segunda-feira, 13 de julho de 2015

Guy

Ele não foi um grande piloto, mas Guy Ligier foi um dos grandes donos de equipe na F1, principalmente na década de 80, com o auge da sua equipe Ligier. Utilizando muito bem as amizades conseguidas ao longo dos anos, Guy Ligier soube fazer fortuna dentro e, principalmente, fora da F1.

Nascido no dia 13 de julho de 1930 em Vichy, Guy Ligier não teve no automobilismo o seu primeiro esporte. Órfão desde criança, Ligier trabalhou desde cedo, se tornando um grande negociante na medida em que ganhava experiência na vida, enquanto se divertia jogando rugby, segundo esporte mais popular na França. Guy chegou a jogar pela famosa seleção francesa de rugby, mas na década de 50 passou a trabalhar no rumo da construção civil, em alta com o fim da segunda guerra mundial. Ligier logo se tornou rico e conheceu pessoas influentes, como o jovem político François Mitterrand.

A segunda paixão de Ligier foram as corridas, primeiro nas motos e depois correndo em quatro rodas. Guy começou a fazer parte do circuito internacional das corridas em 1964, já com 34 anos de idade, em corridas de Sport-cars e também na F2. Mesmo sendo um empresário bem sucedido, a carreira de Ligier nas pistas é pífia. Graças ao seu dinheiro, Ligier consegue um lugar na F1 com um Cooper-Maserati particular em 1966, não conseguindo pontos. Na temporada seguinte, Ligier marca um ponto no Grande Prêmio da Alemanha, mas devido as circunstâncias. Como na F1 tinha poucos carros em 1967 (menos do que em 2015, diga-se de passagem...) e o circuito de Nürburgring era enorme, pilotos e equipes de F2 eram convidados a participar das corridas no lendário 'Inferno Verde'. Ligier chegou em oitavo, mas como Jackie Oliver e Alan Rees corriam com carros de F2 e chegaram na frente do francês, seus resultados foram desconsiderados na pontuação do campeonato da F1. Aquele seria o único ponto de Ligier na F1. Em 1968, Guy Ligier se junta ao seu amigo Jo Schlesser para formar uma equipe de F2, mas o projeto é parcialmente abortado quando Schlesser morre durante o Grande Prêmio da França.

Guy Ligier fica arrasado e abandona a carreira de piloto no final de 1968, mas o francês não esquece a ideia conjunta com o amigo Schlesser e continua o projeto de uma equipe totalmente francesa. Patriota convicto, Guy Ligier contrata o engenheiro Michel Tetu e constrói o Ligier JS1, para disputar as 24 Horas de Le Mans de 1970. JS, iniciais de Jo Schlesser, seria nome de todos os carros da Ligier e para mostrar o seu nacionalismo, os carros seriam azuis, cor que representava a França dentro do automobilismo internacional no período pré-patrocinadores. Porém, logo Ligier se interessa pela F1 e quando a Matra abandona o automobilismo em 1974, Ligier compra os espólios da equipe francesa e após intensa preparação em 1975, a Ligier estreia na F1 em 1976, tendo como único piloto Jacques Laffite, promessa francesa da época e piloto mais marcante da equipe nos anos seguintes. Com motor francês Matra, somente os pneus Goodyear eram importados. Os patrocinadores, os engenheiros, os mecânicos... todos eram franceses. Porém, os resultados demoram a aparecer. Laffite vence o Grande Prêmio da Suécia de 1977 na base da sorte, pois o até então líder Mario Andretti ficou sem gasolina no final da corrida. A teimosia em utilizar os motores da Matra termina em 1978, quando a Ligier finalmente recorre aos motores Ford-Cosworth e ainda contrata Patrick Depailler como segundo piloto para 1979. 

Foi o início da era de ouro da Ligier. As duas primeiras corridas de 1979 foram de sonho para a Ligier, com Laffite vencendo em Buenos Aires e em São Paulo com extrema facilidade, enquanto Depailler chegou em segundo no Brasil. A Ferrari cresceu e venceu as três corridas seguintes, mas Depailler venceu na Espanha e o campeonato era disputado ponto a ponto entre Ligier e Ferrari. Então, uma mudança nos pneus Goodyear fez com que a Ligier perdesse muito terreno para Ferrari e Williams. Para completar, Patrick Depailler, amante dos esportes radicais, se acidenta voando de asa-delta e perde o resto da temporada. Laffite luta até o fim com as Ferraris, mas termina em terceiro lugar no campeonato de pilotos. Para 1980, Ligier contrata a jovem promessa Didier Pironi e com duas vitórias no ano, o time francês consegue o segundo lugar no Mundial de Construtores. Porém, o engenheiro Gerard Ducarouge sai da equipe e mesmo 1981 sendo um bom ano, com Laffite novamente terminando em terceiro lugar no campeonato de pilotos, a Ligier entraria em declínio. Sem o seu inventivo engenheiro, a Ligier tem sérias dificuldades a partir de 1982, que teria como novidade o primeiro piloto não-francês na equipe, o americano Eddie Cheever. Com um carro pesado e difícil de guiar, e com os motores turbo (algo que a Ligier não dispunha) já dominando, a Ligier tem um péssimo ano na F1.

