domingo, 17 de abril de 2016

Sorte e competência

Por muitos anos, os detratores de Michael Schumacher diziam que o alemão venceu o caminhão de títulos na F1 unicamente pela sorte. Lógico que era pura dor de cotovelo, mas não há na história de nenhum esporte um campeão azarado e aliando sorte e competência, um esportista poderá comemorar no final do ano o título, seja qual for a modalidade. Ainda está cedo para afirmar algo, mas Nico Rosberg está tendo uma sorte impressionante nesse começo de 2016 e aliado com a sua competência, mantém um surpreendente 100% de aproveitamento até agora, vencendo com sobras o espetacular Grande Prêmio da China. Quem olha os 40s que Nico enfiou em Vettel, não imagina o que aconteceu no retrovisor e até mesmo ao lado da Mercedes de número 6 do alemão. Toque entre as Ferraris, explosão de pneu de um inspirado Daniel Ricciardo e outra corrida problemática de Lewis Hamilton tornaram o trabalho de Nico Rosberg muito mais simples para conseguir sua sexta vitória consecutiva, indubitavelmente entrando na história da F1 com essa sua sequência.

Há uma frase antiga na F1 que diz: Você não vence uma corrida na largada, mas pode perdê-la. Assim como aconteceu em Melbourne, a largada em Xangai foi movimentada e definiu os rumos da corrida de vários pilotos. Mais uma vez, numa constância preocupante para a Mercedes, Nico Rosberg largou mal e Daniel Ricciardo chegou na primeira curva já em primeiro. Mais atrás, Raikkonen tentou aproveitar o vacilo de Rosberg e freou com força, mas quando viu que podia haver um acidente, ficou por fora, deixando um enorme vão pelo lado de dentro. Daniil Kvyat, pressionado pelas boas performances de Ricciardo e da dupla da Toro Rosso, meteu o carro com tudo no espaço que viu à sua frente e forçou Vettel a bater com Raikkonen, começando um efeito dominó para quem vinha atrás. A sensação Grosjean perdeu o bico ao bater em Ericsson, enquanto Nasr, enquanto desviava de Raikkonen, batia em Hamilton, complicando ainda mais a corrida do inglês da Mercedes. Com três dos seus principais rivais com problemas na primeira curva, Nico Rosberg ainda tinha um impressionante Daniel Ricciardo à sua frente e o australiano tinha um bom ritmo, contudo, a potência do motor Mercedes faria a diferença na reta oposta, mas Rosberg nem precisou se preocupar muito, pois o pneu traseiro de Ricciardo estourou espetacularmente e Nico assumiu a liderança para não mais perdê-la. Com vários detritos na pista, a corrida foi neutralizada pelo safety-car e Nico Rosberg soube jogar com essa intempérie. Sua vantagem na classificação era tamanha, que o alemão classificou o carro da Mercedes no Q2 com pneus macios e por isso, permaneceu na ponta, enquanto a maioria dos pilotos atrás dele procurou os mesmo pneus de Nico. O alemão da Mercedes não teve adversários e ainda contou com a sorte para maximizar sua competência e vencer com categoria, entrando para a história ao ganhar a sexta corrida consecutiva, feito realizado por pouquíssimos pilotos na F1. Quando venceu as três últimas corridas de 2015, todos diziam que a fase ascendente de Rosberg combinava com a diminuição de foco de Hamilton, mais preocupado em comemorar o tricampeonato, mas passadas as três primeiras etapas do campeonato de 2016, Nico Rosberg está com 100% e com exceção de Melbourne, foi sempre mais rápido do que Hamilton. Até o momento Nico vem tendo um campeonato espetacular e já tem uma diferença considerável para o seu companheiro de equipe, que conseguiu ganhar quinze posições hoje após largar em último e perder o bico do carro na largada, e ainda assim não brilhar. Hamilton gosta de dizer que corre com o coração, mostrando muita garra e hoje seria um dia ideal para mostrar isso, porém, Lewis esteve longe de fazê-lo. Opaco na maior parte do tempo, Hamilton foi uma das decepções do dia ao não realizar as ultrapassagens de que dele se esperava, ficando empacado atrás de um ótimo Felipe Massa, enquanto era ultrapassado por Ricciardo e Raikkonen, numa cena que, dois anos atrás, era praticamente impossível de se prever. A corrida de Hamilton foi tão apagada, que após perceber que Massa era mesmo um obstáculo intransponível para ele, o inglês ainda viu crescer nos seus retrovisores a Toro Rosso de Max Verstappen. Nico já tem uma vantagem superior a uma vitória no campeonato e Hamilton precisa urgentemente de uma resposta para o companheiro de equipe, ou então terá que se conformar com algo que ele nem sonhava ser: segundo piloto.

