sexta-feira, 26 de junho de 2015

Philippe

Ele foi seriamente ferido pelo autódromo de Jacarepaguá, mas seu ferimento resultou num golpe fatal no famoso e belo circuito carioca. Enquanto Philippe Streiff está vivo e tendo uma vida relativamente normal, o circuito de Jacarepaguá hoje é um canteiro de obras para as Olimpíadas de 2016. Completando 60 anos no dia de hoje, Philippe Streiff é lembrado como um bom piloto em potencial, contudo, o francês é mais lembrado pelo o que lhe aconteceu no dia 15 de março de 1989.

Nascido em 26 de junho de 1955 em La Tronche, Philippe Streiff chegou a frequentar o curso de engenharia após seus anos de kart, mas quando ele venceu um torneio em Nogaro no final de 1977, Streiff passou a se dedicar ao automobilismo. Em 1978 Philippe estreia no Campeonato Francês de R-Renault e após bons resultados, já aparecia na F3 Europeia em 1979, seu segundo ano no automobilismo. Com apoio da fábrica francesa de lubrificantes Motul, Streiff faz boas temporadas de F3, culminando com o título francês em 1981 e um bom quarto lugar no europeu da modalidade no mesmo ano. Sua carreira sobe mais degrau e Streiff gradua para a F2 em 1982, onde fica três temporadas, conseguindo resultados satisfatórios, conquistando dois quarto lugares no campeonato, com direito à uma vitória em Brands Hatch.

Seus bons resultados chamam a atenção da Renault, que o contrata como piloto de testes em 1984 e na última corrida da temporada da F1, Streiff faz sua estreia na categoria como terceiro piloto da equipe, carregando em seu carro, uma pesada câmera para fazer as primeiras tomadas nas câmeras on-board. Desde 1982 correndo com carros da pequena equipe de corridas francesa AGS, Streiff faz um quarto ano com o time no que seria a temporada inaugural da F3000 em 1985, mas o francês não consegue bons resultados, quando o carro fica bem aquém dos Ralts de fábrica. Philippe continua seu trabalho como piloto de testes da Renault em 1985 e graças ao apoio da montadora, Streiff faz algumas provas de F1. Primeiro, substituindo Andrea de Cesaris na Ligier, mas quando Guy Ligier não corre na África do Sul por pressão da França contra o Aphartheid, Streiff é emprestado à Tyrrell, com quem tinha contrato para 1986. Quando a Ligier retorna para a última corrida de 1985, em Adelaide, Streiff reassume o segundo cockpit do carro azul de Guy Ligier. E faz uma corrida histórica, mas com final cômico.

A prova em Adelaide foi marcada pelo calor extremo e pelo desgaste de pneus. Streiff foi um dos primeiros a trocar pneus, mas com a série de abandonos durante a corrida, o francês se encontrava em terceiro lugar no final da prova, logo atrás do seu companheiro de equipe Jacques Laffite, correndo em segundo. Mais rápido do que Laffite, que trocou pneus antes do que Streiff, o jovem francês se aproxima do veterano, que sinalizava para a equipe para que as posições se mantivessem. Porém, na reta oposta durante a penúltima volta, Streiff, que diria mais tarde pensar que Laffite estava uma volta atrás, tenta ultrapassar Laffite e o toque é inevitável. Laffite acena com os braços irritado, mas seu carro estava intacto. O mesmo não acontecia com Streiff, que recebeu a bandeirada em terceiro lugar com apenas três rodas...

Mesmo com esses momentos tensos, a Ligier conseguia sua melhor corrida de 1985, mas Streiff, ainda apoiado pela Renault, seguia para a Tyrrell em 1986. Com problemas financeiros e tendo que aceitar Streiff como compensação para usar os motores Renault turbo, a Tyrrell estava longe dos momentos de glória de outrora, normalmente com o time que utilizava carros brancos na época, largando nas últimas posições. O companheiro de Streiff era Martin Brundle, um piloto bem mais badalado do que o francês, mas Philippe conseguia andar na mesma balada do inglês, que era o queridinho da equipe. Streiff marca pontos em duas oportunidades, fazendo com que a Tyrrell confiasse nele mais um ano, mesmo tendo perdido os motores Renault para 1987. Philippe teria como companheiro de equipe o inglês Jonathan Palmer e da mesma forma de 1986, Streiff andou na mesma balada do seu companheiro de equipe, novamente marcando pontos em duas oportunidades. 

