O tufão Hagibis mexeu com todo o final de semana do Grande Prêmio do Japão, com a classificação ocorrendo domingo de manhã, horário nipônico, e a corrida menos de três horas depois. Se a Ferrari vai confirmando seu ótimo desempenho em uma volta rápida, a Mercedes ainda se mantém com o melhor ritmo de corrida e os tedescos venceram novamente nesse domingo, desta vez com Valtteri Bottas, ajudado por uma estratégia no mínimo peculiar da Mercedes, que tirou de Hamilton não apenas a chance de vencer, mas ainda ficou atrás de Vettel. O inglês demonstrou sua irritação durante e depois da corrida, mas o hexacampeonato da Mercedes garantido em Suzuka deixou tudo isso para trás. Desde 2014 dominando a F1, esse período glorioso dos alemães já entrou para a história da F1 de como a Mercedes passou como um tufão sobre Ferrari e Red Bull.
Suzuka pode ser uma pista espetacular e sendo a preferida de vários pilotos, mas o tradicional circuito japonês muitas vezes não trás junto a emoção de uma boa corrida para os fãs da F1. Pista de curvas de alta e com poucas retas entre elas, ultrapassar em Suzuka é uma tarefa difícil em tempos de carros muito dependentes da aerodinâmica e assim foi mais uma vez. A classificação ocorrida ainda na noite de sábado no Brasil viu a Ferrari dominar a primeira fila de forma até mesmo surpreendente, já que a Mercedes chegou a enfiar 1s nas rivais nos treinos livres. Vettel desta vez superou Leclerc com direito a recorde da pista japonesa, mas a corrida seria decidida na largada e mais uma vez a Ferrari entregou a rapadura. Primeiro Vettel vacilou na largada e só não foi punido por queima por os comissários estarem bonzinhos demais e, afinal, punir a Ferrari repetidamente não faz muito bem ao delicado equilíbrio político da F1. Mesmo assim o alemão foi ultrapassado facilmente por Bottas, que saiu de terceiro para primeiro ainda antes da freada da primeira curva. Um pouco mais atrás Leclerc também não saiu bem e era atacado por Max Verstappen, numa estupenda largada do piloto da Red Bull. O monegasco alargou sua curva de forma inexplicável e bateu no holandês, que rodou e caiu para último com o carro danificado. Hamilton teve o azar de ficar atrás de Leclerc, que teve a asa dianteira danificada e por duas voltas o piloto da Ferrari correu assim, chegando a destruir o retrovisor direito de Hamilton, com a asa da Ferrari se despedaçando. O toque em Verstappen somado as duas voltas com a asa quebrada fez Leclerc ser punido duplamente depois da corrida. Enquanto isso Bottas disparava na frente, seguido por Vettel e Hamilton. A partir desse momento, a corrida se tornou um tabuleiro de estratégias. Vettel foi o primeiro a parar e como colocou pneus macios, dava a deixa que pararia mais uma vez. Bottas parou logo em seguida e mesmo colocando pneus médios, a Mercedes já entregava que o finlandês pararia outra vez. E Hamilton não.
O inglês ficou na pista mais algumas voltas antes de fazer sua parada e com pneus médios, teria que fazer um longo stint até a bandeirada. Ou não? Quando Bottas e Vettel fizeram suas paradas como o esperado, o nórdico não aumentou seu ritmo, pois foi avisado que Hamilton pararia mais uma vez, para surpresa do próprio Bottas. Com 10s de vantagem e pneus aparentemente em ordem, era claro que Hamilton não necessitava de uma segunda parada com poucas voltas para o fim, mas a Mercedes o chamou mesmo assim. Para desespero de Lewis, ele retornou atrás de Vettel e mesmo quebrando o recorde oficial de Suzuka que durava desde 2005, Hamilton não foi capaz de ultrapassar Vettel na complicada pista de Suzuka. Bottas não se importou muito e numa corrida em que tomou as rédeas desde a largada, voltou a vencer depois de seis meses, praticamente garantindo o vice-campeonato desse ano. Mesmo a Mercedes em festa pelo esperado título, Hamilton não parecia muito feliz, mas a sua segunda parada hoje foi mais política do que tática. Em tempos de mudanças constantes de técnicos de futebol no Brasil, ouvi uma frase muito interessante que teria sido dita por Carlo Ancelotti, famoso técnico italiano: Mais do que saber de tática, um técnico hoje é um gestor de pessoas. Pois Toto Wolff é, muito provavelmente, um dos grandes gestores do domínio da Mercedes nos últimos anos. O austríaco foi trazido da Williams em 2012 para substituir Norbert Haug na Mercedes e ao lado do falecido Niki Lauda, trouxe as pessoas certas para transformar a equipe na potência atual. Ao convencer Lewis Hamilton trocar a zona de conforto que tinha na McLaren para o desafio de fazer a Mercedes superar as então dominantes Ferrari e Red Bull, Wolff garantia a reserva de talento. Olhando para o carro, trouxe pessoas do quilate de Aldo Costa e James Alisson, mesmo preterindo Ross Brawn. Estava garantida a reserva técnica. Quando viu a guerra civil que se tornou a Mercedes na luta aberta entre Hamilton e Nico Rosberg, Wolff percebeu que ter dois galos no mesmo galinheiro poderia trazer graves problemas dentro da equipe.
