quinta-feira, 9 de março de 2017

O gigante alemão

Na virada do século 20 para o século 21, não faltaram eleições para 'O melhor do século'. No esporte foi um festival, com resultados diferentes e, claro, não faltando polêmicas. O nosso personagem ganhou vários desses prêmios, mesmo tendo 'apenas' dois títulos mundiais e meras 14 vitórias no Mundial de Rali. Lógico, ainda não havia surgido Sebastien Loeb. O alemão Walter Röhrl foi um dos grandes (literalmente) do esporte, sendo um piloto de ponta nos ralis nos anos 1970 e 1980, se tornando o único alemão a vencer um campeonato da FIA antes do surgimento de Michael Schumacher. Completando 70 anos, vamos conhecer a carreira de Röhl, conhecido como 'Longo', por ter quase dois metros de altura.

Walter Röhl nasceu no dia 7 de março de 1947 na pequena cidade de Regensburg, numa Alemanha recém-saída da guerra. De família pobre, Röhl era o terceiro filho de um pedreiro e aos dez anos viu seus pais se separarem. Mesmo com todas as dificuldades e tendo que trabalhar desde cedo para ajudar a família, Walter sempre foi apaixonado por esportes. Ainda com cinco anos Röhl começou a esquiar, onde chegou a participar de campeonatos na adolescência e foi instrutor no final dos anos 1960. Aos 12 anos, conquistou seu primeiro troféu num torneio de tênis de mesa e aos 19 anos, começou a treinar no remo, onde chegou a participar de torneios nacionais. Aos 16 anos, Röhl conseguiu um emprego na igreja de sua cidade, onde se tornou motorista da sacristia de Regensburg, além de levar o bispo local para várias viagens. O rali entrou na vida do alemão por acaso. Com vasta experiência atrás do volante pelos serviços na igreja, Röhl foi convidado por um amigo a participar do Rally da Baviera em 1968 com um Fiat Coupé. No ano seguinte, Walter chegaria num impressionante segundo lugar com o mesmo carro. O alemão conseguia bons resultados, mesmo sem poder treinar, pois ainda trabalhava na igreja. Walter sofreu um grande trauma quando seu irmão mais velho, Michael, morreu num acidente de estrada. Onze anos mais velho, Michael havia transmitido o amor pelos automóveis à Walter, que em 1971 se sagrou Campeão Alemão de Rally, mesmo ainda não sendo um piloto full-time.

Em 1973 Röhl assina seu primeiro contrato profissional como piloto, correndo pela Opel. No ano anterior, Walter conhece Jochen Berger, que seria seu navegador no começo de sua carreira e ainda em 1972, ele disputou o Rally Olimpic, onde estava bem colocado até ter problemas de motor, disputando de igual para igual com pilotos como Hannu Mikkola e Jean-Pierre Nicolas. Saindo da igreja e como piloto oficial da Opel, em 1973 Röhl participa do seu primeiro rali do Campeonato Mundial e seria um etapa bastante especial para ele: Monte Carlo. Porém, naquela época o certame mais importante do mundo era o Europeu e o alemão consegue um vice-campeonato logo de cara com quatro vitórias, derrotado pelo italiano Sandro Munari, da Lancia. Porém, o título viria em 1974, com seis vitórias, à bordo de um Opel Ascona. Em 1975 Röhl consegue sua primeira vitória no Campeonato Mundial, no famoso Rally Acrópole, batendo o segundo colocado por mais de 35 minutos. Na ocasião, ele já formava dupla com Christian Geistdörfer. Porém, essa temporada não foi das melhores, com a troca do Ascona pelo Kadett e por consequência, houve uma série de quebras mecânicas sofridas por Walter. Foi na metade da década de 1970 que Röhl começou a fazer corridas de asfalto, participando do Campeonato Alemão de Turismo em 1976 com um Opel Kadett, na tentativa de desenvolver um carro que se mostrava complexo de acertar. Com vários abandonos, Röhl passa a correr com um Fiat privado, mas com apoio da fábrica, em 1977, andando bastante próximo dos pilotos oficias da montadora. Esse fato faz a Fiat o contratar em 1978 e o alemão correria com o modelo 131 Abarth, derrotando seu companheiro de equipe e rival Markku Alén na Grécia e voltando a ganhar no Canadá. Contudo, Röhl sofreria seu pior acidente na carreira nessa temporada, no Rally de San Remo, quando saiu da estrada, caiu de uma ribanceira até desabar no telhado de uma casa. Mesmo saindo ileso do acidente, Röhl contaria mais tarde que esse foi o seu pior momento na carreira. Dono de uma tocada limpa e segura, Walter Röhl impressionava como conseguia ser veloz, sem destruir o seu carro, ganhando grande admiração de todos que acompanham o rali na época. Seu conhecimento técnico também fazia Walter uma referência para os engenheiros, que prestavam bastante atenção nas indicações do alemão. Mesmo com poucas vitórias e ainda nenhum título, Walter Röhl já era considerado o melhor piloto de sua geração, que tinha entre outros, Mikkola, Alén, Munari e Ari Vatanen. Todos lendas e campeões.

