Poucos pilotos são tão idolatrados quanto ele, mesmo que não haja tantas imagens sobre sua coragem e talento. Se é complicado assistir alguma coisa sobre Juan Manuel Fangio na década de 1950, imaginem encontrar algo de Tazio Nuvolari, ás italiano que foi a grande estrela do automobilismo mundial nas décadas de 1920 e 1930. De físico franzino, mas com uma coragem imensa, Nuvolari para sempre atiçou nossa imaginação sobre os seus feitos num automobilismo extremamente perigoso. Completando 125 anos do seu nascimento, vamos ver um pouco de Tazio.
Tazio Giorgio Nuvolari nasceu no dia 16 de novembro de 1892 em Casteldrio, cidadezinha próxima à Mântua, que lhe garantiria o apelido mais tarde. Nuvolari começou sua carreira nas motos, que lhe foram apresentadas por um tio, um negociante da região. Tazio conseguiu sua licença com apenas 23 anos de idade e logo em seguida se alistou no exército italiano durante a primeira guerra mundial. Foi motorista de ambulância e com certeza deve ter salvado a vida de muitos feridos pela velocidade com quem chegava aos hospitais! Finda a guerra, Nuvolari começa sua carreira no motociclismo, mas o italiano já era casado e tinha um filho, ou seja, não poderia viver unicamente para correr e ainda tinha que sustentar sua família. Comprando e preparando suas próprias motos, Tazio fez sua primeira corrida em 1920 em Cremona, mas não demorou muito para ele chamar a atenção das grandes montadoras italianas, principalmente quando venceu a Coppa Verona em 1921. Ele foi contratado pela Bianchi e como piloto oficial, se tornou campeão italiano de motociclismo das 350cc. Não existia um campeonato propriamente dito naquela época e quando Nuvolari venceu o Grande Prêmio da Europa em 1925, foi considerado Campeão Europeu. Porém, até aquele momento Tazio Nuvolari não impressionava os críticos de motociclismo, mesmo lhe reconhecendo muita velocidade. Porém, Tazio sofreu um acidente sério nos treinos para o Grande Prêmio das Nações de 1925 em Monza e teve as duas pernas quebradas. Os médicos lhe disseram que ele levaria um mês para voltar a correr. Nuvolari não pensava assim. Com almofadas, bandagens e sendo praticamente amarrado à moto, Nuvolari largou para a corrida no dia seguinte e venceu! Começava a lenda da incrível coragem e audácia de Tazio Nuvolari!
Naqueles tempos era muito comum pilotos de motos se transferirem para os carros e até mesmo participar de campeonatos de duas e quatro rodas simultaneamente. Nuvolari experimentou os carros pela primeira em 1923, com uma Alfa Romeo. No ano seguinte conquista sua primeira vitória e quando a lenda Antonio Ascari morreu, Nuvolari foi contratado para substitui-lo em 1925, mas um acidente de moto fez com que Tazio não corresse em Monza, local do que seria sua primeira corrida como piloto oficial da Alfa e teve seu contratado reincidido. Ainda se recuperando das fraturas do ano anterior, Nuvolari não se destaca em 1926 nas motos e nos carros, mas para o ano seguinte ele toma uma decisão que marcaria sua vida: ele se dedicaria somente aos carros. Com sua mulher grávida do segundo filho, Tazio Nuvolari aposta tudo em sua carreira e compra dois Bugattis, montando sua própria equipe. Nuvolari chama seu antigo rival e amigo dos tempos da motovelocidade Achille Varzi. Mesmo com carros inferiores, Nuvolari impressiona ao conquistar vitórias no Grande Prêmio Real de Roma, no circuito de Trípoli e no circuito de Pozzo. Porém, isso causa irritação em Varzi, que deixou a equipe de Tazio e por ser filho de um rico empresário, tem condições que comprar um moderno Alfa Romeo P2. Além de iniciar uma das primeiras grandes rivalidades do automobilismo! Nuvolari/Varzi entraria para a história como uma das rivalidades mais renhidas dos primeiros tempos do automobilismo, além de ter sido de dois monumentos dos anos 1930. Uma das corridas mais conhecidas acontecera na Mille Miglia de 1930. Nuvolari tinha sido contratado pela Alfa no ano anterior e voltaria a ser companheiro de equipe de Varzi, mesmo os dois não se dando bem. Varzi liderava a longa e perigosa corrida italiana com sobras, mas Nuvolari se aproximava rapidamente. Sabendo que não teria vida tranquila contra o seu 'companheiro' de equipe, Tazio teve uma ideia aos mesmo tempo arriscada, mas muito sagaz. A corrida terminava já de noite na cidade de Brescia e quando Nuvolaria avistou Varzi, simplesmente desligou os faróis do seu carro, para não ter sua presença percebida por Varzi pelos retrovisores, que a essa altura corria tranquilamente. Já faltando poucos quilômetros para o fim, Varzi foi surpreendido quando foi ultrapassado por um vulto. Era Nuvolari! Que ao ultrapassar um estupefato Varzi, acendeu os faróis e partiu para uma vitória épica!