Vettel teve todo o cuidado, após a prova, de procurar Raikkonen pelo toque na primeira curva e se desculpar, para então acusar Daniil Kvyat. Doido, suicida e torpedo foram alguns dos adjetivos encontrados por Vettel para com o russo, mas apesar do mimimi, o alemão da Ferrari fez uma bela prova, sempre utilizando os pneus macios e supermacios para conseguir alguma vantagem sobre os rivais e se não teve como alcançar Rosberg, garantiu o segundo lugar e uma dobradinha alemã. Raikkonen foi o maior prejudicado pelo incidente na primeira curva, mas Kimi parece estar voltando aos bons tempos e fez uma corrida sólida, andando muito tempo com os pneus médios com um ritmo bom e no stint final com pneus macios, ultrapassou vários carros para terminar em quinto, representando também a primeira vez em que a Ferrari viu seus dois carros receberem a bandeirada. Kvyat usou bem a largada para ganhar várias posições e com o infortúnio do seu companheiro de equipe, passou boa parte da corrida em segundo, mas quando colocou pneus médios, não teve como segurar Vettel com pneus macios, mas Daniil acompanhou Vettel numa distância razoável, mostrando que a Red Bull tem realmente um chassi comparável aos tempos em que dominou a F1. E quem mostrou isso não foi nem Kvyat, que com seu pódio diminuiu as pressões sobre si. Nico Rosberg mal foi visto na transmissão, tamanho o seu domínio, mas se há um piloto que merece ser escolhido o melhor na pista, este tem que ser Daniel Ricciardo. O australiano fez uma prova soberba, começando pelo surpreendente segundo melhor tempo no grid, a ótima largada e a forma como se recuperou do pneu furado, ainda no começo da prova. Quem poderia imaginar um Red Bull-Renault ultrapassando um Mercedes na maior reta da F1 atual? Pois Ricciardo fez isso com Hamilton para garantir uma quarta posição e se houvesse mais algumas voltas, ele poderia chegar até mesmo no seu companheiro de equipe. Se o novo corte de cabelo influenciou ou não na belíssima corrida de Daniel, não dá para cravar, mas o que Ricciardo fez hoje mostra que a Red Bull fez muito bem em apostar nele e se a Renault mostrar resultados na promessa de um motor melhor no meio da temporada, poderemos ver mais de Ricciardo brigando na ponta em outras corridas.

