sábado, 31 de março de 2018

O roqueiro da F1

Sua imagem ao lado de uma modelo em trajes sumários com as cores de sua equipe podem soar escandalosos nesse mundo (chato) politicamente correto, mas Eddie Jordan foi um dos chefes de equipe mais populares e influentes da F1 nos anos 1990, além de ter feito sua equipe sair praticamente do nada para brigar pelo título no final da década. Completando 70 anos, vamos ver um pouco da trajetória desse irlandês que marcou época na F1 fora das pistas.

Edmund Patrick Jordan nasceu no dia 30 de março de 1948 em Dublin, na Irlanda. De família muito católica e com uma tia freira, por incrível que pareça Eddie chegou a pensar em se tornar padre, mas aos 15 anos ele decidiu que se tornaria dentista. Nem uma coisa, nem outra. Jordan entrou para a Faculdade de Comércio de Dublin e logo conseguiu um emprego no Bank of Ireland, como caixa de banco. Em 1970 Jordan foi para a ilha de Jersey passar férias e ao ver uma corrida de kart, decide entrar no automobilismo tardiamente, pois já tinha 22 anos de idade. No ano seguinte Eddie conquistaria o título irlandês de kart e em 1974 estrearia nos monopostos pela F-Ford, se tornando campeão irlandês da categoria, além de participar do fortíssimo certame inglês. Com o título do seu país nas mãos, Jordan se gradua para a F3 em 1975, mas um sério acidente em Mallory Park lhe quebra ambas as pernas e o irlandês passa o ano de 1976 de fora das corridas. Já próximos dos 30 anos e sem as conquistas que esperava, Jordan começa a pensar em mudar de lado da pista. Em 1978 ele funda a Team Ireland e compete ao lado de Stefan Johansson na F3 Inglesa, com o jovem sueco conquistando muito sucesso, enquanto Jordan venceu algumas corridas e chegou até mesmo a testar pela McLaren!

Porém, Jordan já percebia que dificilmente conseguiria atingir a F1 atrás do volante e em 1980 funda a Eddie Jordan Racing, para correr de F3. O sucesso não viria rapidamente para Eddie, mas em 1983 ele contrata o inglês Martin Brundle e a aposta seria certeira. Contra a coqueluche das categorias inglesas da época, Ayrton Senna, Brundle protagoniza uma disputa que entraria para a história da F3 Inglesa e apesar de um arranque na metade final do campeonato por parte de Brundle, Senna conquista o título, com direito a um lance polêmico, quando Senna bate em Brundle. Jordan sempre admiraria o talento de Senna. Jordan estabelece sua equipe como um das melhores da F3 Inglesa, mas o título só viria em 1987, com Johnny Herbert. Com apoio da Camel, Jordan aproveita o bom momento de Herbert e gradua sua equipe para a F3000, na época a categoria que era a ante-sala da F1. Mesmo sendo uma equipe estreante na categoria, Jordan consegue sucesso imediatamente com Herbert e o irlandês Martin Donnelly, mas o grave acidente de Herbert em Brands Hatch foi um enorme baque para a equipe, porém o recado estava dado. A Jordan tinha chegado para ficar e para 1989 o time contrata a nova estrela francesa do momento, Jean Alesi. Numa disputa contra o compatriota Erik Comas, Alesi conquista o título da F3000 com três vitórias, praticamente lhe garantindo um lugar na F1 em 1990, após uma bela estreia ainda em 1989 no Grande Prêmio da França. Esse também era o objetivo de Eddie Jordan e o irlandês começaria os seus movimentos para dar o importante passo para a F1.

