domingo, 17 de novembro de 2019

Paul Ricard da MotoGP

Muitas pessoas tem uma memória afetiva com a F1 nas décadas de 1970, 80 e 90. São os 'bons tempos', como gostam de dizer os saudosistas. Porém, assim como ocorre hoje em dia haviam corridas chatas e ruins nesse período, mesmo que muitos neguem esse fato. Costumo dizer que a MotoGP vive sua terceira Era de Ouro. Para quem não sabe, as duas primeiras ocorreram nos anos 1960, com o surgimento das montadoras japonesas e piloto icônicos como Mike Hailwood e Giacomo Agostini, e depois nos anos 1980, quando o Mundial de Motovelocidade foi invadido pelos carismáticos pilotos americanos e seu estilo dirt track de se correr. Nos últimos anos estamos vendo a MotoGP entrar num enorme equilíbrio de marcas e corridas emocionantes, apesar de alguns poucos pilotos terem conquistado títulos. 

Mesmo nessa Era de ouro, há a possibilidade de corridas ruins e hoje foi o caso. O Grande Prêmio de Valência da MotoGP pode ser facilmente comparado ao tenebroso Grande Prêmio da França de F1 no meio desse ano. A corrida foi praticamente um longo bocejo num script já conhecido nesta temporada. Marc Márquez não larga bem, atropela o pelotão até chegar no líder de então para efetuar a ultrapassagem da vitória e administrar a corrida até o fim. Ponto. Assim se resumiu a corrida de hoje e a temporada de Márquez, que levou a Honda nas costas, dando o títulos de construtores e de equipe para a marca da asa dourada. Terminada a temporada, dá para afirmar que a segunda metade da F1 foi bem mais interessante do que o da MotoGP, mesmo a F1 tendo visto outro domínio, dessa vez de Lewis Hamilton.

O que estragou a competitividade da MotoGP foi a genialidade de Márquez. O espanhol é um ponto fora da curva e tirando sua queda em Austin, Márquez chegou sempre em primeiro ou segundo em 2019, numa sequência que nenhum outro piloto do ótimo pelotão da MotoGP esteve sequer perto de igualar. Porém, fica a sensação de que Márquez não conquistou os corações dos fãs do esporte a motor e um exemplo de como isso acontece veio hoje. Numa corrida chata e com mais uma vitória de Márquez, o dia era de Jorge Lorenzo, que na última quinta-feira anunciou sua aposentadoria da MotoGP. Lorenzo também seguiu seu script na sua pífia temporada. O espanhol largou no fim do pelotão e num ritmo horroroso, só garantiu o 13º lugar por causa das quedas ocorridas na sua frente. Porém o dia era de Lorenzo. Se o vencedor de hoje fosse Valentino Rossi, mesmo com todas as diferenças com o espanhol, ele teria chamado Lorenzo para um aperto de mão e deixaria toda a festa para o pentacampeão. Com Márquez não foi assim. Ele queria estar no centro das atenções e preparou uma festa que dividiu as atenções com Lorenzo depois da bandeirada. Foi até meio patético a falta de sensibilidade de Márquez, que não foi visto cumprimentando Lorenzo, que chegou aos boxes cercado de aplausos e abraços das outras equipes. Será que Márquez terá esse respeito?

Foi um final indigno de uma temporada em que Márquez se mostrou ainda mais dominante. Com apenas 26 anos de idade e toda a potência da Repsol Honda por trás, será difícil para-lo num curto prazo. A situação nas demais equipes colabora para que Marc continue conquistando títulos. A Yamaha está um pouco refém de Rossi, que não quer finalizar sua carreira numa equipe satélite, cedendo seu lugar na equipe de fábrica para o promissor Fabio Quartararo, segundo colocado hoje. Maverick Viñales demonstrou um grande ritmo todo o final de semana, mas após uma má largada o espanhol simplesmente desapareceu durante a corrida, terminando num opaco sexto lugar. Viñales não inspira confiança e força para peitar Márquez, enquanto o auge de Rossi já passou há muitos anos. Para a Yamaha resta apostar em Quartararo, que demonstrou uma velocidade surpreendente em seu primeiro ano de MotoGP, mas numa equipe satélite não terá a oportunidade de desenvolver a moto ao seu estilo.