Em 1988 Streiff retornava à AGS, equipe que tinha corrido em seus tempos de categoria de base e que estava em sua terceira temporada na F1. Após um ano terrível em 1987, a AGS esperava brigar por pontos em 1988, liderados por Streiff, que já demonstrava ser um bom piloto em potencial na F1. Porém, se o carro não era o mais lento do pelotão, Streiff sofreu com a parca confiabilidade do carro e o francês só viu a bandeirada cinco vezes durante o ano. Nenhuma vez nos pontos. Philippe Streiff permanece como piloto da AGS em 1989, que contrata o alemão Joachim Winkelhock como segundo piloto, além de pagar as contas da pequena equipe. Streiff era o líder técnico do projeto e piloto contratado, mas o novo carro de 1989 não estaria pronto para a primeira corrida, em Jacarepaguá. Nos anos 70 e 80, era bastante comum as equipes de F1 virem para o Brasil testar seus carros em condições quentes, mais parecidas com o que iriam encontrar durante a temporada. Em março, quinze equipes, incluindo a AGS, foi à Jacarepaguá fazer seus testes preparativos para a temporada de 1989, incluindo o Grande Prêmio do Brasil, que seria realizado no final do mês.

No dia 15 de março, com tempo bom e fazendo muito calor no Rio, Philippe Streiff saiu com seu AGS JH23B para o circuito carioca. Quando se aproximava da curva do Cheirinho, feito a mais de 200 km/h, a suspensão traseira do AGS se quebrou e Streiff perdeu o controle do seu carro. O impacto contra o guard-rail foi violentíssimo e o AGS voou sobre a proteção e capotou várias vezes antes de parar com a traseira separada da frente do carro e o cockpit de cabeça para baixo. Para piorar, o 'santantonio' do carro de Streiff não resistiu às capotagens e se rompeu. Para completar o drama, Philippe Streiff não era exatamente o manequim dos pilotos modernos, pois o francês era bastante alto. As primeiras pessoas que chegaram eram funcionários que estavam ajudando na obra para a corrida no final do mês (duas chegaram a se machucar) e sem nenhum treinamento, desviraram o carro com Streiff dentro. Incrivelmente, Streiff saiu do carro andando e chegou a dizer que estava 'tudo bem'. O francês só não deu mais passos, porque um corte no seu joelho o parou e logo chegou os verdadeiros comissários de pista. Porém, percebeu-se que além do corte no joelho e uma clavícula quebrada, Streiff estava com problemas na coluna. Se o resgate de Streiff foi completamente atabalhoado, os cuidados posteriores foram ainda piores! 

Levado de helicóptero para um hospital do Rio, descobriu-se que lá não tinha heliporto, forçando o piloto pousar em outro lugar, onde uma ambulância, ao menos, os esperava. O problema era que do local do pouso até o hospital, o caminho foi feito num caminho de paralelepípedo, onde Streiff sacolejava para todo lado dentro da ambulância, aumentando o problema em sua coluna. Chegando ao hospital, não havia o equipamento para se fazer o exame correto e um médico teve que vir de São Paulo. Quando o médico chegou ao Rio, Streiff já estava deixando de sentir o braço esquerdo. À essa altura, a esposa de Streiff estava histérica, reclamando da forma como o seu marido estava sendo tratado, dando entrevista à Deus e o mundo criticando a organização do Grande Prêmio no Rio. Uma cirurgia foi feita apenas de noite, mas mesmo sem correr risco de vida, Philippe Streiff estava definitivamente paraplégico.

Não restavam dúvidas que a desastrosa extração, translado e tratamento 'ajudou' para deixar Streiff definitivamente numa cadeira de rodas. As críticas se avolumaram sobre o circuito do Rio e sua organização. A zebra alta na curva do Cheirinho serviu como uma catapulta, que lançou o AGS de Streiff direto para o guard-rail. A falta de pessoal treinado na hora do incidente e a falta de procedimentos agravou os efeitos do acidente. Mesmo o autódromo de Jacarepaguá tendo todo um charme especial, o circuito ondulado e a falta de cuidado da organização fez de 1989 a última vez que Rio recebeu a F1, com a categoria retornando, até o momento de forma definitiva, para Interlagos. Após todos esses incidentes, o circuito de Jacarepaguá foi abandonado pelo poder público, mas o circuito recebeu oxigênio quando o Mundial de Motovelocidade fez algumas provas no Rio e a Indy correu num circuito oval improvisado. Contudo, esses seriam os últimos bons anos de Jacarepaguá, que foi perdendo esses eventos aos poucos e então veio o 'Projeto Olímpico', com o autódromo sendo vítima da especulação imobiliária e o fim do belo circuito veio na escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016. A AGS também foi muito criticada com o rompimento da suspensão de Streiff e, principalmente, com o 'santantonio' não suportando o acidente. A equipe francesa se segurou na F1 até 1991.

Philippe Streiff continuou com a ajuda dos seus patrocinadores franceses e da Renault, que lhe deu suporte para seguir em frente. Em 1993, Streiff organizou a famosa corrida de kart em Paris, que reuniu Senna e Prost. Dois anos depois o francês projetou um Renault Space para se adaptar à pessoas de sua condição. Amigo de Michael Schumacher, Streiff recentemente foi visto acompanhando o drama do alemão. Se hoje, Streiff tem uma vida quase normal, onde faz campanhas de segurança nas estradas e de acessibilidade, o circuito de Jacarepaguá e a equipe AGS estão numa situação bem pior.

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