Em 1978 Röhl seria campeão alemão com o mesmo Fiat 131 Abarth que disputava o Mundial. Após um 1979 apagado, onde sofreu um acidente marcante do Rally Safari, quando levou seu carro até o fim mesmo sem o para-brisa, Röhl começou 1980 vencendo o Rally de Monte Carlo, iniciando uma temporada próxima da perfeição. Naqueles anos, as etapas do Mundial de Rally eram longas e haviam poucas provas, mas muito difíceis, onde não raro os pilotos preferiam não participar de algumas etapas. Em doze rodadas, Röhl conseguiu quatro vitórias e dois segundos lugares, derrotando o vice campeão Hannu Mikkola por larga vantagem. Porém, Röhl teria um ano de 1981 complicado e simplesmente não defendeu seu título! Após anos na Fiat, Walter sabia que o seu carro estava ficando nitidamente para trás frente aos novos carros que surgiam, como o Talbot Sunbean e o Ford Escort. Porém, havia uma nova geração de carros chegando: o afamado Grupo B. Esses carros iriam estrear em 1982, mas as montadoras interessadas já poderiam estrear seus carros em 1981. Röhl conquistou seu primeiro título (e com facilidade!) no braço, mas o alemão sabia que na Fiat ele não teria chances em 1982 e por isso assinou com a Mercedes, que tinha sido vice-campeã com Mikkola. Numa história pouco conhecida, a Mercedes foi uma equipe de ponta dos ralis, usando o modelo 500SL. Porém, a chegada marcada do Grupo B fez a Mercedes decidir abandonar o Mundial de Rali nas vésperas da abertura do campeonato, em Monte Carlo, deixando Röhl na mão, mesmo que ganhando uma bela indenização. Aproveitando esse tempo fora dos ralis, Röhl participou de várias corridas de longa duração, inclusive nas 24 Horas de Le Mans, onde terminou em sétimo com um Porsche 944 Turbo, ao lado do compatriota Jürgen Barth. Essa era mais uma demonstração do talento impressionante de Röhl, mas o alemão queria mesmo era os ralis e para retornar à cena, nada melhor do que voltar à casa que o acolheu por tanto tempo na década anterior e em 1982 Walter retornaria à Opel.

Mesmo um ano fora do Mundial de Rali, Walter Röhl mostrava que ainda era o melhor piloto do pelotão e logo em sua reestreia, o alemão vence em Monte Carlo. Röhl faz um campeonato regular, cheio de pódios e a razão era simples. Assim como aconteceu em 1980, Röhl não tinha o melhor carro do pelotão. A Audi havia estreado seu modelo Quattro com Michele Mouton e a superioridade do carro alemão era nítida, ainda que sofresse com a falta de confiabilidade. Usando sua experiência, aliado ao seu enorme talento, Röhl foi o único a enfrentar a Audi e seu carro com tração nas quatro rodas. Foram seis pódios (incluindo um segundo lugar no Brasil) e duas vitórias. Na base da consistência, Walter Röhl derrotou Mouton e se sagrou bicampeão mundial de rali. Porém, nem tudo era um mar de rosas para o alemão. A Opel tinha como chefe de equipe o inglês Tony Fall e Walter teria sérios problemas com ele. O Opel Ascona tinha como patrocinador principal a tabaqueira Rothmans e Röhl, extremamente católico, se recusava a participar de eventos publicitários por achar errado promover algo que fazia mal a saúde. A gota d'água foi Röhl ter se recusado a participar do Rally RAC, etapa muito tradicional até hoje no calendário do Mundial, mas que o alemão nunca obteve bons resultados. Mesmo campeão, Röhl foi demitido da Opel, mas ao contrário de 1980, o alemão rapidamente acharia abrigo e tentaria defender o seu título. Tentaria...