Depois desta corrida, Tazio Nuvolari continuava pilotando carros da Alfa Romeo, porém, sem contrato fixo, vencendo em 1930 o Tourist Trophy. Vendo sua posição ameaçada, Achille Varzi impõe um escolha à equipe: ou ele ou Nuvolari. De forma surpreendente a Alfa Romeo fica com o jovem piloto e Nuvolari vai correr pela Bugatti, de forma particular. Não demorou muito para o piloto italiano correr para Enzo Ferrari, escuderia que preparava os carros da Alfa Romeo e em 1931, vence o Grande Prêmio da Itália, em Monza. Era o início de uma relação entre dois gigantes do automobilismo italiano: Ferrari e Nuvolari. Em outra história conhecida, Nuvolari pediu a Enzo Ferrari que um mecânico o acompanhasse durante a Targa Florio de 1932. Como era muito leve, Tazio queria alguém de pouco peso, mas que ficasse ao seu lado e compensasse o deslocamento de peso. Enzo Ferrari só pediu para que Tazio não assustasse o jovem mecânico. Nuvolari combinou com o mecânico que a cada curva muito rápida, ele pediria para o 'carona' se abaixar, para não deixa-lo em pânico com as loucuras que Tazio fazia ao volante. Com a vitória de Nuvolari, Ferrari foi perguntar ao mecânico como tinha sido a experiência. "Não sei. Na primeira curva ele pediu para me abaixar e fiquei a corrida inteira no chão do carro!" Tazio vence na Itália, França e Monte Carlo, mas perde o campeonato europeu para Borzacchini por quatro pontos. Mesmo bastante admirado por Ferrari, Nuvolari briga com o chefe de equipe e em 1933 se muda para a Maserati, mas com um carro inferior à Alfa Romeo, não consegue grandes resultados. Nesse ano ele participa das 24 Horas de Le Mans ao lado de Raymond Sommer e estava prestes a vencer a tradicional prova, quando teve o tanque de combustível furado, mas Nuvolari garantia o recorde da pista. Por sinal, batido nove vezes durante a corrida pelo italiano!
Se antes os maiores rivais de Nuvolari eram os times e pilotos italianos, a partir de 1934 ele conheceria rivais ainda mais poderosos. Turbinado com investimento público para mostrar a supremacia da indústria nazista, Mercedes e Auto Union estreavam com carros bem mais potentes e modernos do que as Alfas, Maseratis e Bugattis. De repente os carros italianos se tornaram obsoletos. Para azar de Nuvolari, Varzi chegou primeiro à Auto Union e quando o time alemão tentou contrata-lo em 1935, Varzi imediatamente o vetou. Nuvolari teve que correr pela Alfa Romeo, mesmo tendo um relacionamento tortuoso com Enzo Ferrari, que primeiramente o rejeitou, mas teve que contrata-lo por pressões políticas. Para o Grande Prêmio da Alemanha, Mercedes e Auto Union se esmeraram para conseguir a vitória na frente de todos os altos dirigentes do partido Nazista que patrocinavam o esforço alemão no automobilismo. Porém, Nürburgring começou o dia com o seu típico clima onde as quatro estações do ano podem aparecer num único dia. Correndo com uma Alfa nitidamente inferior, Nuvolari fez a corrida de sua vida e para muitos, uma das maiores exibições da história do automobilismo. Era a 'vitória impossível'. Pois Tazio, aos 43 anos de idade, fez o impossível e na frente dos dirigentes do Terceiro Reich, venceu o Grande Prêmio da Alemanha, aplaudido por mais de 300.000 pessoas. Conta a lenda que a vitória alemão estava tão certa, que não havia o disco do hino italiano...
