sábado, 1 de junho de 2019

Ponto de referência

Quando Martin Brundle surgiu nas categorias de base inglesas no começo da década de 1980, ele era comparado a ninguém menos do que Ayrton Senna. Os dois protagonizaram uma temporada histórica na F3 Inglesa e subiram juntos à F1, mas os resultados deles foram completamente diferentes. Enquanto Senna entrou para a história do automobilismo, Brundle ficou treze anos na F1 entre equipes médias, pequenas e curtas incursões em times grandes. Uma carreira respeitável, mas bem longe do seu ponto de referência, o que tornou Brundle uma pessoa amarga por não ter tido as mesmas oportunidades do seu rival, porém para o inglês, Senna foi um dos maiores de todos os tempos e ser comparado com ele era até uma honra. Dono de maiores feitos fora da F1, Brundle completa 60 anos hoje e iremos conhecer um pouco sua história. 

Martin John Brundle nasceu no dia primeiro de junho de 1959 na cidade inglesa de King's Lynn. Filho de um dono de uma concessionária, Brundle sempre teve carros presente em sua vida, por isso que não foi surpresa ele se interessar por corridas, mas a carreira de Martin foi longe de ser normal em seu começo. Aos 12 anos ele fez suas primeiras corridas em pista de grama e aos 16 anos ele se mudou para corridas de arrancada. Foi apenas quando completou 18 anos que Brundle foi para o automobilismo 'tradicional', estreando no tradicional Campeonato Inglês de Turismo, à bordo de um Toyota. Muito novo e promissor, Brundle foi para os monopostos em 1979 ao estrear na F-Ford, mas sem deixar de lado as corridas de turismo, conseguindo um contrato com Tom Walkimshaw, dirigente que seria muito importante na carreira de Brundle. Um dos motivos para Brundle se desdobrar em corridas de monopostos e turismo foi a falta de financiamento de sua carreira, pois tudo que ganhava da Toyota e Jaguar, ele investia nos monopostos. Essa vida 'dupla' fez com que a carreira de Brundle demorasse um pouco a deslanchar. Apenas em 1982 ele conseguiu estrear na F3 e logo de cara conseguiu cinco poles e duas vitórias, se garantindo como um dos favoritos para 1983. Porém, um fenômeno se desenvolvia nas categorias de base inglesa. Ayrton Senna dominou em seus dois anos de F-Ford e surgiria na F3 como um piloto a ser observado. E o brasileiro não decepcionou. Senna venceu suas primeiras corridas na F3 em sequência, mas na metade do campeonato Brundle reagiu e o certame foi disputado palmo a palmo entre eles. Enquanto a carreira de Senna era administrada para se tornar uma estrela da F1 num futuro próximo, Brundle jogava tudo naquela temporada para manter sua carreira viva! Quando Brundle estava no auge de sua reação, um polêmico acidente em Donington Park provocado por Senna freou o inglês. Senna ficou com o título, mas as apresentações de Martin Brundle na F3 o credenciava a conseguir voos maiores. Se ele poderia disputar o título com o furacão das categorias menores, ele tinha também chances de fazer bom papel na F1.