A superioridade da Audi no campeonato de 1982 alertou a todas as montadoras presentes no Mundial e a Lancia, tradicional escuderia no mundo dos ralis, tratou de construir seu carro Grupo B à toque de caixa, mas teimosamente, os italianos projetaram um carro com tração traseira. Seria fatal às pretensões da equipe e do seu novo piloto, Walter Röhl. O alemão inicia a sua defesa de título vencendo em Monte Carlo, mas a Audi e seu carro com tração integral era superior à Lancia. Novamente Röhl teria que lutar com um equipamento inferior nas mãos, mas Walter mostra todo o seu talento e velocidade, arrancando mais duas vitórias e terminando o campeonato em segundo lugar, perdendo o tricampeonato para Hannu Mikkola, da Audi. O ambiente dentro da Lancia era ruim, pois Markku Alén tinha exigido de Cesare Fiori, chefe da Lancia, o status de piloto número um dentro da Lancia, incluindo ter vantagens em eventuais jogos de equipe, mas o finlandês acabou superado por Röhl, deixando um clima de rivalidade muito grande dentro do time. Markku Alén seria o maior rival na carreira de Walter Röhl e sem muita surpresa, o alemão acabou saindo da Lancia no final de 1983. Alén seria piloto da Lancia por toda a década de 1980.

Com a Audi como atual campeã e Walter Röhl, um alemão, considerado o melhor piloto da época, era lógico um casamento entre eles. E Audi e Röhl teriam um longo casamento pela frente. Porém, Walter já contava com 37 anos de idade e o estilo do Audi Quattro exigia uma pilotagem mais agressiva, longe do que Röhl exibia. Porém, na abertura do campeonato de 1984, o alemão vencia o Rally de Monte Carlo pela quarta vez, se tornando o único a fazê-lo por quatro montadoras diferentes. Porém, esse seria um dos últimos momentos de brilho de Röhl no Mundial de rali. A expectativa de um casamento ideal se mostraria enganoso, com o alemão só completando outra etapa até o final da temporada, terminando o campeonato numa melancólica 11º posição. Para piorar, a Peugeot estreou ainda em 1984 assombrando o mundo dos ralis com um carro superior à Audi e Lancia. Acostumado a enfrentar carros melhores do que o seu, Röhl tem um bom ano em 1985, onde venceria pela última vez em San Remo, conquistando um terceiro lugar no campeonato, mas longe de deter a Peugeot, que se sagraria campeã com Timo Salonen. Para 1986, o Grupo B tinha atingido um grau de potência nunca antes vista nos ralis. "Quando participei do meu primeiro Rally de Monte Carlo, em 1973, tinha um carro de 130cv. Treze anos depois, a estrada era a mesma, os abismos eram os mesmos e até as pedras eram as mesmas. A diferença era que eu tenho um carro de 530cv", falou Röhl antes do seu rali favorito. Mortes já haviam acontecido e com a tragédia do Rally de Portugal, quando Joaquim Santos perdeu o controle do seu carro e atingiu a multidão na beira da pista, o Grupo B foi seriamente questionado. Os principais pilotos entraram em greve e dias depois da tragédia, a Audi anunciou o fim de sua passagem no Mundial de Rali. Infelizmente, foi preciso outra tragédia, com Henri Toivonen durante o Rally da Córsega, para que a FIA fizesse algo e no final de 1986, o Grupo B estava morto. Toivonen foi companheiro de equipe de Röhl na Opel em 1982 e o alemão sentiu muito a morte do finlandês. Ainda com contrato em vigor com a Audi, Röhl faria alguns ralis como piloto privado em 1987 (foi segundo colocado em Monte Carlo) e abandonou sua carreira nos ralis aos 40 anos, com 75 ralis, 14 vitórias, 31 pódios, 420 vitórias em estágios e dois títulos mundiais (1980 e 1982).

Quando abandonou os ralis, havia a sensação de que Walter Röhl ainda tinha muita lenha para queimar, se quisesse permanecer no Mundial, mas o alemão não abandonou totalmente o automobilismo. Ainda em 1987 Röhl, usando o Audi Quattro S1, bateu o recorde da insana subida de montanha de Pikes Peak. O carro nem chegou a disputar um estágio do Mundial de Rali, mas tinha absurdos 600cvs de potência, mostrando bem o quão potentes eram os carros do Grupo B. Röhl permaneceu ligado à Audi até 1992, onde chegou a participar do DTM e venceu corridas de Endurance. Em 1993 ele foi contratado pela Porsche, mas fez poucas corridas profissionais, ficando mais como piloto de testes. Da mesma forma do rali, o conhecimento técnico de Walter Röhl seria muito útil nas pistas, onde também conseguiu vitórias como nas 6 Horas de Brands Hatch, em 1981. Muitos se perguntavam se Röhl teria sucesso no asfalto, mas seus quase dois metros praticamente o descartou para uma tentativa em monopostos. Hoje, Walter Röhl vive com sua esposa na Alemanha, participando de eventos automobilísticos e ainda ligado à Porsche. Röhl ainda vive de seus áureos tempos onde foi considerado uma lenda do Mundial de Rali.

Parabéns!
Walter Röhl 

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