Para piorar, fora das pistas a Ligier enfrentava problemas financeiros, mas então Guy Ligier pediu ajuda ao seu velho amigo Mitterrand, que acabara de assumir a presidência da França com o partido socialista, que obrigou empresas estatais a patrocinarem a Ligier a partir de 1983. Piloto símbolo da equipe, Jacques Laffite passa duas temporadas fora da Ligier, mas retorna à equipe em 1985, com o time já utilizando motores turbo da Renault (também imposição de Mitterrand...) e estabelecida como uma equipe média, nem tão ruim como em 1982/83, nem tão boa como 1979/80. Quando a Renault entra na F1 com investimento maciço da montadora gaulesa, iniciou-se uma espécie de rivalidade entre Ligier e Renault para saber quem chegaria a glória primeiro. Infelizmente, as duas equipes francesas não se tornariam campeãs na década de 80, com a Renault só conseguindo seus títulos como fornecedora de motores e depois como equipe própria já no século 21. Porém, a equipe original da Renault fechou as portas em 1985, o que significou uma pequena vitória da Ligier na briga entre os dois times franceses e Guy Ligier contratou boa parte dos engenheiros que a Renault deixou no mercado, trazendo de volta seu primeiro engenheiro, Michel Tetu. Mesmo conseguindo alguns pódios com sua experiente dupla Jacques Laffite e René Arnoux em 1986, o ano foi marcado pelo grave acidente que encerrou a carreira de Laffite em Brands Hatch.

A aposentadoria de Laffite, uma glória para a equipe Ligier, foi um sinal dos tempos difíceis que vinham pela frente para o time. Com a temporária saída da Renault em 1987, a Ligier chegou a testar o motor Alfa Romeo, que foi reprovado por Arnoux e o time chegou a ficar de fora da primeira corrida no Brasil. Com o motor Megatron sendo instalado às pressas no carro, a Ligier tem um péssimo ano em 1987, marcando apenas um ponto com Arnoux. Considerado um dos pilotos mais rápidos do início dos anos 80, René Arnoux passa a ser considerado uma piada na F1 em seus tempos de Ligier, com o francês se caracterizando mais por ser um piloto extremamente difícil de ser ultrapassado como retardatário. A Ligier utiliza, sem sucesso, três motores em quatro temporadas (incluindo uma em que o projetista era o brasileiro Ricardo Divila), mas Guy Ligier ainda tinha cartas na manga e com ajuda do seu velho amigo Mitterrand, consegue o motor Renault, o melhor da F1 na ocasião, para a equipe em 1992. Junto com o presidente da França, Guy Ligier já tinha arquitetado a mudança do Grande Prêmio da França de Paul Ricard para Magny-Cours, sede da equipe Ligier e pista de testes da equipe. No começo dos anos 90, as melhores corridas da Ligier eram sempre em Magny-Cours...

Contudo, Guy Ligier sabia que esse apoio estatal não duraria eternamente. Mitterrand estava em seus últimos anos de governo e o partido socialista não estava conseguindo achar um sucessor para o presidente. Sabendo disso, Ligier vendeu sua amada equipe no final de 1992 e no ano seguinte, como esperado, o partido socialista falhou em eleger um sucessor para Mitterrand. A equipe Ligier ficou na F1 até 1996, conseguindo sua última vitória no famoso Grande Prêmio de Mônaco de 1996, com Olivier Panis. No início de 1997, Alain Prost realiza o seu sonho de ter uma equipe própria e compra a Ligier, mudando o nome da equipe para Prost Grand Prix. Tentando fazer da equipe o mesmo ideal patriota de Guy Ligier, Prost tentou ter uma equipe genuinamente francesa, mas falhou fragorosamente e o time faliu no final de 2001.

Guy Ligier ampliou seus negócios após sua saída da F1, criando uma empresa de adubo natural com muito sucesso, além de uma equipe de microcarros. Em 2005, um chassi Ligier de F3 foi construído sem sucesso e hoje, o nome Ligier está de volta ao automobilismo na United Sports Cars Series. Porém, completando 85 anos de idade hoje, Guy Ligier apenas descansa e lembra dos seus tempos áureos. 

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