Brundle e Senna fizeram vários testes na F1 na segunda metade de 1983, mas só conseguiram lugares em equipe do bloco intermediário para 1984. Enquanto Senna conseguia um lugar na Toleman, Brundle foi contratado por Ken Tyrrell, conhecido por dar chances a bons jovens pilotos, mas também por ter sua equipe em pleno declínio. Ter um motor turbo em 1984 era praticamente obrigatório para ser competitivo na F1 e isso era algo que Tyrrell não tinha, fazendo com que a temporada de estreia de Brundle fosse bastante desafiadora, até porque ao seu lado estava outro novato sensação da F1: Stefan Bellof. Na sua estreia na F1 em Jacarepaguá, Brundle consegue largar na frente de Senna (que estava melhor equipado na ocasião) e termina num ótimo quinto lugar. Em Detroit, pista de rua que ajudava os motores pouco potentes, Brundle consegue um excepcional segundo lugar, recebendo a bandeirada bem próximo do vencedor Nelson Piquet. Contudo, a alegria de Brundle seria curta. Duas semanas depois Brundle sofreu um seríssimo acidente no circuito de Dallas, durante os treinos, em que teve os dois pés e tornozelos fraturados. O mais grave era o tornozelo esquerdo, fazendo com que Brundle tivesse que ficar de fora do resto do campeonato e mancar o resto da vida. Porém, as coisas piorariam quando a Tyrrell foi desclassificada de todas as corridas de 1984 por irregularidades no tanque de combustível e o primeiro pódio de Brundle foi riscado. Se servia de consolo, Brundle teve seu valor reconhecido na F1, mas nenhuma porta havia sido aberta para ele numa equipe grande, enquanto Senna estrearia pela Lotus para se tornar um piloto de ponta na F1. Brundle ficou mais um ano na Tyrrell, que passava por um momento de transição com a compra dos motores Renault turbo. Brundle não marcaria nenhum ponto no campeonato e ainda veria seu companheiro de equipe Bellof morrer num acidente em Spa, no Mundial de Marcas. Martin marcaria seus primeiros pontos válidos no Grande Prêmio do Brasil de 1986 com um quinto lugar, mas a Tyrrell sofria com falta de financiamento dos seus carros. Diferente dos tempos em que estreou na F1, Tyrrell foi ficando para trás em comparação com equipes ligadas a grande montadoras que injetavam muito dinheiro. Brundle sofria para marcar pontos e normalmente era um retardatário nas corridas. Para 1987, Brundle resolve tentar uma mudança e aposta na equipe alemã Zakspeed, que tinha estreado em 1985 e era caracterizada por construir todo o carro. Com motores cada vez mais sofisticados e potentes, a empresa alemã não páreo para as potências da época e Brundle fez uma temporada ainda pior, ainda conseguindo um miraculoso quinto lugar em Ímola, no que seria seus únicos pontos em 1987.

Enquanto Senna se mudava para a McLaren, Brundle enfrentava o desemprego para 1988. Brundle fazia algumas corridas de turismo com Tom Walkinshaw enquanto corria de F1. Quando a Jaguar se juntou à TWR de Walkinshaw em 1987, o sucesso foi imediato e Raul Boesel foi o grande campeão do Mundial de Marcas. Com seu pupilo em vias de ficar sem volante para 1988, Walkinshaw contrata Brundle como piloto principal da Jaguar no Mundial de Marcas. Brundle agarra a chance com as duas mãos. Com cinco vitórias e três segundos lugares, Martin conquista o Mundial de Marcas com o recorde de pontos no mesmo ano que seu antigo rival Senna conseguia seu primeiro título na F1. Brundle não ficou muito distante da F1 em 1988 e conseguiu uma vaga de piloto de testes da Williams, fazendo uma corrida na Bélgica substituindo Mansell, que se recuperava de uma catapora. Mesmo com o sucesso no Mundial de Marcas, Brundle ainda mirava a F1 e em 1989 ele fez sua volta à categoria através da Brabham, porém, não era a mesma equipe que fizeram sucesso anos antes nas mãos de Nelson Piquet, Bernie Ecclestone e Gordon Murray. A Brabham fora vendida por um empresário suíço e ficara de fora da F1 em 1988, retornando em 1989 com dois pilotos experientes, no caso Brundle e Stefano Modena. A Brabham ainda tinha algumas das referências dos bons tempos como Herbie Blash, mas o ás na manga da equipe eram os pneus Pirelli. Os italianos voltavam à F1 naquele ano equipando apenas equipes pequenas, mas com uma ótima borracha, principalmente nos treinos. A Brabham era uma das clientes da Pirelli e Brundle aproveitou para fazer algumas ótimas corridas. Em Mônaco, Martin estava em terceiro lugar quando sua bateria falhou. Brundle perdeu muito tempo nos boxes, mas voltou à pista para conseguir um sexto lugar, enquanto seu companheiro de equipe Modena subiu ao pódio com o terceiro lugar. Em Phoenix Brundle largou em quinto, mas teve que abandonar após muita luta com outros usuários da Pirelli na zona de pontuação. Contudo, Brundle não conseguiu largar em duas corridas, inclusive em sua casa, Silverstone. Brundle ainda marcaria pontos outras duas vezes, mas logo percebe que não teria lugar na Brabham em 1990 e por isso retorna ao Mundial de Marcas. Correndo com a Jaguar de Walkinshaw, desta vez Brundle não consegue o título, mas talvez tenha obtido um maior destaque ao vencer as 24 Horas de Le Mans ao lado de John Nielsen e Price Cobb.