Se faltou garra para Hamilton, isso sobrou para Massa, que fez a melhor corrida de 2016 e segurou com unhas e dentes um apagado, mas melhor equipado, Hamilton. Felipe usou bem a estratégia dessa vez e se esteve longe de brigar pelo pódio (num devaneio de Luís Roberto na transmissão de hoje...), fez uma corrida correta e, nas palavras de Felipe, maravilhosa. Massa superou com sobras Bottas, que largou bem à frente dele, mas o dia começou mal para o finlandês quando se atrapalhou na largada, mas em nenhum momento Bottas teve um ritmo melhor do que Felipe na corrida. A Toro Rosso fez uma corrida correta e marcou pontos com seus dois bons pilotos, mas começa a ficar claro que Max Verstappen tem um pouco mais de potencial do que Carlos Sainz. Apesar de agressivo, o holandês sabe usar muito bem os pneus e com os compostos macios, ainda teve tempo de encher o retrovisor de Hamilton na última volta, deixando Sainz para trás. A McLaren ficou próxima dos pontos, mas usando bastante os pneus médios, o time liderado por Ron Dennis teve um aproche, talvez, cauteloso demais, sempre deixando Button e Alonso numa situação de sempre estarem sendo ultrapassados. Numa pista com característica parecidas com o do Bahrein, Stoffel Vandoorne marcou pontos no Oriente Médio, enquanto seus badalados companheiros de equipe não o conseguiram hoje. Tirando o fato de que hoje não houve NENHUM abandono, o fato do novato Vandoorne fica ainda mais impressionante. A Force India deu pinta de que poderia se aproveitar da estratégia, quando se colocou bem na pista após o safety-car, mas sem um bom ritmo de corrida, além de uma punição à Hulkenberg, a FI acabou fora dos pontos, numa situação preocupante para uma equipe que vê seu dono não poder ir para o lar, pois pode ser preso por causa das dívidas. Preocupante mesmo, agora, está as atuações de Felipe Nasr. Todos sabemos da situação periclitante da Sauber, que correu o risco de nem viajar à China, mas o final de semana do brasiliense foi abaixo da crítica novamente. Abaixo da crítica, leia-se ficando muito atrás de Marcus Ericsson, que está longe de ser um virtuose. Nasr passou a corrida inteira entre os últimos, longe de Ericsson, que brigava no pelotão intermediário. Pensando mais para frente, Nasr está fazendo muito menos para merecer uma vaga numa equipe boa em 2017. Após duas corridas de sonho, a Haas tocou o chão da realidade quando Grosjean, disparado seu melhor piloto, teve a asa dianteira quebrada na primeira curva e daí em diante, o francês pouco produziu, andando atrás até mesmo do fraco Gutierrez. A Manor viu seus dois carros andarem entre os dez primeiros na relargada, mas o fraco ritmo fez com que seus dois pilotos caíssem de produção. Numa pista onde o desgaste de pneus é muito grande, a Manor não se encontrou, mas chama a atenção de que Haryanto, considerado um piloto-pagante clássico, do naipe de Alex Yoong, andar razoavelmente próximo de Wehrlein, queridinho da Mercedes. Falando em montadora, a Renault vem sendo a enorme decepção até agora. Enquanto a Red Bull usa seus motores até o pódio, Jolyon Palmer chegou em último, com Kevin Magnussen não muito à frente. A torcida é que o time amarelo suba logo de produção.

Terceira corrida de 2016. Terceira boa corrida para se assistir. Isso leva uma pequena reflexão para os arautos do desastre, de que a F1 acabaria logo e que não havia mais emoção. Períodos de domínio sempre existiram e sempre existirão na F1 e não é mudando o regulamento que isso irá mudar. É exatamente o contrário. Passados dois anos, a Mercedes continua dominando, é verdade, mas a diferença para as demais não é tão evidente assim. Raikkonen (Ferrari) e Ricciardo (Red Bull-Renault) ultrapassaram a Mercedes de Lewis Hamilton na maior reta do calendário da F1. Quem poderia imaginar um motor Renault ultrapassando um Mercedes com o mesmo pneu numa reta? Nico Rosberg venceu com 40s de vantagem sobre Vettel, mas o alemão da Ferrari sofreu muito durante a corrida para chegar em segundo, enquanto Ricciardo poderia dar muito mais trabalho se não tivesse um pneu furado. O mesmo vale para uma corrida sem incidentes para a Ferrari. A F1 teve três bons espetáculos e não se precisou mudar muito o regulamento para isso. Uma maior liberdade para as equipes escolherem seus pneus melhoraram as corridas. E muito! Não precisou embaralhar o grid. Nem nada artificial. Algumas vezes, precisa-se paciência com a F1 e as demais equipes. Ferrari e Red Bull ainda estão abaixo da Mercedes, mas estão cada vez mais próximas.

Enquanto essa briga não vem, Nico Rosberg vai curtindo uma senhora liderança e uma solidez ainda maior do que em 2014, quando liderou boa parte do campeonato, mesmo quando era nítido que Lewis Hamilton era mais rápido. Em 2016, Nico vem andando mais rápido do que o inglês, que nas adversidades que sofreu hoje, baixou a cabeça e fez uma corrida abaixo dos seus altos padrões. Vettel conseguiu um suado segundo lugar, dando a impressão, pela segunda corrida seguida, que poderia dar mais trabalho à Rosberg numa corrida 'trouble-free'. O mesmo ocorrendo com Ricciardo. Nico Rosberg e a Mercedes dominam. Mas temos campeonato!

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