domingo, 20 de maio de 2007

A dança da chuva






Acordar em pleno domingo de manhã para assistir o Mundial de Motovelocidade tem os seus riscos. A SporTV pode mudar a programação e nos fazer engolir um Campeonato de Ginástica Artística (argh!) ou então as corridas serem muito chatas e era isso que estava acontecendo hoje de manhã. As corridas das 125 e das 250 não foram um primor de emoção e como normalmente a MotoGP é a menos emocionante, as perspectivas não eram das melhores. Porém, o tempo estava muito nublado antes da corrida...

Todo o paddock da MotoGP olhava para o céu carrancudo que pairava sobre o mítico autodrómo de Le Mans-Bugatti. Quando os pilotos estavam a ponto de sair dos boxes, uma garoa fina começou a cair no asfalto francês e os mais de 74.000 torcedores começaram a se agasalhar. Mesmo com a ameaça de chuva e o piso escorregadio, nenhum piloto arriscou colocar pneus de chuva, mas as equipes deixaram as motos reservas prontas para a eventualidade dos pilotos terem que fazer a troca de motos durante a corrida. O pole Colin Edwards larga muito mal e quem completou a problemática primeira curva na ponta Casey Stoner, que tinha largado em segundo. O coitado do Edwards teve problemas a corrida toda e acabou entre os últimos. Porém, a honra da Yamaha foi salva por Valentino Rossi, que saiu do segunda fila para o segundo posto e ainda na primeira volta ultrapassou Stoner. A pista estava claramente escorregadia e os pilotos tomavam muito cuidado.

De forma espetacular, quem largou muito bem foi Alexandre Barros, que pulou para quarto e pressionava Melandri, que estava em terceiro. A partir de então a corrida teve momentos sublimes de emoção, técnica e coragem. A pista estava cada vez mais impraticável, mas os pilotos não ligavam para isso e trocaram de posições como trocavam de roupa e todos estavam a centímestros uns dos outros. Uma troca frenética de posições, mas Valentino se mantia na ponta. Atrás de Rossi, Stoner, Melandri, Barros, Checa, Elias, Hayden... todos brigavam e trocavam de posição a cada curva e a diferença do primeiro para o décimo era de quatro segundos! Então, a corrida começou a ver uma dupla surpresa caseira. Primeiro, Sylvain Guintoli, numa Yamaha com pneus Dunlop, começou a escalar o pelotão com uma velocidade espantosa. O francês dava show na sua moto pouca preparada e logo subiu terceiro, porém outro francês foi ainda mais espetacular. Randy de Puniet, com uma Kawasaki(!), estava completamente possuído e foi para cima de quem viesse pela frente, inclusive, ultrapassou Melandri e Rossi por fora! Não demorou muito para Guintoli e De Puniet liderarem o Grande Prêmio de casa para delírio da torcida francesa.

Porém, a chuva aumentava cada vez mais e não demorou para os primeiros acidentes acontecerem. Rossi parecia um pouco incomodado na chuva, mas o problema é que seus pneus Michelin começaram a criar problemas para o italiano. Na freada da reta oposta na volta 7, Rossi errou e acabou trancando o pelotão, particularmente Barros, que ficou sem ter para onde ir. Stoner e Pedrosa (que vinha como um foguete!) passaram por Rossi, mas o italiano fechou novamente Barros e então Carlos Checa tentou se aproveitar para fazer uma ultrapassagem dupla e acabou no chão. Barros passou a milímetros da moto de Checa. Hopkins e Pedrosa ultrapassaram Guintoli e o deixaram a mercê de Rossi, que tinha acabado de ultrapassar Stoner, que vinha com muito cuidado até então. Na freada de reta oposta, Guintoli fechou a porta de Rossi, mas na retomada a moto deu uma chicotada e ejetou o francês, numa imagem espetacular. Porém o mais impressionante foi ver Guintoli pegar sua moto e voltar à corrida! Rossi teve que cortar a chicane para não bater e perdeu algumas posições. Nesse momento, a chuva estava forte e os pilotos quase não paravam quietos em cima das motos. Elias foi para o chão na última curva e então o pecado aconteceu: Randy de Puniet caiu e abandonou a corrida em sua casa, para desespero da torcida, que duas voltas antes tinha o próprio De Puniet e Guintoli na frente e agora eles estava fora da briga pela vitória. O pobre De Puniet ficou caído algum tempo na brita lamentando o erro.

Na volta 10, os primeiros pilotos foram para aos boxes trocar suas motos. Melandri, Hopkins, Pedrosa, Stoner e Rossi foram os últimos a irem aos pits. Eles eram os cinco primeiros colocados nesse momento e quando foram juntos aos boxes, todos os pilotos tinham trocado de moto. Quando eles voltaram à pista, uma surpresa: o primeiro colocado era Chris Vermeulen. O australiano foi um dos primeiros a trocar de moto e usou seu talento debaixo de chuva para abrir vantagem e quando todos pararam de uma vez, ele estava em primeiro. Para melhorar as coisas para a Suzuki, John Hopkins foi o mais rápido na hora de trocar de moto e estava em segundo. A Suzuki estava fazendo uma improvável dobradinha!

