de Phil Hill era atrás do volante de uma Ferrari Testarossa ao longo da reta Mulsanne, andando o mais rápido possível, mas tendo que preservar sua máquina e entrega-la inteira para seu parceiro Olivier Gendebien, que o esperava anciosamente nos boxes. Mas Gendebien sabia que o carro estava perfeitamente acertado e que seu turno de pilotagem seria tranqüilo, pois atrás do voltante da Ferrari estava Phil Hill.
Parabéns Phil Hill!
Dados: www.philhill.com
8w.forix.com/phill
www.tasmanseries.com
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