A própria Honda está literalmente refém de Márquez. Dono de um estilo único, a Honda projeta sua moto de acordo com o seu piloto mais rápido. O problema é que os demais pilotos da Honda simplesmente não conseguem acompanhar Márquez. Dá para dizer que o estilo de Márquez já aposentou Pedrosa e Lorenzo. Mesmo a vaga da Repsol Honda sendo cobiçadíssima, o piloto que lá chegar poderá enfrentar uma tremenda sinuca de bico. Cal Cruthlow, que caiu mais uma vez hoje, não inspira confiança, o mesmo acontecendo com Nakagami. Johan Zarco apareceu como opção, mas o francês não fez nada demais para exigir algo da Honda. Sobrou para Alex Márquez, atual campeão da Moto2 e irmão mais novo de Marc, que já faz campanha para o mano a muito tempo. Piloto irregular e com nem um décimo do talento do irmão mais velho, Alex esperou cinco temporadas para vencer a Moto2 sempre com a melhor moto da categoria e ele ainda teve a sorte de garantir o campeonato com antecedência, pois hoje Alex caiu e com a terceira vitória seguida, Brad Binder ficou muito próximo na contagem final da Moto2. Pelo menos Marc e Alex treinam juntos e o estilo agressivo de Marc não seria totalmente desconhecido para Alex, que poderá estrear na equipe mais forte da MotoGP e muita pressão por causa das comparações. 

Nas demais equipes, a Suzuki mostrou força com Alex Rins no começo do ano e o espanhol chegou a ser vice-líder, mas a Suzuki perdeu o fôlego com uma dupla jovem e ainda carente de experiência para acertar uma moto de fábrica. A Ducati por muito tempo durante a temporada foi considerada a melhor moto do pelotão, mas Andrea Doviziozo não foi páreo para a genialidade de Márquez. Sem o mesmo talento e velocidade de pilotos como Viñales, Quartararo ou Rins, Doviziozo vai trabalhando para construir a melhor moto e também para se manter no pelotão da frente. O já veterano italiano viu toda a sua geração se aposentar, mas Dovi ainda segue forte com o terceiro vice-campeonato consecutivo. Danilo Petrucci fez um baita esforço para que seu contrato com a Ducati oficil fosse renovado, venceu uma corrida e ficou muito tempo em terceiro lugar no campeonato, mas assim que veio a confirmação que estará na Ducati em 2020, Petrucci caiu de rendimento de forma abrupta a ponto da Ducati já pensar em colocar o italiano na equipe satélite e promover Jack Miller, o rápido e tresloucado australiano, à equipe oficial. Dono de um estilo agressivo de pilotagem, como boa parte dos seus compatriotas pilotos, Miller chegou em terceiro lugar hoje muito pela ótima largada e sua pilotagem forte.

KTM sofreu o baque de ter sido abandonada por Zarco no meio da temporada e em 2020 terá uma equipe bastante jovem, com Binder e Lucuona subindo da Moto2, liderados por Pol Espargaró. Seu irmão mais velho Alex que ainda sofre bastante com a falta de desenvolvimento da Aprilia, muito provavelmente investindo bastante em funilaria para consertar as quedas de Iannone. Nas classes menores, Alex Márquez finalmente conquistou o título, mas a falta de um rival claro facilitou demais a vida do irmão de Marc. Brad Binder fez um ótima final de temporada e subirá para a equipe oficial da KTM. Lorenzo Della Porta venceu a sempre equilibrada Moto3 e tentará seguir seu caminho na Moto2 junto com o instável vice-campeão Aron Canet.

Como não poderia deixar de ser a MotoGP em 2019 teve grandes corridas com finais decididos nos metros finais, mas houve mais corridas ruins como a de hoje do que o normal. Lorenzo fez uma temporada tão ruim que se aposentou, seguindo o mesmo rumo de Pedrosa. Valentino Rossi teve sua pior temporada na Yamaha e esse pode ser um claro sinal de que o lendário piloto de 40 anos deve pensar fortemente em se aposentar logo com todas as homenagens possíveis e imaginárias. Se a Yamaha se decepcionou novamente com a falta de força mental de Viñales, viu o surgimento de Fabio Quartararo, o piloto mais surpreendente desde Casey Stoner. Doviziozo seguiu com sua luta inglória para acertar a Ducati e enfrentar outro piloto lendário da MotoGP. Marc Márquez tem seus defeitos e não atrai tanta torcida como Rossi, mas seus números, recordes e estilo único o fazem um dos gigantes do Mundial de Motovelocidade. 

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