domingo, 30 de setembro de 2018

O dedo de Toto

Ordens de equipe sempre existiram e nunca deixarão de existir no automobilismo. Negar isso é tapar o sol com a peneira. A verdade é que desde 2001, quando a Ferrari mandou Barrichello ceder sua segunda posição para Schumacher na chegada do Grande Prêmio da Áustria, manobra repetida um ano depois valendo a vitória, os ordens de equipe ficaram mais visadas e criticadas. Não vale a pena aqui ficar citando caso a caso essas polêmicas manobras de equipe, que já aconteceram na luta pelo título de... 1958! Valtteri Bottas sempre correu bem em Sochi desde os seus tempos da Williams e ontem conseguiu uma belíssima pole, superando um hiper-confiante Lewis Hamilton, o que é um verdadeiro feito. O nórdico se manteve na ponta e tinha tudo para vencer, mesmo com Hamilton e Vettel à espreita. Sempre focalizado pelas câmeras, Toto Wolff apertava o botão 'tatitcs'. Não demorou uma volta para Hamilton assumir a ponta e vencer pela terceira vez em solo russo, se aproximando definitivamente do seu quinto título.

A corrida no chato traçado de Sochi foi até melhor do que as anteriores. Num circuito sem imaginação, onde apenas o longo curvão chama a atenção, a corrida de destacou pela proximidade dos três primeiros e até mesmo uma disputada troca de posição. A largada se deu sem nenhum problema, mas com Vettel mostrando que iria para o ataque, colocando por dentro de Hamilton algumas vezes nas primeiras curvas. Corrida assentada, Bottas liderava até com certa facilidade à frente de Hamilton e Vettel. Em outra prova sorumbática, Raikkonen foi um isolado quarto colocado, onde não atacou ou foi atacado por ninguém. Bateu o ponto e uma hora dessa está deixando o circuito com sua bela esposa e seu fofo pimpolho. A única rodada de paradas trouxe o único momento de emoção da corrida. Bottas foi o primeiro a parar, enquanto Hamilton resolver ficar duas voltas a mais na pista. Vettel parou entre os dois carros da Mercedes e quando Lewis voltou ao traçado, ele se encontrava atrás de Vettel. Inconformado com o erro da Mercedes, Hamilton tratou de consertar a besteira dos estrategistas e numa bela manobra no curvão, retomou a segunda posição, demonstrando a força da Mercedes na Rússia frente a uma impotente Ferrari. Se os táticos da Mercedes erraram feio com Hamilton, o pior viria com Bottas. Os três primeiros andavam juntos e a corrida tendia a se estender assim até o final, com Bottas finalmente vencendo pela primeira vez em 2018. A Mercedes, desde os tempos em que era parceira da McLaren, sempre evitou ordens explícitas de equipe e criticava abertamente a política da Ferrari de nomear um destacado primeiro piloto. 'Como fica a motivação do segundo piloto?', perguntava na época Norbert Haug. Essa resposta quem dará será Toto Wolff, que mandou Bottas praticamente parar o carro e deixar Hamilton vencer.

O clima de constrangimento ficou forte no carregado ar de Sochi. Lembranças de 2002 e 2010 vieram imediatamente à tona. Bottas ainda perguntou nas últimas voltas se a sua vitória seria devolvida, mas a negativa deixou o pódio num anticlímax raramente visto no momento mais festivo de uma corrida de F1. Hamilton estava nitidamente envergonhado e tentou fugir das entrevistas, enquanto Bottas estava com aquela cara de dar de ombros para qualquer pergunta feita. E as perguntas de praxe foram feitas e as respostas de praxe foram dadas. Não havia muito o que fazer. Hamilton ainda esboçou trocar de troféu no pódio e chamou Bottas para o lugar mais alto para receber o seu. Um movimento menos desnecessário do que em 2002, mas ainda assim desnecessário. Se dezesseis anos atrás a Ferrari não tinha um adversário sequer próximo para esboçar uma briga pelo campeonato, esse ano a Mercedes tem que lidar com a Ferrari, porém, as derrotas consecutivas deixaram o moral dos italianos abalado e a Mercedes, assim como Hamilton, tinham o campeonato controlado. A vantagem de Vettel no campeonato iria subir com a vitória ou o segundo lugar de Hamilton, mas o arranhão no histórico da Mercedes não será reparado tão cedo. O engraçado disso tudo é o que a Ferrari irá fazer sobre esse assunto sempre espinhoso na F1? Reclamar? Mas qual a moral os italianos tem sobre isso?

O nome da corrida foi Max Verstappen, que fez uma estupenda corrida de recuperação após sair da penúltima fila devido à punições e em menos de dez voltas já aparecia em quinto. É outro indicativo do abismo entre as equipes top-3 e as demais, da mesma forma como corrobora que o talento do aniversariante de hoje é mesmo fora do comum, pois Daniel Ricciardo com o mesmo carro não conseguiu a mesma recuperação, apesar de ter terminado num protocolar sexto lugar. Max liderou o maior número de voltas por ter postergado ao máximo sua parada, mas a ciência inexata dos pneus atuais da F1 ficou clara quando Verstappen colocou pneus ultramacios novos nas dez últimas voltas e simplesmente não foi capaz de diminuir a diferença para Raikkonen, com pneus macios desgastados. Leclerc venceu a corrida dos 'pobres' com uma belíssima ultrapassagem sobre Magnussen no início da corrida e se manteve a prova toda em sétimo. O danês teve que suportar a pressão dos dois carros da Force India a corrida inteira, que usou ordens de equipe para os seus dois pilotos atacarem Magnussen, mas sem sucesso. Pelo menos a Force India mandou Ocon e Pérez retomarem suas posições mais tarde. Grosjean, de contrato renovado com a Haas, ficou fora dos pontos, assim como dispensado Ericsson, longe do desempenho do seu companheiro de equipe da Sauber. Após um bom início de temporada, a Renault despencou e ficou fora dos pontos. Mau sinal para Ricciardo. McLaren e Williams brigaram pelas últimas posições, enquanto a Toro Rosso, que trocou seu motor para a corrida de hoje para ter tudo novo em Suzuka na semana que vem, na casa da Honda, abandonou com seus dois pilotos ainda no início da corrida. Por sinal, os únicos abandonos do dia.

O campeonato pode ter sido decidido hoje, mesmo que matematicamente a conta deva fechar novamente no México, onde Hamilton garantiu o seu tetra ano passado. A Ferrari parece impotente após tantas derrotas, mas a Mercedes não precisava passar por uma situação como a de hoje, onde viu seus princípios indo para o beleleu com a ordem imposta por Wolf. 

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