domingo, 27 de novembro de 2016

Na dose certa

Nico Rosberg não é um extra-classe ou um piloto dotado de uma habilidade fora do comum. Porém, passados quase nove meses desde a primeira corrida da temporada 2016, ninguém há de dizer que Nico não mereceu o título desse ano na F1. Numa das decisões mais dramáticas dos últimos tempos, Rosberg se tornou o segundo piloto a repetir o feito do pai e se sagrar campeão, se valendo de uma frieza fora do comum quando se viu em meio à armadilha posta por Lewis Hamilton, mas como sempre acontece nesses momentos, mostrando porquê merece ser campeão ao ultrapassar o temido Max Verstappen quando foi necessário.

A corrida em Abu Dhabi, muito pela característica da pista, não foi um primor de emoção, como aconteceu em Interlagos, mas como toda decisão que se preze, a prova de hoje foi marcada pela tensão e uma dramaticidade incrível nas voltas finais, muito por causa da atitude de Lewis Hamilton. Já aparecem alguns queixas do comportamento do inglês, mas Lewis não saiu em nenhum momento da linha do regulamento e usou as únicas armas que tinha para tentar conquistar o título. Na decisão da MotoGP em 2013, Jorge Lorenzo tentou fazer o mesmo com Marc Márquez na última corrida, diminuindo seu ritmo para que Márquez, com boa vantagem na ocasião, perdesse posições e o campeonato, mas logo o espanhol da Yamaha desistiu dessa tática e partiu para uma vitória incontestável, enquanto Márquez conseguia seu primeiro título na MotoGP. Hamilton foi mais tenaz do que Lorenzo e manteve sua tática 'Operação Tartaruga' até a última volta, tornando o final da corrida uma das mais dramáticas decisões dos últimos tempos. Hamilton tinha ritmo para andar até 1s mais rápido do que vinha imprimindo, mas o inglês fez de tudo para enervar o seu rival pelo título, mas Nico Rosberg mostrou sua maior virtude, além de vantagem mais destacada frente à Hamilton: a mentalidade forte. Apesar da tática imposta por Hamilton, em nenhum momento Nico Rosberg esteve numa posição em que seu título estaria em voga. A combinação das 55 voltas sempre mostravam Rosberg com o título. No único momento em que Nico teve que mostrar serviço, foi quando Max Verstappen mudou de estratégia e ficou entre as duas Mercedes, com Rosberg em terceiro, enquanto Raikkonen vinha perigosamente em quarto. Com Hamilton mais lento, Nico sentiu que poderia ser superado pelo piloto da Ferrari e perder o controle da corrida e do título. Nesse pouco tempo de F1, Max Verstappen já é um dos pilotos mais temidos da F1, principalmente no embate 'corpo a corpo', mas com o holandês já perdendo rendimento por causa dos pneus, Rosberg usou o potencial do seu carro e meteu a faca entre os dentes, partindo para cima do moleque holandês e efetuando a ultrapassagem que o deixou definitivamente atrás de Hamilton até o final da corrida. Era uma marcação homem a homem, como imaginado, mas Rosberg acabou caindo na armadilha de Hamilton, ficando atrás do companheiro de equipe, não querendo arriscar, mas vendo crescer em seus retrovisores outros pilotos, como Vettel e o próprio Verstappen.

Nico não esmoreceu. Ficou firme atrás de Hamilton, não tentando uma ultrapassagem que poderia resultar num toque, no que poderia ser o que Lewis queria, e soube se defender dos ataques de Vettel, que foi quem mais ameaçou a Mercedes com seus pneus mais macios e novos no final da prova. Nico se tornou o 33º piloto a vencer um campeonato na F1 e deu à Alemanha o 12º título nos últimos 23 anos, uma hegemonia parecida que o Brasil exerceu na F1 nos 1980. Porém, se em 2017 provavelmente não haverá nenhum brasileiro na F1, a Alemanha tem vários pilotos chegando forte nas categorias de base e na própria F1, como Pascal Wehrlein. Desde 2014, a Mercedes venceu todos os títulos possíveis na F1, mas Toto Wolff e Niki Lauda tiveram bastante trabalho com as desventuras de Rosberg e Hamilton. Depois da corrida era nítido o desconforto entre os dois. O cumprimento de Hamilton com Nico foi um dos mais protocolares da história, enquanto na sala pré-pódio, os dois não se olhavam e na foto em que os três pilotos do pódio tiraram com Bernie Ecclestone, Hamilton botou as mãos para trás para não abraçar Rosberg. Lembrando o domínio da Ferrari no começo da década passada, havia um grande desnível entre os pilotos, fazendo com que Michael Schumacher nadasse de braçada. Hoje, mesmo com Lewis Hamilton sendo nitidamente mais rápido do que Nico Rosberg, o alemão soube usar suas armas para derrotar o seu rival e hoje desafeto. E o melhor de tudo é que os dois ainda tem contrato por dois anos com a Mercedes.

