domingo, 30 de junho de 2019

Emoção em dose dupla

Enquanto a MotoGP comemorava o pódio do Grande Prêmio da Holanda, uma das corridas mais esperadas do calendário das duas rodas, a transmissão da F1 começava. Emendar uma corrida de MotoGP com F1 não parecia uma boa ideia. Enquanto a MotoGP vive seu esplendor com corridas de tirar o fôlego, a F1 viveu três semanas turbulentas, talvez a maiores dos últimos tempos. Teve até gente açodada (ou oportunista) apostando na morte da F1. A belíssima corrida de hoje não aplaca a crise que a categoria passa, mas também não deixa de ser uma resposta para os fatalistas de plantão, além de mostrar que só falta um carro consistentemente rápido para Max Verstappen ser campeão de F1.

A corrida de hoje, sem querer ser demagógico ou imediatista, foi uma das melhores dessa década e mostrou uma das grandes exibições individuais da história. O que Max Verstappen fez hoje no Red Bul Ring seria assinado por qualquer gênio dos setenta anos da história da F1. O holandês mostrou garra, personalidade, velocidade e controle para conquistar uma das vitórias mais dramáticas dos últimos tempos, contra todos os prognósticos. Mesmo correndo com um motor Honda que se desenvolve cada vez mais, Verstappen e todo o staff da Red Bull sabiam que a pista cheia de retas da Áustria não favorecia os carros azuis, por mais que estivessem correndo em casa e Verstappen tenha vencido ano passado, mesmo que de forma casual, aproveitando o abandono duplo da Mercedes. Porém, Max deve ter olhado para a torcida, que pareceu deixar de lado o tradicional TT holandês em Assen e coloriu de laranja o circuito da casa de sua equipe. Verstappen parecia que corria em Zandvoort. O holandês teve um final de semana sublime, só vacilando em único momento que pareceu decisivo: a largada. Max saiu muito mal, quase atrapalhou Hamilton e caiu da segunda para a sétima posição. O primeiro stint de Verstappen foi bem usual, ultrapassando a McLaren de Lando Norris e a Alfa Romeo de Kimi Raikkonen para se posicionar em quinto, enquanto Charles Leclerc dominava a corrida, seguido pela dupla da Mercedes e Vettel. Uma corrida bem ordinária, mas que logo ganharia contornos históricos. Num calor quixadaense, Spielberg maltratou bastante os carros e pneus, os polêmicos pneus Pirelli com borracha mais fina para não ter bolhas, mas elas ainda apareceram. Ainda assim praticamente todo o pelotão preferiu parar apenas uma vez, colocando os pneus duros para uma corrida até o final. Foi o começo da grande corrida de Verstappen. 

O holandês foi um dos últimos a parar e se aproveitou de dois eventos nos boxes. Primeiro a Ferrari se atrapalhou toda no pit-stop de Vettel, com os mecânicos ainda chegando com os pneus para montar no carro do alemão, quando Seb já estava parado, fazendo-o perder muito tempo. Depois Hamilton abusou das zebras e precisou trocar a asa dianteira. Com as paradas terminadas, Verstappen estava em quarto, muito próximo de Vettel. E o alemão seria a primeira vítima do holandês. Nesse momento, numa corrida atipicamente muito quente, os quatro primeiros estavam separados por 8s! Assim que ultrapassou Vettel, Max foi para cima de um opaco Bottas, deixando a Mercedes com uma facilidade desconcertante para um piloto que venceu duas vezes nesse ano e sonhava em abrir luta com Hamilton pela título. Sonhava... Até então Charles Leclerc fazia uma corrida dominante, parecida com o que fez no Bahrein, mas acabou traído por um problema técnico da Ferrari. Leclerc e Verstappen foram rivais ferrenhos no kart e agora se encontrariam para uma disputa pela vitória na F1. Nas arquibancadas, os holandeses iam à loucura com a exibição de gala de Verstappen. Mas ainda teria mais? Leclerc reagiria à aproximação de Max? O holandês ainda teria pneus?

A resposta foi dada com uma aproximação surpreendentemente rápida de Max. Faltando quatro voltas para a bandeirada começaram os ataques, com os dois andando lado a lado, antes de Leclerc conseguir se sobressair. Porém, Verstappen estava com mais carro e se arriscou para ultrapassar à fórceps quando faltavam duas voltas rumo a uma vitória épica. Mas qual foi o risco que Verstappen se envolveu? A F1 continua em crise mesmo com a bela corrida de hoje. A polêmica punição à Vettel em Montreal veio à tona na manobra forte que fez Verstappen superar Leclerc, que reclamou um bocado. Veio o aviso da investigação da ultrapassagem, que demorou inusuais três horas para anunciar o veredicto. Muitos falaram que a razão para tanta demora seria o medo dos holandeses quebrarem tudo se a punição de Verstappen acontecesse. Algo que fazia sentido, mas atrás das portas dos comissários, muito deve ter sido debatido com Red Bull e Ferrari. Correndo em casa e já tendo ameaçado abandonar a F1, a Red Bull deve ter colocado muita pressão para que o resultado fosse mantido, enquanto a Ferrari deve ter feito uma pressão danada de uma episódio que muitas vezes resultou em punição num passado recente, além dos italianos terem sido prejudicados na última vez que os comissários estiveram envolvidos. No meio disso tudo, a F1 temia pelo o que aconteceria em sua imagem se uma segunda grande corrida fosse decidida pelos comissários. Pelo bem do esporte, Verstappen teve sua vitória mantida. Tom Kristensen teve o bom senso que faltou ao seu antigo companheiro de equipe na Audi Emanuele Pirro em Montreal.

