quinta-feira, 26 de abril de 2007

O melhor dos braços-duro


Quando Valentino Rossi tentou ingressar na F1 no começo de 2006, todos compararam o italiano apenas com John Surtees, um exepcional pilotos de motos antes de ingressar na F1. Quando alguém se lembra de superação, todos se recordam de Niki Lauda e suas queimaduras. Mas será que houve um piloto que juntasse a experiência vencedora nas duas rodas de Surtees e a coragem de Lauda? Sim, ele se chama Jean-Pierre Beltoise. Esse francês com cara de ser meio doido era literalmente apaixonado por corridas, a ponto de fazer loucuras para poder continuar correndo quando tudo indicava que ele nunca mais participaria de uma corrida. Beltoise teve poucas conquistas no currículo, mas são marcantes. Beltoise está fazendo hoje 70 anos e iremos conhecer um pouco mais da história desse grande piloto francês dos anos 70.

Filho de um açougueiro de Paris, Jean-Pierre Maurice Georges Beltoise nasceu no dia 26 de abril de 1937 em Boulogne-Billancourt e mesmo com a sua família tendo problemas financeiros, Beltoise sempre disse que teve uma infância muito feliz. Desde jovem, Jean-Pierre se sente atraído por automóveis e motos e aos 17 anos aprendeu a dirigir. E velozmente. Beltoise teve que passar um tempo na Algéria para cumprir suas obrigações militares e só então começou sua carreira de pilotos nas motos em 1958, estreando no circuito de Montléry. E o francês mostrou jeito logo de cara. Beltoise simplesmente venceu 11 campeonatos franceses entre 1962 e 1964 nas 50cc, 125cc e 250cc. Sua melhor posição no Mundial de Motovelocidade foi um sexto lugar em 1964 na categoria 50cc. Nos anos 60, era muito comum pilotos de motociclismo passarem para o automobilismo e Beltoise não foi excessão. Em 1963 Ren Bannet da equipe DB-Panhard contratou Beltoise para andar no campeonato de esporte-protótipo francês. Um novo carro foi feito para Beltoise, chamado de Djet, que teria um motor de 1.1l da Renault localizada atrás do piloto e como todo carro saído do zero, Beltoise teve mais decepções do que alegrias com o novo carro. Os rivais do Djet era os Alpines-Renault e a corrida de 12 horas de Reims seria a oportunidade ideal para Ren Bonnet mostrar que seu carro era tão bom quanto o Alpine.

Após a meia-noite Beltoise estava se aproximando do Alpine de Lucien Bianchi, quando Jean-Pierre derrapou no óleo deixado por outro carro. Como estava escuro Beltoise não pode perceber a mancha e o acidente foi inevitável. Jean-Pierre foi jogado para fora do carro (sendo que o carro era fechado!) e foi levado de helicoptéro com fraturas múltiplas em todo o corpo, inclusive 16 fraturas na região do cotovelo esquerdo. O seu braço por pouco não foi amputado. Beltoise não perdeu o braço, mas perderia a articulação do cotovelo e ele teria que ser colocado, para sempre, numa mesma posição. Beltoise, então, tomou alguns travesseiros e colocou-os de forma a assemelhar-se a um cockpit. Colocou os braços em posição de quem está pilotando e disse ao médico: "É mais ou menos assim que quero que fiquem meus braços". Um ano depois do acidente, Jean-Pierre só podia caminhar com a ajuda de uma muleta e estava com o braço esquerdo quase inutilizado.

Enquanto Beltoise se recuperava, a equipe de Ren Bonnet foi comprada pela Matra e a nova equipe disputaria corridas de F3 com motor Renault. Jean-Luc le Gardere era o novo chefe da equipe e tinha dúvidas se Beltoise voltaria a correr, mas Jean-Pierre não pensava assim e só para provar que estava pronto, ele venceu um evento de subida de montanha com motos. E Beltoise venceu nas duas categorias! Jean-Pierre não apenas estava pronto, como também demonstrou que sua grande velocidade estava intacta. Embora ainda não convencido, le Gardere levou Beltoise para disputar uma corrida de F3 em Clermont-Ferrand, na preliminar do GP da França de F1 de 1965. Essa corrida de F3 teria as principais equipes da categoria da Europa, mas para surpresa geral, Beltoise venceu e deu a primeira vitória importante para a Matra. Beltoise se tonaria campeão francês de F3 no final de 1965.

