Primeira pole. Primeira vitória. Primeiro campeão. Giuseppe 'Nino' Farina foi tudo isso na história da F1, mas apesar do título e da primazia em todos esse quesitos, esse italiano de família rica e ligada aos automóveis teve seus melhores anos roubados pela Segunda Guerra Mundial e já contando com 43 anos de idade, Farina não mediu esforços para conquistar o que seria o seu único título mundial de F1, imortalizando-o na história do automobilismo. Piloto muito rápido, Farina também era genioso e era uma pessoa de trato difícil, fazendo com que sempre saísse brigado com sua equipe ou com companheiros de equipe. Polêmico e agressivo, se envolveu em dois acidentes fatais em sua carreira, mas nem por isso se sentiu culpado. Completando cinquenta anos de sua morte, falaremos do primeiro Campeão Mundial da história da F1.
Emilio Giuseppe Farina nasceu no dia 30 de outubro de 1906 em Turim, na Itália. Vindo de uma família rica, o pai de Nino, apelido de Giuseppe, Giovanni Carlo Farina, fundou uma oficina chamada Stabilimenti Farina, junto com seu irmão Battista, mais conhecido como 'Pinin'. Mais tarde a empresa seria a famosa marca Pininfarina, que prestou serviço à grandes montadoras, como a Ferrari. O jovem Giuseppe praticou vários esportes, como esqui, ciclismo e futebol, além de ter se tornado oficial de cavalaria. Formou-se em Direito e conseguiu um doutorado em Economia Política na Universidade de Turim. Porém, logo passou a se dedicar às corridas. Nino dirigiu pela primeira vez um carro com apenas nove anos de idade e o italiano sempre se interessou por corridas e pelos negócios da família. Quando ainda estava na faculdade, Farina comprou ações na bolsa e usando sua perspicácia com os negócios, Nino conseguiu financiar seu primeiro carro de corrida, um Alfa Romeo 1500, participando de sua primeira corrida oficial em 1925, numa prova de subida de montanha. Logo em sua estreia no automobilismo, Giuseppe Farina mostraria suas credenciais: muita velocidade e um acidente que o deixou com um ombro fraturado e cortes no rosto após bater sua Alfa numa árvore. No início da década de 1930, Nino Farina correria com Alfa Romeos e Maseratis particulares, obtendo relativo sucesso em corridas menores, obtendo sua primeira vitória em carros GP em 1934.
A obstinação em correr, sua velocidade e sua agressividade chamou a atenção de Tazio Nuvolari, que adotou Farina como seu protegido. Com o apoio de Nuvolari, Farina foi contratado pela equipe oficial da Alfa Romeo em 1936, cujo gerente era Enzo Ferrari. No seu primeiro ano na equipe, Farina terminaria em segundo lugar na Mille Miglia. O detalhe foi que Farina teve problemas com os faróis do seu carro e correu uma parte da prova praticamente na escuridão. Porém, Farina se envolveria numa polêmica nesse ano, quando se envolveu num acidente com Marcel Lehoux, ocasionando a morte do francês. Muitos acusaram de que Farina tinha sido o culpado do acidente ao bater em Lehoux, mas Giuseppe não ligou muito para as críticas. No ano seguinte obteve novamente um segundo lugar na Mille Miglia, além de uma vitória em Nápoles, além de dois segundos lugares em Turim e Milão, lhe garantindo o título de campeão italiano. Em 1938 a Alfa Romeo estreou o seu novo modelo 158 e com esse carro histórico, Farina venceria os títulos italiano de 1938 e 1939. Ainda em 1938, Farina se envolveria em outro acidente fatal, durante o Grande Prêmio de Trípoli, onde bateu no húngaro Laszlo Hartmann. Da mesma forma de Lehoux, muitos acusaram Farina de ter sido o culpado do acidente. E novamente Farina, que desta vez sofreu alguns ferimentos, deu de ombros. Apesar das polêmicas, Giuseppe Farina era considerado um dos pilotos mais promissores da Europa e junto com a Alfa Romeo, estava pronto para enfrentar os temidos carros alemães. Porém, em setembro de 1939 eclodiu a Segunda Guerra Mundial e Farina não pôde mostrar todo o seu talento. Há quem diga que os melhores anos do italiano foram perdidos nessa época, o que o deixou um pouco frustrado e querendo mostrar serviço quando a guerra acabou.
