quinta-feira, 30 de abril de 2015

Conquista para aparecer

Cinco de Janeiro de 2008. O Ceará entrava em campo no acanhado estádio de Horizonte para enfrentar o time local, que tinha acabado de subir para a divisão principal do campeonato cearense. Numa decisão estúpida da Federação Cearense de Futebol, o campeonato da primeira divisão de 2008 começaria no primeiro final de semana do ano, deixando os clubes grandes da capital sem pré-temporada. O Ceará tinha passado, de forma até surpreendente, pela série B de 2007 suavemente, sem maiores sustos, ao contrário dos dois anos anteriores, onde brigou para não cair, principalmente em 2005, onde só se livrou da série C com uma vitória redentora sobre o Vila Nova de Goiás na última rodada do campeonato. Naqueles tempos, as referências do Ceará eram Reinaldo Aleluia, Arlindo Maracanã e o goleiro Adílson, grande herói do título cearense de 2006, vencido pelo Ceará com um time medíocre, derrotando na ocasião os 'Galáticos do Nordeste', como os torcedores do Fortaleza chamavam o seu time. Porém, naquele começo de 2008, alguns jogadores não se apresentaram a tempo e as contratações ainda chegavam. Com um time remendado e com jogadores a léguas da forma ideal, o Ceará foi humilhado pelo Horizonte por 5x1, num baile de bola do time que acabava de sair da segundona cearense.

Mas como o Ceará teria moral para solicitar que suas 'estrelas' se apresentassem em forma ou no dia marcado? Salários atrasados eram regra em Porangabussu. A desorganização imperava com uma diretoria amadora, liderada por Eugenio Rabelo, mais conhecido pela sua loja de eletrodomésticos e por ter se elegido deputado graças aos votos da torcida, com o título de 2006. Numa reportagem da Placar, um jogador cearense que estava no futebol internacional, mas em sua periferia, dizia que 'não queria mais jogar em clubes como o Ceará, que não paga a ninguém'. Essa era a fama do Ceará. De mau-pagador, de clube sem estrutura e desorganizado. Dizia-se que o Ceará só tinha a sua torcida. E era verdade. Sem surpresa, o Campeonato Cearense de 2008 foi um retumbante fracasso e o Ceará nem para a final foi. O clima era tenso e Rabelo acabou defenestrado da direção do Ceará. Para o seu lugar, entrou o então diretor de futebol Evandro Leitão, jovem dirigente que segurou as pontas, com muita dificuldade, na maratona que é a Série B em 2007. Evandro assumiu o clube e foi logo afirmando que iria estruturar o clube 'com a ajuda da torcida'. O recado estava dado. No Brasil, o Internacional lançou seu programa de sócio-torcedor com sucesso e o clube gaúcho é hoje um dos mais ricos do Brasil justamente graças ao seu programa, que paga as contas do clube, mesmo não lotando o estádio todo jogo. Outros clubes imitaram os colorados e o Ceará, com algumas modificações, implementou seu programa de sócio-torcedor. Evandro pediu um voto de confiança e os primeiros sócios aderiram o programa.

Pelo segundo ano consecutivo, o Ceará atravessou a Série B sem problemas e iniciava 2009 com uma nova cara. Mais profissional. Um ano após o desastre em Horizonte, o clube se apresentava com praticamente todos os seus jogadores, incluindo as novas contratações, no PV. Eu estava lá. Havia esperança nos olhos da torcida. O ídolo Sergio Alves treinava chutes, mas alguns jogadores se destacavam, entre eles o volante Michel, vindo por empréstimo do Sport. Vindo da Ponte Preta, chegava o também volante João Marcos. Até então, as contratações do Ceará provinha de clubes pequenos do interior de São Paulo ou refugos de times da série B. Trazer jogadores de Sport e Ponte Preta, naquele tempo bem à frente do Ceará, era uma grande evolução. Contudo, mesmo com um bom time em campo, o Ceará acabou perdendo o título cearense de 2009 para o rival. Enquanto isso, chegava ao Ceará uma meia já veterano, de trancinhas no cabelo, chamado Geraldo. Adílson falhou fragorosamente num jogo que definiu a desclassificação do Ceará, em pleno Castelão, da Copa do Brasil frente ao Central de Caruaru e era contratado o goleiro Lopes, que assumiu a titularidade. Na esquerda, chegava o lateral Fabio Vidal, se juntando à Boiadeiro pela direita. O começo da série B foi desanimador. Várias derrotas e a lanterna nas primeiras rodadas. Seria outro ano de sofrimento? Naquela época, minha rotina me fazia acordar antes das cinco da manhã e por isso, não acompanhei muito os jogos do Ceará na série B e por isso, tinha um informante: um eletricista, que não perdia um jogo do Ceará. Ele me dizia: calma João, o time é bom, está jogando bem e quando acertar, vai embalar. A primeira vitória foi contra o São Caetano, no Castelão. O próximo jogo seria contra o Brasiliense. Fora. O Ceará passou o ano inteiro de 2008 sem vencer uma única partida fora do estado do Ceará. Era a síndrome da cancela. O Brasiliense estava no auge e conseguia trazer jogadores como Athirson. Estava chegando na parada de ônibus em plena madrugada, para esperar a rota da empresa, quando um rapaz me falou do jogo na noite anterior, em Brasília: 1x0 pro Ceará, gol de Geraldo. 