A Matra tinha planos ambiciosos e juntamente com a Elf, estava planejando entrar na F1. Beltoise participava do desenvolvimento desse projeto, mas também mostrava talento nas categorias menores, sempre com a Matra. Ele venceu o tradicional GP de Mônaco de F3 em 1966 e a Temporada Argentina de 1967, vencendo as quatro corridas que faziam parte do certame. Jean-Pierre subiu para a F2 e juntamente com a Matra, formou uma dupla imbatível. No Grande Prêmio da Alemanha de F1 em 1966, os carros de F2 largariam juntos com os de F1 e Beltoise fez sua estréia em Grandes Prêmios, vencendo na classe de F2. Beltoise fez outras três corridas de F1 em 1967, andando num chassi da Matra de F2, mas com o novíssimo motor Ford-Cosworth.

Com o campeão de 1967 da F2, Jacky Ickx, agora como piloto da Ferrari na F1, Jean-Pierre Beltoise correu praticamente sozinho em 1968 e conquistou o título europeu de F2 com bastante vantagem em cima de seu companheiro de equipe na Matra Henri Pescarolo. Foram cinco vitórias em dez corridas. Enquanto vencia o campeonato europeu de F2, Beltoise participava de sua primeira temporada completa de F1. Com a Matra dividindo seu tempo entre a Matra Sports e a Matra International de Ken Tyrrell, Jean-Pierre Beltoise começou a temporada com um chassi Matra e o motor 1600cc de F2. Na primeira corrida, na África do Sul, Beltoise superou essas adversidades e ainda conseguiu ficar em sexto, marcando seu primeiro ponto na F1. Com Jackie Stewart contudido, Beltoise ficou no carro do escocês em Jarama, um Matra com motor Cosworth DFV e andou muito bem. Voltando à sua equipe original, a Matra Sports, Beltoise teria agora o novo motor Matra V12 e como toda nova peça de um carro de F1, o motor da Matra deu mais raiva do que alegria, enquanto a outra equipe Matra, com motor Cosworth, estava muito bem nas mãos de Stewart. Porém, quando o motor contribuía, Beltoise fazia boas corridas como em Zandvoort, quando estava em segundo atrás de Stewart, mas teve que fazer um pit-stop por que a areia de Zandvoort tinha feito com que o pedal do acelerador não deslizasse mais...

Para 1969, Beltoise foi companheiro de equipe de Stewart na Matra International, enquanto a Matra trabalhava no motor V12. Essa seria uma temporada decisiva para Beltoise, pois pela primeira vez na F1 teria um carro competitivo nas mãos. Entretanto, Jackie Stewart conquistou seu primeiro título e Beltoise ficou com as migalhas. Para 1970 Beltoise estaria novamente com a Matra, mas agora a equipe seria genuinamente francesa, com o motor V12 mais desenvolvido desta vez e o comprovadamente bom chassi da Matra. Em Clermont-Ferrand, correndo em casa, Beltoise esteve muito próximo de conquistar sua primeira vitória na F1 e a primeira do motor Matra V12, mas as conhecidas pedras de Clermont-Ferrand fez os pneus de Beltoise uma de suas vítimas e o francês acabou fazendo um pit-stop e terminou no final do pelotão.

Perdendo seu melhor momento, Beltoise vê sua carreira entrar em declínio. Em 1971 a Matra contratou Chris Amon e Jean-Pierre foi rebaixado a segundo piloto do neozelandês. Para piorar as coisas, ele foi proibido de correr durante seis semanas depois que ele fosse culpado por ter causado o acidente fatal de Ignazio Giunti nos 1000 km de Buenos Aires num acidente muito esquisito. Beltoise teve problemas em seu Matra e começou a empurrar seu carro, mas acabou perdendo o controle do carro e a Ferrari de Giunti acabou batendo no Matra antes de estourar em chamas. A Matra decidiu não o substituir durante sua suspensão e nem renovou seu contrato para 72.