Foi uma vitória de lavar a alma para todos, principalmente pela Honda. Enquanto teve como principal piloto Fernando Alonso, os japoneses eram constantemente humilhados pelos sarcásticos comentários do espanhol sobre o motor ainda fraco, mas em desenvolvimento. Pela primeira vez na era híbrida e depois de treze anos de jejum, a Honda subiu ao alto do pódio na F1 para desespero de Alonso, enquanto Max mostrava o símbolo da Honda para mostrar que o árduo trabalho dos japoneses parecer finalmente dar certo. Já Verstappen mostrou que sua pilotagem agressiva vai sendo domesticada, enquanto seu talento e velocidade permaneciam intactos. Enquanto isso, Pierre Gasly tomava uma volta do seu companheiro de equipe e não conseguia ultrapassar a McLaren de Norris. Já se fala que Kvyat poderia trocar com Gasly ainda antes do final da temporada. Se serve de consolo para o francês, o próprio russo serve de exemplo de uma carreira que ainda não foi destruída por Marko, apesar de Kvyat nem merecer uma vaga numa equipe grande, em outra prova burocrática do russo.

Leclerc ficou próximo da vitória mais uma vez, mas viu escapar o triunfo novamente no fim. O monegasco vinha fazendo uma prova perfeita até que a melhor gestão de pneus de Verstappen o suplantasse nas voltas finais. A vitória de Leclerc virá, mas essas bolas na trave podem começar a pesar na cabeça do piloto da Ferrari. Vettel foi ultrapassado por Verstappen e tentou uma tática diferente, visitando os boxes novamente. O alemão demorou demais a encontrar Hamilton e só o ultrapassou na penúltima volta. Vettel quase beliscou o pódio quando já tinha Bottas na alça de mira, mas a corrida terminou antes de qualquer ataque. O problema mecânico no treino de ontem, somado à besteira da Ferrari no primeiro pit-stop de Vettel poderiam ter mudado completamente a corrida de Seb e até mesmo o vencedor. A Mercedes teve de longe sua pior corrida do ano, com seus dois pilotos sofrendo com superaquecimento e Hamilton numa jornada irreconhecível, tendo que se conformar com uma opaca quinta colocação, mas nem por isso o hexa não está em questão, já que o vice Bottas também não fez uma corrida para recordar.

Mesmo com uma pontinha de ciúme ao ver a Honda triunfar, a McLaren tem o que comemorar. Com a metade do campeonato chegando, a tradicional equipe vai se firmando como a melhor do segundo pelotão. Lando Norris fez uma corrida estupenda, chegando a brigar com seu compatriota Lewis Hamilton na primeira volta, antes de superar Kimi Raikkonen, que tem o dobro de sua idade. Norris não apenas superou o nórdico, como segurou Gasly, que tinha o mesmo carro do vencedor de hoje. Enquanto o novato Norris fazia uma bela corrida na frente, vindo de trás Carlos Sainz não deixou por menos. O espanhol foi punido por uma troca de motor e largou na última fila, mas numa corrida de recuperação sensacional, Sainz chegou em oitavo, ganhando onze posições com relação aonde largou, fazendo com que a McLaren suplantasse a Renault, que finalizou o final de semana austríaco zerada. A Alfa Romeo conseguiu colocar seus dois carros na zona de pontuação, com Raikkonen sempre brigando pela pontos, enquanto o italiano Giovinazzi conseguindo seu primeiro ponto na F1 e o primeiro da Itália em oito anos. Numa corrida sem abandonos, Racing Point superou Toro Rosso e Haas, com a equipe americana tendo um ritmo de corrida assustador. Num circuito curto, novamente Russell colocou uma volta em Kubica. A volta do polonês começa a ficar bastante desagradável.

Depois de muito tempo, pode-se afirmar que a F1 superou a MotoGP no quesito emoção, muito graças a exibição mitológica de Max Verstappen. Enquanto a Red Bull for se acertando com a Honda, o holandês pode apenas nos dar pequenos lampejos de sua capacidade, mas pelo o que mostrou hoje na corrida caseira de sua equipe, Ferrari e Mercedes, Hamilton, Vettel e Leclerc podem começar a ficar com as barbas de molho. Quando a Red Bull acertar, Max Verstappen mostrou que pode liderar o time. Imaginem se uma corrida como essa acontecer nas vésperas do Grande Prêmio da Holanda do ano que vem? A torcida holandesa gritará muitos gols nas arquibancadas de Zandvoort!

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