Quando Nico se aposentou de forma abrupta no final de 2016, Wolff aproveitou para deixar Hamilton ainda mais confortável dentro da equipe. Sendo agente de vários pilotos, o austríaco trouxe para o time Valtteri Bottas, um piloto capaz de vencer corridas, mas não encher o saco de Hamilton, que mesmo cada vez mais maduro, demonstra funcionar melhor quando tem a equipe em torno de si. E Bottas vai ajudando a Mercedes a conseguir outro título importante, mesmo que para o público em geral tenha menor importância: o Mundial de Construtores. Com o hexacampeonato garantido hoje, a Mercedes iguala a Ferrari nos primeiros anos do milênio. Fica a pergunta: quem é melhor? A Ferrari de Schumacher, Todt, Brawn e Byrne ou a Mercedes de Hamilton, Wolff e Lauda? Apesar do domínio da Ferrari ter sido mais enfático, a Mercedes hoje tem uma base mais forte e parece cobrir todos os gaps que podem aparecer dentro e fora das pistas. Vendo o que acontece dentro da Ferrari na batalha entre a estrela consolidada Vettel e o novo leão Leclerc, Wolff não hesitou em contrariar a lógica em manter Bottas ao lado de Hamilton em 2020, mesmo que isso signifique perder o talentoso Esteban Ocon para a Renault. A Ferrari está mais forte após as férias de verão? A Mercedes não deixou de derrotar os italianos capitalizando todos os erros da Ferrari e/ou seus pilotos, sem contar que os alemães já estão concentrados no carro de 2020 e até mesmo no modelo de 2021, que terá mais mudanças por causa do novo regulamento. Para manter a harmonia da equipe, Wolff preferiu perder a dobradinha hoje, mas dar a vitória para Bottas. Hamilton vai reclamar? Vai e com razão, mas o inglês já está com o hexa no papo e uma hora dessa estará comemorando bastante com muito Chandon o incrível sexto título da Mercedes.
Vettel teve um final de semana muito produtivo ao conseguir uma excelente pole e saber segurar um Hamilton muito mais rápido do que ele nas voltas finais em Suzuka. Noves fora o erro na largada, o alemão sai de Suzuka fortalecido em outro final de semana forte. Correndo em casa a Honda esperava bem mais de sua equipe principal, mas o toque de Leclerc em Verstappen destruiu qualquer maior pretensão dos japoneses, mas a Red Bull não saiu do Japão de mãos abanando. Albon vem demonstrando ter sido uma escolha acertada, mesmo que desesperada, de Marko. Na classificação o tailandês marcou exatamente o mesmo tempo de Verstappen e na corrida fez outra boa prova, superando a dupla da McLaren de formas diferentes. Norris na pista, numa ultrapassagem agressiva na chicane Causio. E Sainz numa estratégia bem arquitetada pelo time e Albon consegue seu melhor resultado na F1 com o quarto lugar. Sainz foi outro que se destacou e ficou como o melhor do resto, chegando relativamente próximo de Albon e segurando Leclerc, que acabaria punido e perderia a sexta posição para Daniel Ricciardo, que efetuou uma grande corrida de recuperação após ter ficado no Q1 de domingo pela manhã. Conhecidos pela organização e precisão, hoje os japoneses cometeram um erro daqueles na bandeirada. Num erro ainda investigado pela FIA, a bandeirada foi dada uma volta antes do previsto numa falha do sistema. Para quem não sabe, a bandeirada mostrada é apenas simbólica, o que vale é a bandeirada eletrônica, que apareceu uma passagem antes, tanto que ninguém percebeu a presepada imediatamente, mas houve mudanças no meio do pelotão. Na entrada do que seria a última volta, Pérez saiu da pista enquanto brigava com Gasly pela oitava posição. O mexicano ficou espetado no muro de pneus, mas como a corrida tinha 'acabado' antes do incidente, Pérez acabou com os pontos do nono lugar, com Hulkenberg logo atrás. Quem acabou prejudicado com o erro foi justamente o companheiro de equipe de Pérez, Lance Stroll. Desde que saiu da Red Bull Gasly voltou a andar bem, mostrando que realmente existe a história do piloto de equipe grande e pequena. Enquanto isso Kvyat vai ficando na F1 unicamente por falta de opção da Red Bull em quem colocar no lugar do russo. Haas e Alfa Romeo fizeram corridas medíocres, enquanto a Williams fez um ótimo trabalho ao consertar o carro semi-destruído de Kubica após o polonês sair da pista e bater na classificação.
Num pódio camuflado, Bottas comemorou sua quinta vitória na F1, enquanto mais embaixo a Mercedes comemorava seu sexto título. Assim como ocorreu quando Schumacher venceu o campeonato de 2004 com uma Ferrari que parecia imbatível, a pergunta que fica agora é: quem pode segurar a Mercedes? A Ferrari demonstra força nessa metade final. A Honda investirá muito para voltar a vencer títulos na F1 com a Red Bull, enquanto a Renault, agora concentrada unicamente na sua própria equipe, ainda tentará dar o próximo passo rumo ao pelotão da frente. Enquanto isso, Toto Wolff vai gerindo toda a engrenagem de uma equipe que já entrou para a história, não sem antes dedicar esse título ao inesquecível Niki Lauda.
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