Defenestrado da Matra na F1, Beltoise continuava na equipe francesa no campeonato de esporte-protótipo. Beltoise conseguiu um belo contrato com a BRM e a marca Marlboro. Foi a primeira vez que a Philip Morris apareceu na F1. Nas duas primeiras corrida, Beltoise abandonou. Então, o circo da F1 chegou a Monte Carlo. O GP de Mônaco estava celebrando seu 30º aniversário, mas havia vários fatores que fazia dessa corrida especial e elas não foram apenas as gotas de água que caíam durante o final de semana. O circuito foi modificado e havia muita discussão para o número de pilotos que largariam. Como a chuva começou no sábado, Emerson ficou com a pole com o tempo da quinta, seguida pelas Ferraris de Ickx e Regazzoni. Atrás deles vinham as surpresas do Grid. A BRM conseguiu colocar Beltoise em quarto e Peter Gethin em quinto. Beltoise se sentia vingado ao superar Amon, da Matra. Tinha chovido muito no sábado e no domingo, o dia amanheceu seco, mas a chuva voltou a castigar o principado na hora do almoço.

Com uma largada incomum, Beltoise saiu da quarta para a primeira posição antes da curva St-Devote. Beltoise liderava com a BRM e chuva não passava. Ao contrário. Aumentava e a vida dos pilotos não estava nada tranqüila. Porém, Beltoise aumentava o seu ritmo e de forma agressiva, foi abrindo a diferença em cima de Jacky Ickx, o rei da chuva, que estava em segundo. Após longas e molhadas duas horas e meia, Beltoise finalmente pode adquirir sua recompensa pela corrida extremamente agressiva e corajosa dele. Era sua primeira vitória na F1!

Nessa época, a BRM inscrevia vários carros e isso acabou atrapalhando Beltoise, que não recebia a atenção devida de sua equipe (sempre ocupada em acertar até seis carros por GP!), e o francês só marcou pontos na sua inesquecível vitória em Mônaco. Em 1973, Jean-Pierre Beltoise tinha agora Lauda e Regazzoni como companheiros de equipe e nem mesmo a evolução da BRM não fez com que a equipe brigasse pela ponta do campeonato, mas fez com que Lauda e Regazzoni fossem contratados pela Ferrari, deixando Beltoise em segundo plano. Assim como Niki e Clay, a Marlboro também deixou a BRM e agora com a Motul como principal patrocinadora, a BRM estava mais enfraquecida. Beltoise ainda deu um sopro de esperança ao ser segundo em Kyalami, mas essa demonstração de talento do francês foi o único bom resultado da equipe.

Com a Matra Sports abandonando o campeonato de esporte-protótipos (onde Beltoise permaneceu mesmo saindo da equipe de F1) no final de 1974, assim como a antiga diretoria da BRM, Jean-Pierre Beltoise ficou sem cockpit para 1975. O francês tinha sofrido um sério acidente na última etapa da F1 em Watklins Glen e Beltoise já tinha 37 anos. Houve um boato de que Beltoise seria o piloto da nova equipe francesa da F1, a Ligier, e Beltoise chegou a fazer os primeiros testes da equipe, mas Guy Ligier decidiu promover Jacques Laffite na sua equipe em 1976. Jean-Pierre se consignou então a trabalhar com Jean Rondeau no projeto Inaltera Le Mans antes de embarcar em uma longa e próspera carreira nos carros de turismo na França. Ele foi bi-campeão francês de turismo pela BMW antes de ser campeão francês de Rally-cross com um Alpine-Renault. Em 1981 ele voltou aos campeonatos de turimos e correu pela Peugeot durante todos os anos 80 e no dia 31 de outubro de 1993 Beltoise fez sua última corrida com um Porsche GT em Pau-Arnos. Jean-Pierre Beltoise se casou com a irmã de François Cevert, Jacqueline. Beltoise ainda corre de kart numa pista em Paris e está envolvido em várias outras atividades dentro do automobilismo. Na ficção, Beltoise apareceu freqüentemente nos gibis de Michel Vaillant, fazendo parte da premiada equipe Vaillante Le Mans.

Mais recentemente, o filho Anthony Beltoise fez parte da equipe ORECA Chrysler GT enquanto o filho mais jovem, Julien Beltoise, andou na F3 francesa em 1999. Anthony terminou em segundo nas 24h de Nürburgring de 1999, mas é duvidoso se os meninos de Beltoise têm o mesmo talento do pai. Principalmente na chuva, correndo entre os guard-rails de Monte Carlo, num carro inferior e com o braço esquerdo debilitado. Mas ainda assim, deixando para trás grandes pilotos em grandes equipe para se sagrar o vencedor, coroando uma carreira cheia de talento e superação.

Parabéns, Jean-Pierre Beltoise


8w.forix.com/mrh

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