Voltando três anos no tempo, nada nos poderia sequer vislumbrar Jorge Lorenzo saindo da MotoGP, quase que pelas portas dos fundos, mas ainda de forma corajosa. Afinal, no final de 2016 Lorenzo completava sua nona temporada consecutiva na MotoGP pela Yamaha com muito sucesso e apesar do temperamento irascível, Lorenzo contava com três títulos e 44 vitórias. Não restavam dúvidas que Jorge Lorenzo era um dos gigantes de sua geração.
Jorge Lorenzo construiu sua carreira a base de talento e dificuldades. Nas categorias de base espanholas disputou guidão com guidão com Daniel Pedrosa, mas viu seu compatriota ser apadrinhado pela Honda desde a tenra idade até a MotoGP. Lorenzo sabia que tinha tão ou mais talento do que Pedrosa, mas acabou ficando ligeiramente para trás. Os dois se tornaram rivais fidagais a ponto do Rei Juan Carlos I ter se metido no relacionamento dos dois espanhóis. Assim era Lorenzo. Ao se sentir levemente prejudicado pelas circunstâncias, Jorge não demorava a colocar a boca no mundo. Depois de dois títulos na antiga 250cc, Lorenzo finalmente graduou-se à MotoGP em 2008 e logo de cara estreando na equipe oficial da Yamaha, ao lado da lenda Valentino Rossi. Além de gênio, Rossi também era esperto. O italiano sabia que aquele fedelho espanhol poderia lhe incomodar bastante e por isso exigiu que a Yamaha calçasse sua moto com os pneus Bridgestone, mesmo a marca dos três diapasões ter contrato com a Michelin. Rossi pediu mais: queria praticamente um muro dentro dos boxes da Yamaha.
O que fez Lorenzo nessa situação? Tornou Rossi um alvo e um rival odiado. Para não ficar por baixo, Lorenzo disse que seu grande ídolo era Max Biaggi, inimigo fidagal de Rossi. Quando conquistou suas primeiras vitórias Lorenzo fazia comemorações espalhafatosas, para provocar Rossi, que ficou conhecido por suas excêntricas comemorações pós-vitórias. Se fora da pista Lorenzo não era fácil, dentro da pista o espanhol mostrava seu enorme talento. Com um moto afeito ao seu estilo suave, rapidamente Jorge Lorenzo casou-se muito bem com a Yamaha e se tornou um piloto de ponta. Após dois anos com muitos acidentes, Lorenzo conquistou seu primeiro título em 2010, bisando em 2012. Da geração dos pilotos que surgiram na metade dos anos 2000, Lorenzo parecia o mais sólido em comparação à Casey Stoner e Pedrosa, que nunca se tornou campeão da MotoGP. Rossi ainda era forte o suficiente para enfrentar Lorenzo, mesmo quando o italiano foi para a Ducati e Lorenzo passou a reinar sozinho na Yamaha. Então apareceu um piloto tão ou mais forte do que Rossi na MotoGP: Marc Márquez.
Com um talento absurdo e uma confiança fora do normal, Marc Márquez passou por cima de todos os padrões e venceu seu primeiro título da MotoGP logo em sua estreia na categoria, mas Lorenzo não se abateria tão facilmente e venceria de forma polêmica o título de 2015, derrotando Rossi numa briga que entrou para a história. Piloto consolidado e campeão, Lorenzo pensou em novos desafios quando foi para a Ducati se tornar o piloto mais bem pago da MotoGP com a clara missão de derrotar Márquez. E parecia que apenas Lorenzo tinha força para completar essa missão. Ninguém poderia adivinhar, nem mesmo Lorenzo, que esse movimento marcaria para sempre a carreira do espanhol. Saindo de sua zona de conforto, Jorge Lorenzo demorou a se entender com a Ducati, enquanto via Andrea Doviziozo, seu antigo rival das 250cc, vencer corridas e brigar com Márquez pelo título. Mesmo com um rendimento aquém do esperado, Lorenzo não baixava a crista e como não poderia deixar de ser, começou a se desentender com Doviziozo, causando um racha na Ducati, da mesma forma como causou uma ruptura dentro dos boxes da Yamaha nos tempos de Rossi.
Sem espaço e ainda com a fama de um grande campeão, Lorenzo surpreendeu o mundo ao se transferir para a Repsol Honda em 2019, formando uma dupla dos sonhos com Marc Márquez. Todos imaginavam como Lorenzo se comportaria ao lado de Márquez, mas uma série de problemas com lesões e uma moto que simplesmente não casava com seu estilo viram todas as expectativas irem abaixo e Jorge teve uma temporada abaixo da crítica. Um forte acidente em Assen, que machucou suas costas foi o primeiro sinal que Lorenzo não tinha muitas alternativas. A Yamaha ainda era feudo de Rossi, além da marca já ter dois pilotos jovens e rápidos pro futuro (Viñales e Quartararo). A saída da Ducati não foi das mais agradáveis, enquanto as outras marcas não pareciam prontas para brigar pelo título.
Chegando até um minuto atrás do companheiro de equipe e sentindo dores pela queda de Assen, Jorge Lorenzo convocou uma coletiva nessa manhã. Para bom entendedor, meia palavra basta. "Há dias que são importantes na vida de um piloto. Quando você vence sua primeira corrida, quando vence seu primeiro campeonato, e quando anuncia sua aposentadoria. A corrida desse fim de semana vai ser a minha última na MotoGP", disse um emocionado Lorenzo.
A vaga do espanhol será cobiçadíssima, principalmente com Johan Zarco andando muito bem com a Honda de Takagami, o próprio japonês também concorrendo a vaga na Repsol Honda.
Valencia marcará o fim de uma carreira gloriosa e polêmica. Gloriosa dentro das pistas. Polêmica fora delas. Jorge Lorenzo brigou com praticamente todos os seus companheiros de equipe, mas ao mesmo tempo ganhou respeito de todos com quem dividiu as pistas nos últimos quinze anos. Pedrosa, Rossi, Doviziozo e Márquez prestaram merecidas reverências a Lorenzo. Aos 32 anos, Jorge Lorenzo deixará saudades aos seus fãs e, porque não, aos seus críticos também.
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