Participando das primeiras corridas pós-guerra, Farina obteve várias vitórias, como em Mônaco em 1948 e os GP's das Nações e de Mar del Plata em 1949. Nessa época, Farina corria numa equipe particular, pois havia brigado com a Alfa Romeo em 1947, pois se sentia injustiçado por ter sido rebaixado à segundo piloto, ficando abaixo do francês Jean Pierre Wimille. Piloto extremamente promissor e talentoso, Wimille poderia ter sido o primeiro campeão mundial de F1, se não tivesse morrido no começo de 1949, num acidente na Argentina. Achille Varzi, recuperado de anos difíceis, onde teve que lutar contra as drogas, havia morrido em 1948, causando uma grande comoção na Itália, visto que Varzi era um dos melhores pilotos do pré-guerra. Quando a F1 foi criada em 1950, a Alfa Romeo não tinha muitos recursos humanos e por isso, teve que engolir Farina, o contratando para o que seria a primeira temporada da história da recém-criada categoria. A Alfa Romeo ainda utilizada os eficientes modelos 158, de antes da guerra, mas como a Ferrari ainda não tinha a experiência da Alfa, a montadora italiano dominou de forma absurda o campeonato com seus três 'efes'. Além de Farina, a Alfa tinha o veterano e constante Luigi Fagioli, além do novo talento da América do Sul: Juan Manuel Fangio. Na primeira corrida da história da F1, Farina mostrou que faria de tudo para se tornar o melhor piloto do mundo, como ele próprio se achava, mas que a Guerra não deixou mostrar em toda a plenitude. Ironicamente, a primeira corrida foi numa antiga base aérea da Segunda Guerra Mundial, em Silverstone, mas Farina não mostrou muito sentimentalismo com esse detalhe e foi sempre o mais rápido no final de semana, conseguindo a pole e a vitória, quase que de ponta a ponta. Porém, Fangio se mostrava um adversário duro e com potencial para crescer. O argentino, com seus 39 anos de idade, estava longe de ser uma criança, mas já mostrava que tinha a velocidade que o tornaria um verdadeiro mito da velocidade. Já Farina, contando com 43 anos, sabia que a primeira temporada da F1 poderia ser sua última chance de se consagrar.
Fangio venceu em Mônaco, numa prova marcada por acidente logo nas primeiras voltas, quando uma onda bateu forte na Chicane do Porto, molhou a pista e fez com que vários carros ficassem no local. Entre eles, Farina. Contudo, Fangio tinha dominado o final de semana monegasco e para desgosto de Farina, se mostrava o piloto mais rápido da Alfa Romeo. Farina venceria na Suíça, antes de ver Fangio vencer na Bélgica e na França. O campeonato seria decidido na corrida final, em Monza, casa da Alfa Romeo e de todas as equipes italianas que povoavam a F1 em 1950. Fangio largou na pole, mas um problema no motor estragou os planos do argentino, que viu Farina vencer a corrida e o campeonato. O detalhe foi que Farina teve o mesmo problema de Fangio, mas no finalzinho da corrida. Coisas do destino. Giuseppe Farina se tornava então o primeiro Campeão Mundial de F1. Contudo, Fangio se desenvolveu bastante em 1951, ultrapassando Farina consistentemente, ganhando na Suíça e na Espanha, enquanto Farina venceu apenas na Bélgica. A Alfa Romeo não era mais a equipe dominante de 1950, tendo que enfrentar a ascendente Ferrari, liderada por Alberto Ascari. Fangio venceu o título de 1951, mas a Alfa abandonaria a F1 no final daquela temporada. Com Fangio tendo sofrido um sério acidente que o deixou de fora da maior parte de 1952, Farina parecia ter o caminho certo para o bicampeonato, certo? Errado. Com a saída da Alfa Romeo, Farina assinou com a Ferrari, com quem tinha sido piloto na década de 1930. Farina já se sentia incomodado ao ser superado por Fangio, mas ficaria ainda mais por ser deixado para trás por Ascari, bem mais novo do que ele, além de claramente mais rápido. Na tentativa de superar Ascari, Farina pilotou de forma ainda mais agressiva, ocasionando vários acidentes e abandonos por problemas mecânicos. Ascari venceu o título de 1952 com facilidade, com Farina ficando com o vice campeonato após vários dolorosos segundos lugares.
