Quando a largada foi dada depois de mais de 200 dias desde a última corrida de F1 nesse domingo na Áustria, a expectativa não era das mais altas, com a Mercedes decididamente mais rápida do que todas as rivais, num circuito pequeno e que representou derrota para os tedescos nos últimos dois anos. Resumidamente, a Mercedes sobrou. No apagar das luzes vermelhas, Bottas disparou na frente e não tendo Lewis Hamilton ao seu lado por causa de uma punição tardia, venceu a corrida de ponta a ponta. Corrida chata? Muito pelo contrário! Esse retorno da F1 nos entregou uma ótima corrida, cheio de disputas, polêmicas e surpresas.
O Grande Prêmio da Áustria nos mostrou um 'novo normal' (expressão da moda), onde por muito pouco é motivo de entrada do Safety Car e juntar o pelotão. Hoje foram três entradas do SC em situações onde ano passado causava no máximo o Safety Car Virtual. A desculpa foi o quadro reduzido de pessoas que trabalham ao lado da pista, mas ainda assim hoje houve um nítido exagero. Talvez uma forma de trazer emoção de forma fictícia? A punição tardia de Lewis Hamilton, minutos antes da largada, aumenta essa suspeita. Assistindo à classificação ao vivo ontem, foi nítido que Hamilton não tirou o pé quando Bottas, que estava logo à sua frente, saiu da pista e o inglês marcou seu melhor tempo do Q3. O motivo da perca de três posições do inglês ter saído de forma tão tardia não deixa de ser um mistério, mesmo que olhando para um regulamento que não é novo, seja justa. Largando sem Hamilton, Bottas disparou na ponta após a largada e quando completou a primeira volta já tinha 2.5s de vantagem para Verstappen, dando uma pequena amostra da diferença brutal da Mercedes para as demais. Quando Max quebrou e Hamilton completou a dobradinha mercediana, o terceiro colocado Albon rapidamente ficou 16s atrás da dupla, com Hamilton partindo para o ataque em cima de Bottas. Punido, Hamilton queria vencer hoje e assim colocar Bottas em seu devido lugar, mas o forte calor em Spielberg (ou Zeltweg?) fez muitas vítimas, inclusive os negros carros da Mercedes. Um problema de câmbio fez a dupla diminuir o passo bem no momento em que Hamilton parecia mais incisivo na pressão sobre Bottas. Porém, estava claro que Hamilton não desistiria ou até mesmo obedeceria uma ordem de equipe de manter as posições, contudo, os safety-cars misturaram a corrida de tal maneira, que o até então inofensivo Alex Albon surgiu no retrovisor de Hamilton após a última relargada com pneus macios novos. O tailandês já completava uma ousada ultrapassagem por fora sobre Hamilton, quanto houve o toque, o segundo em três corridas entre os dois pilotos e que causou a segunda punição para Lewis no dia.
Com todos esses acontecimentos ao seu redor, Bottas pôde liderar a corrida de ponta a ponta e vencer na abertura do campeonato, repetindo o resultado do ano passado. Resta saber como Bottas irá se comportar no resto do certame, que poderá ser bem curto, já que até o momento temos apenas oito provas confirmadas. A Mercedes mostrou uma superioridade acima até dos últimos anos e a briga pelo título tende a se restringir aos dois pilotos comandados por Toto Wolff. Hamilton já está no livro da história da F1 como um gigante, mas que já foi derrotado uma vez por um piloto inferior a ele. Se Bottas emular Nico Rosberg, podemos ter campeonato. As tradicionais rivais da Mercedes tiveram dificuldades nesse início de campeonato, mas os resultados de Red Bull e Ferrari foram até mesmo encorajadores. Max Verstappen vinha num sólido segundo lugar antes de quebrar, mesmo com um pneu de composto mais duro. Já Albon teve condições de ataque contra a Mercedes, mesmo que em circunstâncias especiais. Red Bull está claramente como segunda força da F1 em 2020 e ainda tem trunfo do talento de Max Verstappen para surpreender a Mercedes vez ou outra, como Albon quase fez hoje. As suspeitas de que a Ferrari tinha um motor irregular aumentaram enormemente nesse final de semana quando a equipe italiana se tornou um dos carros mais lentos do Red Bull Ring a ponto dos seus pilotos terem perdido quase 1s em comparação ao ano passado no grid. Uma característica de um grande piloto sempre será a forma como ele se comporta em situações adversas. Charles Leclerc não teve a mínima condição de ter o ritmo que quase lhe garantiu a vitória ano passado, mas o monegasco soube aproveitar as oportunidades que lhe surgiam. Os abandonos dos carros da Red Bull, a punição de Hamilton e a superioridade sobre os pilotos de McLaren e Racing Point garantiram um surpreendente pódio à Leclerc, num claro desempenho em que o piloto da Ferrari andou mais do que o carro. Já Vettel... Fica cada dia mais difícil defender o alemão. Se já não bastasse ter passado o final de semana inteiro atrás do companheiro de equipe, Vettel se envolveu em um incidente em que o piloto da Ferrari pode se considerar no mínimo otimista quando tentava ultrapassar Carlos Sainz e acabou caindo para as últimas posições. Uma corrida terrível para Seb, que terminou em penúltimo numa corrida em que apenas onze carros finalizaram a prova. Dessa jeito fica até complicado algum time grande se interessar por um piloto que, mesmo tetracampeão, erra de forma absurda e forma constante nos últimos dois anos.