Mesmo tendo como pilotos Eddie Irvine e Heinz-Harald Frentzen, Jordan não bisa o campeonato da F3000, mas o irlandês já negociava para estrear na F1 em 1991. Nacionalista inveterado, Jordan anunciava que sua equipe seria all-irish, utilizando os mesmos mecânicos e engenheiros que o acompanhavam desde a F3. Um desses engenheiros era Gary Anderson, que tinha sido projetista na Reynard e que assinaria os primeiros carros da Jordan na F1. Quando o carro ficou pronto, o piloto convidado a testar o modelo 191 foi o irlandês John Watson. O carro parecia bom, mas faltava o principal: dinheiro. Jordan percorreu o mundo atrás de fundos e acabou conseguindo o patrocínio da 7Up. De desenho fluído e muito belo, o carro verde de Eddie Jordan entraria para a história como um dos mais icônicos da F1 na década de 1990. E de forma surpreendente, o carro também era muito bom. Jordan aceitou de bom grado o dinheiro da Marlboro que sempre acompanhava Andrea de Cesaris, além de Bertrand Gachot, que havia corrido pela Jordan nas categorias de base inglesa. A temporada de estreia estava indo de vento e popa, quando Gachot foi preso por um briga de trânsito faltando poucos dias para o Grande Prêmio da Bélgica, que poderia trazer bons fundos para a equipe por causa de Gachot. Sem muita gente disponível, Jordan aceitou sem maiores problemas os 150.000 dólares da Mercedes para por em seu carro o jovem alemão Michael Schumacher. O primeiro teste de Michael foi assombroso, assim como a primeira corrida, onde Schumacher largou em sétimo, mas abandonou após algumas curvas em Spa. A Jordan estava muito bem na pista belga e De Cesaris estava em segundo quando quebrou o motor faltando poucas voltas para o fim. O líder Senna estava com problemas sérios no câmbio e muito provavelmente De Cesaris e Jordan poderiam ter vencido naquele dia. Para uma equipe estreante, o quinto lugar no Mundial de Construtores estava muito acima do que Eddie Jordan até sonhava, mas no final de 1991 o time estava sem dinheiro até mesmo para correr a temporada seguinte. Tendo perdido Schumacher para a Benetton, a Jordan teve que aceitar o motor Yamaha apenas por não ter que pagar nada por ele em 1992. Stefano Modena tinha feito boas corridas em 1991, mas estava decepcionado que isso não tenha significado um lugar numa equipe grande, enquanto Gugelmin já estava em sua quinta temporada sem nada a mostrar de destaque. Somado a isso ao fraco motor Yamaha, Jordan teve uma temporada muito ruim em 1992, só marcando um ponto na última corrida do ano.

Eddie Jordan ainda enfrentava dificuldades financeiras e por isso, não poderia investir em bons pilotos para 1993, mas ele ainda poderia usar seu faro para detectar bons jovens pilotos e no final de 1992 ele testou o jovem Rubens Barrichello, que vinha fazendo um ótimo trabalho nas categorias de base, além de trazer bons patrocínios. Barrichello é contratado e a Jordan teria o barato motor Hart. Porém, provando o quanto ainda teria dificuldades financeiras, o segundo carro mudou de mãos várias vezes em 1993, enquanto Barrichello era o principal piloto da equipe e a aposta de Jordan daria certo já no final do ano, quanto Rubens marca seus primeiros pontos na F1 em Suzuka, sem contar a bela exibição de Rubens em Donington Park. No Japão, Jordan se reencontra com o compatriota Eddie Irvine, que trazia dinheiro local e o irlandês estreia na F1 marcando pontos, mas também levando um sopapo de Ayrton Senna, irritado com uma fechada que levou de Irvine e invadiu o boxe da Jordan para tirar satisfação. Pela primeira vez em três anos, a Jordan iniciava uma temporada com alguma estabilidade, pois Barrichello e Irvine seriam mantidos para 1994, além do motor Hart. Isso se mostraria essencial, pois Rubens Barrichello começaria a temporada muito bem, inclusive dando o primeiro pódio à Jordan em Aida. Porém, o acidente de Rubens em Ímola faria com que a Jordan voltasse a ter instabilidade, quando novamente Spa entrou na vida de Eddie Jordan. O tradicional clima complicado na Bélgica fez das suas e Rubens Barrichello aproveitou um momento em que a pista estava mais seca e estava com pneus slicks para marcar a sua primeira pole da carreira, além da primeira de Eddie Jordan na F1. O time marcaria pontos de forma constante e novamente era quinto no Mundial de Construtores. A Jordan se tornava uma equipe atraente na F1 naquela época, pois já havia conquistado ótimos resultados, mesmo com recursos limitados. Isso chamou a atenção da Peugeot, que tinha feito uma parceria ligeira com a McLaren e vendo o crescimento da Jordan, assinou uma parceria com a equipe irlandesa. Eddie Jordan agora dirigia uma equipe de fábrica!