Brundle faz o mesmo que 1988 e retorna à F1 em 1991 pela equipe Brabham, porém, o time começava a passar por problemas financeiros e ainda apostou nos minguados motores Yamaha. Martin consegue marcar pontos apenas na penúltima corrida com um quinto lugar em Suzuka, no mesmo local onde Ayrton Senna atingia o olimpo na F1 com o terceiro título mundial. Mesmo com um carro muito ruim nas mãos e poucos resultados para mostrar, todos sabiam que Brundle não tinha feito um mau papel com a Brabham em seus momentos agonizantes. O tradicional time estava na pindaíba e para 1992 tinha contratado Giovanna Amati, que era tão bela como lenta. Brundle percebe que aquele ali não era o seu lugar. Com Walkinshaw entrando na F1, Brundle foi indicado pelo dirigente para a Benetton e pela primeira vez na sua carreira na F1, Martin teria um carro decente nas mãos. Porém, o inglês não contava com um detalhe: a Benetton era toda construída em torno de Michael Schumacher. O alemão começava a mostrar seus dotes de gênio e andava junto das estrelas da época, enquanto Brundle lutava para andar no ritmo de Schumacher. O inglês ficou muito sentido com a falta de apoio que tinha da equipe e não teve os melhores relacionamentos com Schumacher. Quando se tornou comentarista, Brundle se tornou um ácido crítico de Schumacher, ainda rescaldo do seu ano ao lado do alemão, mas Martin não se entregaria fácil. Quando a temporada 1992 chegou à Europa, Brundle passou a andar mais próximo do companheiro de equipe e os resultados começaram a aparecer. Em Montreal Brundle estava em segundo e se aproximando do líder Berger quando teve que abandonar. Em Spa, Martin estava na frente de Schumacher quando o alemão resolveu trocar seus pneus o que acabaria garantindo a primeira vitória de Michael na F1. Na segunda metade da temporada Brundle consegue cinco pódios, inclusive um segundo lugar em Monza no que seria seu melhor resultado na F1. O sexto lugar no Mundial de 1992 foi o melhor campeonato de Martin Brundle na F1, mas isso não lhe garantiu um lugar na Benetton em 1993, para espanto de toda a F1 na época. Substituído por Riccardo Patrese, Brundle chegou a negociar seriamente com a Williams, mas acabou preterido por Damon Hill. Com bons resultados nas mãos, Brundle consegue um lugar na equipe Ligier, que tinha como trunfo o motor Renault, o melhor do pelotão na época.