Tantos incidentes fizeram com que Lando Norris conseguisse seu primeiro pódio, enquanto a McLaren realmente subia ao pódio depois de muito tempo, já que Sainz foi terceiro ano passado, mas só subiu ao pódio de forma comemorativa de noite e sem ninguém em Interlagos. Porém, Norris teve muitos méritos em seu primeiro pódio. Nas voltas finais ele teve que resistir aos ataques do seu companheiro de equipe Carlos Sainz, ultrapassou de forma agressiva Sergio Pérez, que sempre se mostrou difícil de se ultrapassar, e finalmente marcou a melhor volta da corrida na bandeirada para garantir a capitalização da punição de Hamilton. Por meros 0.198s. A McLaren passou pelo período da pandemia de forma complicada, até mesmo surgindo rumores de venda de ações, mas o pódio de Norris será um baita alívio para a turma de Zak Brown, que comemorou muito. Sainz ainda ultrapassou Pérez na última volta para ser quinto, enquanto o mexicano, que estava punido de forma bizarra, teve que se conformar com o sexto lugar. No último período de safety-car, os carros precisaram atravessar o pit-lane, que tem velocidade controlada e Pérez conseguiu a proeza de queimar o limite de velocidade. Não deixa de ser uma corrida abaixo do esperado da Racing Point, que estava com a banca de ser a terceira força desse começo de ano e viu Pérez ser apenas sexto, mesmo o latino chegando a ser terceiro nas voltas finais, mas a tática da Racing Point não o ajudou, o deixando com pneus velhos na pista. Stroll abandonou antes da metade da corrida quando brigava com Vettel. Para vocês verem aonde estava Vettel no meio da corrida...
Como citado mais cedo, a corrida foi cheia de abandonos e por isso muitos pilotos aproveitaram para marcar preciosos pontos. A Alpha Tauri não acompanhou o crescimento de Racing Point, McLaren e Renault, ficando isolada num terceiro ou quarto pelotão. Gasly fez uma corrida discreta, mas que lhe deu um bom sétimo lugar, enquanto Kvyat teve um pneu furado quando estava nos pontos, já nas últimas voltas. Ricciardo conseguiu levar a Renault a andar no ritmo de Stroll e Vettel antes de abandonar, mas Ocon salvou o dia com uma oitava posição, porém, não se pode negar que o jovem francês não vinha fazendo uma corrida do nível de Ricciardo. Um ano fora da F1 pode fazer com que um piloto 'enferruje', mas Ocon precisa (e pode) fazer mais do que hoje. Giovinazzi salvou dois pontos para a Alfa Romeo, que no vácuo da queda de performance do motor da Ferrari, também perdeu muito de 2019 para cá. Raikkonen sofreu um perigoso incidente quando sua roda dianteira direita lhe disse arrivederci bem no momento de uma relargada. Como cópia da Ferrari, a Haas também perdeu rendimento, mas os americanos ainda sofrem com uma dupla de pilotos medíocre, com Grosjean rodando sozinho antes de abandonar, o mesmo acontecendo com Magnussen, com seu freio, velho calcanhar de Aquiles da Haas, lhe deixando na mão. A Williams quase pontuou com tantos incidentes e como no ano passado em Hockenheim, mesmo George Russell tirando leite de pedra do carro, foi o segundo piloto, hoje Nicolas Latifi, que quase levou a equipe a ganhar pontos. A Williams ainda tem o pior carro do grid, mas em 2020 tem a companhia de Alfa Romeo e Haas no pelotão do fundo, porém, isso acontece mais por uma queda das subsidiárias da claudicante Ferrari do que a evolução do time de Claire.
O começo da atípica temporada 2020 da F1 começou de forma divertida, mas não escondeu alguns fatos. Primeiro que a Mercedes está não apenas um, mas talvez dois patamares acima dos rivais. Pelo que mostrou numa pista que nos últimos anos não lhe foi favorável, a Mercedes pode dominar de forma ainda mais enfática dos que nas temporadas recentes. Um fator de alerta é a confiabilidade do carro, pois não apenas os câmbios da Mercedes trouxeram dores de cabeça durante a corrida de hoje, como dois motores (Stroll e Russell) quebraram hoje. A 'mágica' do motor Ferrari do ano passado parece ter sido descoberta e hoje dá até para afirmar que os italianos tem o pior propulsor do ano, para desespero dos puristas, acostumados com os potentes motores Ferrari. A Red Bull não tem o mesmo ritmo da Mercedes (principalmente de classificação) e ainda tem que se preocupar com a confiabilidade dos seus carros, que quebraram hoje. A boa notícia é que Racing Point, McLaren e Renault cresceram a ponto de andar no mesmo ritmo da Ferrari e nem tão longe da Red Bull. Por que já pode se afirmar que a Mercedes anda num pelotão único, onde apenas seus dois pilotos correm. Resta saber se Bottas poderá fazer frente a Hamilton. O novo normal da F1 pode ter ficado mais nítido nessa primeira corrida, porém, as corridas ainda podem surpreender bastante e nos entregar uma prova divertida como a de hoje.