Com as motos já trocadas e a chuva muito forte nesse momento, alguns pilotos começaram a perder rendimento. Hopkins estava derrapando demais e numa freada passou reto e caiu para oitavo. Barros era outro que não repetia sua atuação antes da troca e estava atrás do seu companheiro de equipe, Alex Hofmann, em décimo. Os onze primeiros, fechando com Loris Capirossi, ainda estavam muito próximos e a corrida ainda teria mais emoções. Na volta 14 a ordem era:

Vermeulen -> Melandri -> Rossi -> Stoner -> Hayden -> Hofmann -> Pedrosa -> Hopkins -> Barros -> Capirossi

Lá na frente, Vermeulen e Melandri começaram a despachar Rossi e brigavam pela primeira posição. Vendo seu principal rival pelo campeonato com dificuldades, Stoner começou a atacar Rossi e numa ultrapassagem sem muitos riscos na reta dos boxes, pulou para terceiro na volta 17. Rossi estava novamente com problemas nos seus pneus. Atrás do italiano, Pedrosa, que reconhece não gostar muito de chuva, brigava com Alex Hofmann e seu companheiro de equipe Hayden, enquanto Hopkins e Barros ficavam para trás. Enquanto isso lá na frente, a diferença entre Vermeulen e Melandri não era superior a 1s e a tensão aumentou quando eles começaram a encontrar retardatários. O australiano escorregava demais, enquanto Melandri tinha uma tocada mais segura. Quando a dupla foi colocar uma volta no recuperado Guintoli, o francês não viu Melandri e segurou o italiano nas curvas anteriores a reta dos boxes. Vermeulen então superou Fonsi Nieto e Makoto Tamada e agora tinha dois retardatários entre ele e Melandri. Não demorou muito para Hayden encostar em Rossi, trazendo consigo Pedrosa e Hofmann. Na volta 23 o atual campeão mundial ultrapassou Rossi. Pedrosa conseguiu uma ultrapassagem dupla sobre Hofmann e Rossi na volta 25 e subiu para quinto, logo atrás de Hayden e durante essa volta Hofmann também deixou Rossi para trás.

Quando a corrida caminhava para seu final e a chuva já tinha se transformado em dilúvio, Hayden sofreu um sério acidente na freada da reta oposta na antepenúltima volta, destruindo sua moto e a perspectiva do melhor resultado do americano neste ano. Rossi ganhava uma posição e diminuía o prejuízo para Stoner. No final, com 3s de vantagem para Melandri, Vermeulen fez a última volta nas pontas dos dedos e cruzou a linha de chegada em uma roda, dando a primeira vitória para Suzuki na era das motos quatro tempos e a primeira desde 2001, com Sete Gibernau em Valencia (também na chuva...). Melandri conseguiu uma tranqüila segunda posição e o mais líder do que nunca Casey Stoner completou um pódio todo da Bridgestone. Com o acidente do seu companheiro de equipe, Pedrosa cruzou em quarto lugar, o primeiro com pneus Michelin e Alex Hofmann conseguiu seu melhor resultado na carreira, comemorando como se fosse uma vitória. De forma esquisita, Barros não completou a corrida, abandonando na última volta, mas ele não se achou na pista muito molhada de Le Mans. Com esse resultado, Stoner abriu 21 pontos para Rossi e deu uma respostas para os críticos que diziam que ele só vencia em pistas com grandes retas. Debaixo de chuva e numa pista travada, Stoner não venceu, mas superou com folga Valentino Rossi.

Já nas 250, Jorge Lorenzo mostra que tem uma coisa em comum a Valentino Rossi: as comemorações engraçadas. Largando na pole, Lorenzo partiu muito bem e parecia que dispararia na corrida e venceria com autoridade. Porém, Lorenzo está muito mais maduro do que aquele piloto do ano passado, quando tinha a melhor moto e quase perdeu o campeonato. Ele manteve o ritmo mesmo quando outros adversários o ameaçou durante a corrida. Atrás de Lorenzo, aparecia Álvaro Bautista, que tinha pulado de quinto para segundo. O espanhol da Aspar Martínez pressionou bastante Lorenzo, mas Jorge permaneceu calmo. Atrás de Lorenzo e Bautista vinha Thomas Lüthi, Hector Barbera, Julian Simon, Alex de Angelis e Andrea Doviziozo. Se aproveitando do melhor equilíbrio de sua Honda frente a maior potência das Aprilias, Doviziozo partiu para cima dos adversários e fez três ultrapassagens na segunda volta, sendo que ele ultrapassou Simon e Lüthi em duas curvas seguidas!