Quem se aproveitou da tática de Hamilton foi Sebastian Vettel, que fez uma ótima corrida para voltar ao pódio (desta vez valendo!) e quase decidir o campeonato. Com os dois carros da Mercedes num ritmo tão lento, Vettel aproveitou para mudar a estratégia, colocando pneus supermacios no fim da prova e partir para cima de todos, ultrapassando Raikkonen e os dois carros da Red Bull para tentar a vitória, algo que Nico Rosberg, primeiro obstáculo de Vettel, conseguiu evitar. A Ferrari acaba 2016 sem nenhuma vitória, quando se esperava brigar pelo título, e atrás da Red Bull. Raikkonen conseguiu uma ótima largada e fez o primeiro stint em terceiro, mas acabou perdendo rendimento para terminar num solitário sexto lugar. Max Verstappen fez outra corrida de recuperação após rodar na primeira volta após toque com Hulkenberg, mas logo o holandês estava na briga pelo pódio e pela vitória, sendo o único piloto do pelotão da frente a tentar a estratégia de uma parada. Mesmo com pneus mais gastos, o holandês chegou em quarto, colado nos três primeiros e sua agressividade foi sempre um fator na briga pelo campeonato. Hoje, é uma temeridade para os outros pilotos entrar numa briga com Verstappen. Apesar de toda a simpatia (o vídeo em que 'aprende' dança do ventre é impagável), Daniel Ricciardo está um nível abaixo de Verstappen e tendo uma temporada inteira ao lado do holandês, o australiano tende a ser engolido por Max em 2017. Numa corrida apática, após o bom terceiro lugar no grid, Ricciardo não conseguiu usar seus pneus mais novos para atacar Verstappen. Na verdade, mesmo com pneus mais gastos, foi o holandês que estava brigando com Mercedes e Vettel, enquanto Ricciardo se conformava com uma quinta posição abaixo das expectativas.

A Force India confirmou a ótima quarta posição no Mundial de Construtores colocado seus dois carros em sétimo e oitavo, refletindo o potencial da equipe hindu hoje. Felipe Massa terminou sua carreira fazendo o possível com que tem em mãos e recebeu sua última bandeirada da F1 em nono. Uma despedida menos emocionante do que as cenas vistas em Interlagos, mas Felipe saiu da F1 pela porta da frente e de cabeça erguida, o mesmo acontecendo com Jenson Button. Do jeito que a F1 tem cada vez menos 'playboys', há cada vez menos 'gentlemans' e Jenson Button talvez seja um dos últimos dessa estirpe de piloto. Piloto extremamente técnico e suave na pilotagem, a atitude de Button fora das pista garantiu ao inglês admiração de todos. Sua 305º corrida terminou mais cedo por causa de um raro erro de Jenson, mas o piloto da McLaren também teve uma despedida digna e com aplausos de pé. Se Massa teve a sorte de uma safety-car fazer com que todos se concentrassem na sua despedida, Button o fez com a corrida rolando e por isso, não teve uma despedida parecida, algo que nas circunstâncias que aconteceram com Massa em Interlagos, certamente aconteceria com Button em Abu Dhabi. Hoje, apenas Kimi Raikkonen e Fernando Alonso da geração que surgiu no começo do século 21 ainda está na F1. Alonso marcou o último ponto do ano, sendo que o espanhol cada vez mais dá pistas que 2017 poderá ser seu último ano na F1. 

A Hass, que começou tão bem o ano, ficou perto de pontuar com Grosjean. A escolha da Renault em renovar com Jolyon Palmer ficou extremamente questionável pelo acidente ridículo em que o inglês se meteu quando acertou a traseira da Carlos Sainz de forma infantil, apesar de achar que o espanhol freou mais cedo do que o normal na ocasião. A Sauber deve levantar as mãos para os céus com a chuva em Interlagos, pois em Abu Dhabi a equipe ficou atrás da Manor e se não fosse a punição de Palmer, seria a última a receber a bandeirada. Apesar de todo o looby em cima de Nasr, mais uma vez o brasileiro ficou atrás de Ericsson, piloto de técnica questionável. Mesmo conseguindo os dois pontos da Sauber que fez a equipe ficar em décimo no Mundial de Construtores, Nasr só ficará na F1 em 2017 se Ecclestone forçar muito que a Sauber fique com o piloto, pois o Banco do Brasil anunciou que não patrocinará mais Nasr na F1. Com Wehrlein incomodado pela Mercedes ter preferido Ocon, o colocando na cobiçada vaga da Force India, o alemão brigou forte com o companheiro de equipe, fazendo a Manor chegar na frente da Sauber na corrida. A Toro Rosso teve um final de semana terrível, onde sempre andou nas últimas posições e abandonou com seus dois pilotos.

E já no final de novembro (antigamente era em outubro...), a F1 se despede de 2016 sagrando um campeão diferente. Nico Rosberg não tem o carisma dos grandes campeões, mas seus números são inegáveis: ele é digno detentor de um título. Essa derrota pode ser boa para Hamilton, pois mesmo com três títulos mundias, havia o porém de nunca ter derrotado um campeão mundial. Agora não tem mais. A corrida em Abu Dhabi também marcou o fim dessa Era na F1, onde é mais importante ser eficiente do que ser rápido, no que desagradou muita gente, forçando a F1 rever alguns conceitos e mudar radicalmente os carros para 2017. Porém, com o potencial que tem, a Mercedes é a favorita a reagir mais rapidamente à essas mudanças e tentar manter seu domínio. E com Hamilton mordido e Rosberg motivado, podemos ver outro round dessa disputa que vai se tornando interessante nos livros de história da F1.

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