Essa exibição de Nuvolari entrou para a história, mas era inegável a superioridade dos carros alemães naquele momento. Em 1936, a Alfa Romeo apresenta um carro mais potente, mas ainda inferior aos alemães. Com este carro Nuvolari vence os GPs da Espanha e da Hungria e também a Copa Vanderbilt, em Nova York. Ele sofreu um grave acidente durante os treinos para o GP de Tripoli, mas fugiu do hospital, pegou um táxi para a pista, onde terminou em sétimo num carro reserva. Nuvolari estava cada vez mais frustrado com a falta de competitividade e confiabilidade da Alfa Romeo, anunciando sua aposentadoria no início de 1938. Após a morte de Bernd Rosemeyer em 1938, a Auto Union estava desesperada por um piloto que pudesse dominar seu carro arisco. Apenas um piloto bastante habilidoso seria capaz de guiar um carro com motor central e muito difícil de controlar. E a escolha era fácil. Por indicação de Ferdinand Porsche, Nuvolari foi contratado pela Auto Union, onde venceu o Grande Prêmio da Inglaterra em Donington Park e logo depois faturou a vitória em Monza. Porém, um cenário ainda mais ameaçador pairava pela Europa. O avanço nazista, infelizmente, não era apenas no automobilismo. A segunda guerra mundial estava batendo a porta do mundo e quando Nuvolari venceu o Grande Prêmio de Belgrado, no dia 3 de setembro de 1939, os alemães já haviam invadido a Polônia dois dias antes. Aquela seria a última corrida internacional em mais de seis anos.
Já contando com mais de 40 anos de idade, Nuvolari não se envolveu numa segunda guerra e felizmente sobreviveu sem maiores problemas ao conflito. Tazio participou das primeiras corridas do pós-guerra ainda exibindo sua gana e coragem. Durante a Copa Brezzi de 1946, o italiano chegou aos boxes com o volante numa das mãos, numa cena clássica. Em sua última Mille Miglia, em 1948, Nuvolaria aprontou outra história impressionante de resiliência. Ainda no começo da prova ele perdeu o capô do seu carro, quase atingindo sua cabeça. "Sem problemas, assim o motor esfriará mais rápido," comentou Tazio ao mecânico ao seu lado. Porém, os problemas não parariam, quando seu assento quebra e ele tem que pegar uma sacola de limões para ficar mais confortável dentro do carro. Com seu carro literalmente caindo aos pedaços, a equipe aconselhou-o a sair da corrida em Bolonha, já que Nuvolari não tinha nada a provar. Tazio simplesmente acelerou seu carro em direção a Via Emilia. Até mesmo Enzo Ferrari lhe suplicou para que abandonasse a corrida, mas o italiano só saiu da prova quando a suspensão traseira do seu carro arriou e ficou impossível que a Nuvolari continuasse.
Nuvolari nunca anunciou formalmente sua aposentadoria, mas sua saúde se deteriorava e ele tornou-se cada vez mais solitário. Tazio sofria de asma, muito provavelmente por causa dos gases tóxicos a que esteve exposto nos anos em que correu. Em suas últimas corridas, era comum Nuvolari ter sangue em suas vestes, por causa do seu problema de saúde que só piorava. Sua última exibição foi no dia 10 de abril de 1950, em Palermo numa corrida de subida de montanha. Ele terminou em quinto, mas venceu em sua categoria. Um mês depois, a F1 nascia sem conhecer um dos melhores pilotos de Grande Prêmio da história. Em 1952, um acidente vascular cerebral o deixou parcialmente paralisado. Dizia-se que Nuvolari queria morrer no esporte que ele amava tanto, mas isso não foi possível. Em 11 de agosto de 1953, nove meses depois do seu AVC, ele sofreu um segundo AVC e acabou morrendo aos 60 anos de idade. Entre 25.000 e 55.000 pessoas, pelo menos metade da população de Mântua, participaram de seu funeral em uma procissão, com o caixão colocado em um chassi de carro que foi empurrado por Alberto Ascari, Luigi Villoresi e Juan Manuel Fangio. Como era seu desejo, ele foi enterrado em seu uniforme - camisa amarela e calça azul. Tazio Nuvolari entrou para a história como uma lenda pouco vista, mas para quem teve a sorte vê-lo, nunca o esqueceu. Mesmo com alguns problemas de relacionamento, anos depois Enzo Ferrari voltaria a falar com Nuvolari e disse que somente um piloto o fez lembrar o piloto italiano em termos de coragem e habilidade: Gilles Villeneuve. Nuvolari foi homenageado de todas as formas pela comunidade automobilística mesmo com quase 65 anos depois de sua morte. E de forma justa. Conta a lenda que quando Enzo Ferrari foi para o velório de Nuvolari, acabou se perdendo e foi pedir ajuda a um encanador. O senhor não conheceu Enzo, mas ao identificar a placa de Modena imaginou que aquele senhor tinha vindo homenagear Tazio. "Obrigado por ter vindo. Um homem como esse não nascerá de novo". Realmente poucos podem ser comparados à Tazio Nuvolari.
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