Lüthi tinha problemas em sua moto e acabou errando, passando reto numa curva, abandonando logo depois. Enquanto Lorenzo e Bautista brigavam, Barberá foi alcançado por Doviziozo e dos dois fizeram a rápida primeira curva lado a lado, mas Dovi freou mais dentro na chicane e tomou o terceiro lugar de Barberá. Bautista dava sinais de afobação atrás de Lorenzo e na freada para a reta oposta, Bautista entrou forte demais na curva e para não bater em Lorenzo saiu reto e caiu para décimo nono. Ele se recuperaria e terminou a corrida em oitavo. Na quinta volta Lorenzo agora tinha agora o velhor rival Doviziozo para se preocupar. Barberá acompanhava Doviziozo, mas Alex de Angelis começava a forçar o ritmo e ultrapassou Barberá. Logo, Lorenzo, Doviziozo e De Angelis brigavam pela ponta da corrida. Na volta 8 Doviziozo usou uma das suas freadas dentro da curva para deixar Lorenzo para trás e duas voltas depois foi a vez de De Angelis ultrapassar Lorenzo. Parecia que Lorenzo sentia as dores de sua fratura no pé, mas ele acompanhava de perto os dois ponteiros. Na volta 14, De Angelis usou a potência de seu Aprilia e ultrapassou Doviziozo na reta dos boxes, assumindo a primeira posição, posto que só conseguiu uma única vez em mais de 100 GPs. O samarinês parecia faminto por uma vitória, mas nem as vitórias em seguida tirava a fome de Lorenzo. Ele partiu com tudo para cima de Doviziozo e numa errada do espanhol, os dois trombaram feio, mas tiveram talento para segurarem a moto! Lorenzo foi para cima de De Angelis e a ultrapassagem era questão de tempo, mas o samarinês errou e deu o primeiro posto para Lorenzo. Doviziozo partiu com tudo para cima de De Angelis e os dois brigaram nas voltas finais de forma espetacular, mas isso deu espaço para Lorenzo. Doviziozo levou a melhor na disputa com De Angelis e tentou um bote final em Lorenzo, mas já era tarde demais. Lorenzo venceu a quarta em cinco corridas e sua comemoração foi impagável. No meio da pista apareceu um clone de Lorenzo, que inclusive queria subir na moto dele! Com essa vitória, Lorenzo caminha a passos largos para o bicampeonato e nesse semana testará a Yamaha de Colin Edwards e deve substituir o americano na MotoGP em 2008. Doviziozo faz o que pode, mas com Lorenzo e sua Aprilia, o máximo que ele aspira é mesmo o segundo lugar, o mesmo posto que ocupa no campeonato. Como a Honda não acerta nem na MotoGP, Dovi terá muito trabalho daqui em diante. De Angelis conseguiu mais um pódio, seguido por Barberá e Julian Simon. Um dos destaques da corrida foi a briga pela sexta posição, e como não caiu, ficou para Marco Simoncelli, superando Mika Kallio da claudicante KTM. Mesmo recuperado do seu gravíssimo acidente, Roberto Locatelli foi vetado de correr em Le Mans, mas ele estará de volta em Mugello, sua corrida em casa.

Na primeira corrida do dia, se revelou o piloto mais azarado do esporte a motor mundial. E ele não se chama Kimi Raikkonen. O coitado do Mattia Pasini conseguiu quatro poles em cinco corridas, liderou todo os testes de inverno e era favorito ao título, mas agora tem apenas seis pontos para contar. Largando mais uma vez na pole, Pasini queria jogar a uruca para lá e disparou na ponta, seguido por Tomoyoshi Koyama da KTM e Bradley Smith, a revelação inglesa da Honda. Koyama serviu como tampão para Pasini e segurava Smith e os demais pilotos. A surpresa da corrida era a atuação de Sérgio Gadea. Patinho feio da equipe mais forte da categoria, a Aspar Martínez, Gadea estava em terceiro à frente dos seus companheiro de equipe Gabor Talmacsi e Hector Faubel, que brigavam para se manter no pelotão da frente. Quando Smith deixou Koyama para trás, foi como se abrisse uma porteira, pois Gadea e o líder do campeonato Lukas Pesek fizeram o mesmo. Logo Gadea ultrapassou Smith e partiu para cima de Pasini. Mesmo com uma moto mais rápido na reta, Gadea não conseguia a ultrapassagem em cima de Pasini, pois o italiano freava no limite. Atrás deles, Smith segurava Pesek, que não estava muito preocupado em atacar Smith de cara e o inglês estava mais do que contente com a terceira posição, pois sua melhor colocação era um oitavo lugar e um lugar no pódio era tudo que ele queria. Pasini e Gadea trocaram algumas vezes de posição até Pasini diminuir e encostar a moto faltando quatro voltas para o fim. Era mais um triste fim para Pasini. Ele já está tão acostumado aos abandonos que quando chegou aos boxes, ele mais consolava os mecânicos do que reclamava. O abandono de Pasini animou Pesek, que ultrapassou Smith, mas não teve como alcançar Gadea, que venceu pela primeira vez na carreira. Pesek aumentou sua diferença no campeonato, pois Talmacsi teve que suar sangue para ficar em quarto, frente aos ataques de Julian Olive e Pablo Nieto, enquanto Hector Faubel, que chegou a ficar em oitavo, teve que se contentar com a sexta posição.

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