A F1 vivia um momento high-tech. Muito se falava em 1993 que a eletrônica estava passando por cima do talento do piloto e as equipes investiam em suspensão ativa, câmbio semi-automático programável e controle de tração. Quem dominasse esses itens, estaria em grande vantagem na F1. A Ligier não contava com todos esses itens, praticamente restrito às equipes grandes da época, em particular a Williams. Contando com o mesmo motor da campeã mundial, a Ligier conseguiu bons resultados e Brundle chegou a subir no pódio em Ímola. Num ano bastante consistente e marcando pontos de forma regular, mas sem brigar por vitórias, Brundle conseguia um sétimo lugar no Mundial, mas que lhe garantia o título de melhor do resto da F1, pois a Ligier não contava com suspensão ativa, por exemplo. Com outro ano sólido, Brundle consegue novamente um lugar numa equipe grande em 1994 e se transfere para a McLaren. Porém, novamente também Brundle erra o timing de sua chegada numa equipe tradicional. A McLaren passava por momento de transição com a saída de Ayrton Senna e a chegada dos motores Peugeot. Os franceses queriam lutar com a Renault, mas o motor que construíram era bastante inconfiável, estragando muitas corridas de Brundle e seu companheiro de equipe Mika Hakkinen. Em Ímola, Brundle foi um dos que passaram pela cena do acidente de Senna. Martin sempre reivindicava que se tivesse as mesmas oportunidades de Senna, poderia ter feito papel semelhante ao do antigo rival de F3. Brundle foi um dos que vieram ao velório do brasileiro e parte da carreira de Brundle morreu naquele dia. Apesar do polêmico acidente em Donington, Brundle tinha um profundo respeito com Senna, principalmente quando se comparava com Schumacher. Duas semanas depois Brundle conseguia um impressionante segundo lugar em Mônaco, mas os problemas de confiabilidade da McLaren continuavam e em Silverstone, o carro de Brundle se incendeia em plena largada!

Com a McLaren trazendo Nigel Mansell para 1995, Brundle teve que procurar emprego e o encontra novamente na Ligier, contudo os franceses não tinham mais os motores Renault, mas contava com uma relação estreita com a Benetton por causa das ligações de Walkinshaw. Brundle consegue bons resultados como o terceiro lugar em Spa, no que seria seu último pódio na F1. A Ligier tomou uma decisão polêmica para agradar a Mugen-Honda, que lhe cedia os motores, e muitas vezes tirava Brundle de corridas e colocava em seu lugar o japonês Aguri Suzuki. Martin Brundle já pensava em aposentadoria quando foi chamado por Eddie Jordan, com quem havia corrido nos seus tempos de F3 para sua última temporada na F1 em 1996. Logo na primeira corrida Brundle sofreria um susto enorme quando foi espremido numa freada em Melbourne e capotou seu carro, dividindo-o ao meio. Martin volta correndo aos boxes e quase teve que abandonar a corrida com fortes dores nos tornozelos, ainda por causa do acidente em Dallas doze anos antes. Correndo ao lado do jovem Rubens Barrichello, Brundle não correu ao mesmo nível do brasileiro. Em Monza, Jordan mandou Barrichello ficar atrás de Brundle para que o inglês conseguisse um ótimo quarto lugar. Aquilo deixou Barrichello injuriado e no final do ano ele saiu da Jordan. Brundle também percebia que seus anos na F1 estavam no fim e mesmo conseguindo um bom quinto lugar no encerramento da temporada, ele anunciou sua aposentadoria definitiva da F1. Foram 158 corridas, 98 pontos conquistados e nove pódios.

Imediatamente após sua aposentadoria na F1, Martin Brundle foi contratado para ser comentarista de F1 da TV inglesa, se tornando uma referência. Ele foi premiado por seu trabalho na TV em 1998, 1999, 2005 e 2006. Um comentário conhecido dele foi: "Como ex-piloto de F1 eu ganhei o direito de ter uma opinião no esporte. Derramei sangue, lágrimas e suor, quebrei ossos, provei o gosto do champanhe e da miséria. Eu sempre amei a F1". Brundle retornou à Le Mans algumas vezes, mas uma segunda vitória não viria. Seu filho Alex tentou correr, mas sem sucesso, mas Martin teve a felicidade de dividir um carro com o filho em Le Mans. Ainda hoje Martin Brundle é comentarista (recentemente ele teve um pequeno ataque cardíaco) e sempre é perguntado sobre a rivalidade que teve com Senna.

Parabéns!
Martin Brundle

Nenhum comentário:

Postar um comentário