A pré-temporada de 1995 foi muito boa para a Jordan, com algumas voltas muito rápidas, fazendo Barrichello prometer até mesmo vitórias durante a temporada vindoura. Porém, Jordan tinha feito o velho expediente de marcar tempos rápidos com configuração de classificação para ganhar manchetes nos jornais. Quando a temporada começou de verdade, a Jordan estava praticamente no mesmo lugar de antes, tentando sempre marcar pontos com o infortúnio alheio. Barrichello ainda viu o carro se ajustar melhor à Irvine e o irlandês chegou a ser mais rápido do que o brasileiro, convencendo a Ferrari a contrata-lo no final desse ano. Porém, no melhor resultado da Jordan em 1995, era Barrichello que estava na frente. Em Montreal, vários abandonos aconteceram e a Jordan se viu em segundo e terceiro, mesmo que seus pilotos tivessem que diminuir o ritmo por causa do combustível. Assim como acontecera em Donington Park, a Jordan calculou o combustível pensando em tomar voltas, porém, dessa vez o final foi feliz e Barrichello e Irvine subiram ao pódio. Perdido a briga interna para Irvine, Barrichello desanima para 1996, mas a Jordan não tinha do que reclamar. Além do apoio oficial da Peugeot, o time assinara um contrato milionário com a Benson & Hedges, pintando o carro de amarelo, o que seria uma das marcas registradas da Jordan. A Jordan começava a se estruturar para se tornar uma equipe grande, mas 1996 não seria o ano da consagração, com o time praticamente repetindo os mesmos resultados dos anos anteriores e Rubens Barrichello, após três anos, saindo da equipe. Ainda apostando em jovens talentos, Jordan contrata Giancarlo Fisichella e Ralf Schumacher para 1997 e ambos teriam uma temporada turbulenta, inclusive um toque entre eles em Buenos Aires. Nessa corrida Ralf sobe ao pódio, se tornando o mais jovem a fazê-lo, enquanto Fisichella sobe duas vezes ao pódio, faz a volta mais rápida em Barcelona e briga pela vitória em Hockenheim, sendo traído pelo motor já no final da prova.

A Jordan é novamente quinta colocada no Mundial de Construtores, mas com mais dinheiro para investir, Eddie Jordan contrata o campeão de 1996 Damon Hill, enquanto troca a Peugeot pelo Mugen Honda, sendo uma espécie de equipe não-oficial da Honda. Num ano de mudanças drásticas de regulamento, a Jordan teve uma primeira metade de 1998 muito ruim, sem marcar pontos. Foi então que Spa veio. Além da chuva. Numa corrida muito conturbada, Damon Hill escapa dos acidentes e vence de forma surpreendente. Eddie Jordan vibra como nunca sua primeira vitória e cantou emocionado o hino irlandês, que tocava pela primeira vez no pódio da F1. Com a vitória (na verdade uma dobradinha), a Jordan consegue melhores resultados na segunda metade da temporada e o resultado foi o quarto lugar no Mundial de Construtores, melhor posição da Jordan até então. Para 1999, a Jordan contrata seu antigo piloto Frentzen para o lugar de Ralf, que ficou bem irritado em Spa por ter recebido uma ordem de não atacar Hill nas voltas finais. Frentzen havia decepcionado em sua passagem na Williams e precisava de uma recuperação na carreira. A Jordan estava em claro desenvolvimento, com sua equipe cada vez mais estruturada. Foi a senha para a melhor temporada da equipe de Eddie Jordan.

McLaren e Ferarri eram as melhores equipes, mas Frentzen sempre marcava pontos como o melhor do resto depois das duas equipes bicho-papão da época. Então, Michael Schumacher quebrou a perna em Silverstone e Mika Hakkinen sofria com a confiabilidade da McLaren. Enquanto isso, Frentzen amealhava pontos e pódios. Em Magny-Cours, numa corrida debaixo de muita chuva e onde a Jordan foi muito esperta na estratégia, Frentzen venceu pela primeira vez na temporada. Por causa dos problemas dos demais pilotos favoritos ao título, Frentzen entrava na briga e se a vitória na França foi circunstancial, em Monza Frentzen venceu com autoridade, entrando de vez na batalha pelo título. Na prova seguinte, em Nürburgring, Frentzen conquista a pole e dava pinta de ser a zebra do milênio à bordo da Jordan, mas após um pit-stop, o alemão tem problemas elétricos quando liderava e dava adeus ao título. Damon Hill fez uma temporada de despedida para esquecer, mas Frentzen foi escolhido por muitos como o melhor piloto de 1999, com seu terceiro lugar no Mundial de Pilotos, mesma posição da Jordan no Mundial de Construtores.