Na primeira prova de 1953, mais uma vez Farina esteve envolvido num acidente fatal. Juan Domingo Perón resolveu abrir as portas do circuito de Buenos Aires para o Grande Prêmio da Argentina e o resultado foi que milhares de argentinos superlotaram as arquibancadas e com isso, várias pessoas ficaram, literalmente, na beira da pista. A tragédia estava armada e aconteceu com Farina. Enquanto fazia a curva Nor Este, Nino deu de cara com um menino atravessando a pista e para não atropela-lo, perdeu o controle de sua Ferrari, indo para cima da multidão que estava na beira da pista. Sete pessoas morreram, além de vários feridos, além do próprio Farina. Porém, sua obstinação o fez voltar antes da hora e o italiano participou de várias corridas sentindo muitas dores. Consciente de que haviam pilotos mais jovens e mais rápidos do que ele, fez com que Farina passasse a ser mais prudente nas corridas, marcando vários pódios que lhe deram mais um vice-campeonato. Em Nürburgring, Giuseppe Farina venceria pela última vez na F1 após uma bela batalha com Fangio e Hawthorn. Cansado das brigas com Farina, Ascari saiu da Ferrari no final de 1953 para desenvolver o novo carro da Lancia. Já com 46 anos de idade, Farina seria novamente primeiro piloto na Ferrari, porém, o destino não quis assim. Após vencer a famosa corrida em Siracusa, Nino liderava a Mille Miglia quando bateu forte. Ainda com o braço quebrado, Farina participou dos 1000 Km de Monza, mas sofreu graves queimaduras nas pernas quando o eixo de transmissão quebrou e perfurou o tanque de combustível de sua Ferrari. Ainda necessitando de injeções de morfina para conquistar um impressionante segundo lugar no Grande Prêmio da Argentina de 1955, Farina não se cuidava direito e suas queimaduras não saravam. Após um ótimo terceiro lugar em Spa, Giuseppe Farina cansou de sua luta para curar de suas feridas e saiu da Ferrari. Ainda participou do Grande Prêmio da Itália de 1955 com a Ferrari-Lancia, mas abandonaria as corridas no final daquela temporada. Teimosamente, participou das 500 Milhas de Indianápolis de 1956 com um Kurtis com motor Ferrari e como a tradicional prova americana fazia parte do calendário da F1, essa seria a última corrida de Giuseppe Farina na categoria. Foram 33 corridas, cinco vitórias, cinco poles, cinco melhores voltas, vinte pódios, 127,33 pontos conquistados e o título de 1950.
Farina retornaria à Brickyard em 1957, mas quando o seu jovem companheiro de equipe Keith Andrews morreu durante os treinos, Alberto Ascari se aposentou definitivamente, aos 50 anos de idade. Giuseppe Farina foi dono de concessionárias da Jaguar e da Alfa Romeo, além de ajudar na Pininfarina. Agressivo e obstinado, Giuseppe Farina fez poucos amigos no mundo das corridas, sendo considerado arrogante na maioria das vezes. Não era um piloto que apreciava a publicidade e quando venceu o título de 1950, ele negou-se a permitir a imprensa fotografar sua casa, pois a esposa era contra a profissão escolhida por Nino. Sobre o estilo de pilotagem de Giuseppe Farina, Fangio dizia que somente a Virgem Maria matinha os carros de Nino na pista. Em 30 de junho de 1966, Farina pegou seu Lotus Cortina e se dirigiu à Reims para acompanhar o Grande Prêmio da França daquele ano. Dirigindo pelos Alpes, Farina derrapou no gelo em Chambery e chocou-se contra um poste. Tinha 59 anos de idade. Desta vez, a Virgem Maria não protegeu Giuseppe 'Nino' Farina.