Para o ano 2000 a expectativa era ótima, mas a evolução de Ferrari e McLaren fez com que a Jordan ficasse longe de repetir os bons resultados do ano anterior. O novo contratado Jarno Trulli mostrava uma velocidade exuberante nos treinos, mas não repetia na corrida, enquanto Frentzen caía de rendimento a olhos vistos e ainda se envolveu num acidente em Monza que acabou matando um bombeiro. Para 2001, a Honda anuncia que voltava oficialmente à F1 e a escolha óbvia seria a Jordan, mas a BAR também estava no páreo para ser parceiro dos japoneses, iniciando uma briga particular entre BAR e Jordan. Para tentar agradar a Honda, a Jordan demite Frentzen de forma polêmica no meio da temporada para abrir espaço para Takuma Sato, que venceu a F3 Inglesa naquele ano. A Jordan garantia o motor Honda em 2002, mas começava o seu rápido declínio. Num ano em que a F1 começava a ter menos abandonos e apenas os seis primeiros marcavam pontos, a Jordan amealhou poucos pontos em 2002 com Fisichella e Sato. Porém, o pior era ter sido superada pela BAR, que ganhou a disputa com a Jordan e se tornou equipe oficial Honda em 2003. Lembrando seus tempos em que sobrevivia praticamente corrida a corrida, Eddie Jordan teve que se virar para ter um carro minimamente competitivo no ano seguinte. Conseguiu os motores Cosworth, mas preferiu chama-los de Ford para garantir patrocinadores, além de contratar Ralph Firman apenas por causa dos patrocinadores que ele trazia do Japão. A expectativa era baixíssima e as primeiras corridas diziam que 2003 poderia ser muito ruim para a Jordan, mas a F1 sempre foi capaz de surpreender. Numa tempestade tropical em São Paulo, o Grande Prêmio do Brasil se realizou num verdadeiro caos e Giancarlo Fisichella se aproveitou para desviar dos problemas e aparecer logo atrás do líder Raikkonen. O italiano ultrapassou o piloto da McLaren, mas logo em seguida a corrida foi interrompida por acidentes de Webber e Alonso. Fisichella chegou a comemorar a vitória, enquanto seu carro pegava fogo, porém, foi o próprio Eddie Jordan que contou ao italiano que a vitória era de Kimi. Ou não? Dias mais tarde os comissários calcularam que a bandeira vermelha aconteceu duas voltas antes do esperado e quem liderava era mesmo Fisichella. Quinze dias depois Fisichella e Jordan recebiam o troféu de vencedor.

Mas esse foi praticamente o último suspiro da Jordan. Como esperado, a Jordan fez uma temporada muito ruim e para piorar, Eddie Jordan perdeu um custoso processo contra a Vodafone. Para 2004 Eddie Jordan lutou para manter sua equipe na F1, chegando até a colocar a palavra Lazarus na lateral do carro, em ligação ao personagem bíblico que voltou dos mortos. Mesmo tendo Nick Heidfeld como um dos pilotos, o segundo carro seria do italiano Giorgio Pantano, que chegou a rodar durante a volta de apresentação do Grande Prêmio da Malásia. Com pouco financiamento e um carro fraco, a Jordan ficou à frente apenas da Minardi. No início de 2005 Eddie Jordan vendeu sua equipe para o obscuro empresário canadense Alex Shnaider, dono do grupo Midland. Apesar de correr de amarelo e com o nome Jordan, o velho Eddie não estava mais lá. Em 2006 a Jordan finalmente saiu da F1 após quinze anos.

Muito se falou que Eddie Jordan poderia ter vendido sua equipe para a Peugeot ou a Honda, mas ele preferiu manter seu espírito garagista e nacionalista. Na época da Copa de 1994, Jordan brincou bastante com os resultados da sua seleção. Por sinal, bom humor era uma das marcas de Eddie Jordan, sempre com entrevistas espirituosas, fazendo-o uma das personagens mais populares do paddock. Sempre que podia, Jordan tirava uma casquinha das grid-girls de sua equipe. Baterista nas horas vagas e roqueiro de coração, Jordan foi um dos caras mais legais da F1 na década de 1990 com sua peruca que diziam ser tão autêntica, que até caspa tinha!

Parabéns!
Eddie Jordan   

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