Fiquei surpreendido. Assim como foi surpreendente a arrancada do Ceará. Eram vitórias em cima de vitórias. Dentro e fora de casa. Contra o América de Natal, reestreava Mota. Mota, Motinha... Então com 28 anos, Mota tinha várias propostas de clubes brasileiros em 2009 e estava no auge da sua forma, mas preferiu o Ceará por ser torcedor do clube. Mota não fez muitos gols naquela campanha, mas sua inteligência tática, sua garra de torcedor dentro de campo e sua inteligência fez com que o Ceará marcasse os gols necessários para se aproximar do sonho, até então utópico, de subir à série A. Era o time do 1x0 ou 2x1. A defesa era o ponto fundamental da equipe. A zaga com Fabrício e Erivelton era a garantia lá atrás, mas à frente deles, havia o trio-de-ferro, com Michel, João Marcos e o truculento Heleno. PC Gusmão, querendo reaparecer no cenário nacional, montava o time de trás pra frente. E tinha sucesso na empreitada. A grande atração da série B daquele ano era o Vasco. Era certeza dos cariocas subirem, mas o Ceará mostrou sua força ao derrotar o time cruzmaltino em pleno Maracanã por 2x0. Uma vitória sobre o rival, que acabaria rebaixado, pôs o Ceará no rumo do acesso, que veio numa emocionante vitória sobre a Ponte Preta em Campinas, onde a torcida alvinegra colocou mais gente que a macaca. Era um sonho se tornando realidade. Mas Evandro Leitão e sua diretoria queria mais. Bem mais!

Após um Cearense conturbado, onde o Ceará perdeu o título nos pênaltis, havia a expectativa do primeiro jogo do Ceará na série A em dezesseis anos. Contudo, havia um porém. Em 1993, o Campeonato Brasileiro foi atingido por uma virada de mesa para que o Grêmio subisse para a primeira divisão e por causa de um regulamento confuso, o Ceará ficou num grupo com times médios e pequenos. Naquele ano, não enfrentamos Corinthians, Flamengo e outros gigantes do futebol brasileiro. Era a primeira vez que eu via o Ceará medindo forças contra os grandes times do Brasil e ao contrário dos pessimistas, que previam um rebaixamento vergonhoso, o Ceará fez um bom papel, se garantindo mais um ano na série A e ainda conseguindo uma inédita vaga na Copa Sul-Americana. Nos momentos de turbulência, quando o desastroso treinador Mario Sergio chegou a afirmar que o Ceará iria cair, a diretoria resolveu fazer uma aposta. Há muitos anos fora do país, no Oriente, Magno Alves parecia estar aposentado do futebol, mas aos 35 anos o Magnata retornou com o mesmo faro de gol dos tempos de Fluminense e com toda a sua classe, Magno garantiu os gols que deixaram o Ceará na série A. E arrebatava o coração da torcida alvinegra.

Porém, há uma hierarquia no futebol brasileiro. E o Ceará não está no topo da pirâmide. Cair para a série B, mais ano, menos ano, era até mesmo inevitável. E isso aconteceu em 2011, mas nem tudo foi perdido naquele ano. Recuperamos a supremacia no Estado e fizemos um ótimo papel na Copa do Brasil, só parando nas semifinais, ainda eliminando o Flamengo de Ronaldinho Gaúcho durante a campanha. Foi o jogo mais emocionante no qual estive presente. Em 2012, o Ceará venceu a arrogância do Fortaleza em duas tensas finais de campeonato local, mas acabou naufragando na série B, onde a torcida, mal acostumada, dizia que 'subir era obrigação'. Ninguém é obrigado a ser campeão ou subir de divisão. Aprendemos a lição, mas o time de 2009, ainda com a espinha dorsal no clube, foi praticamente desfeita, só restando João Marcos e Mota, que fazia um ataque de sonho com Magno Alves, que retornava ao clube. Era o ataque MMA. Em 2013, o Campeonato do Nordeste estava de volta ao calendário e o Ceará era um dos favoritos ao título. Após perder de 2x0 pro Vitória em casa, o Ceará deu a volta por cima com uma goleada de 4x1 sobre o time baiano num jogo inesquecível. A semifinal parecia barbada: ASA de Arapiraca, ainda mais com o Ceará empatando em 3x3 no Alagoas. Na nova Arena Castelão, tudo parecia certo contra o time de Didira. Quando entrei no novo Castelão, exclamei: Provavelmente não conhecerei o Santiago Bernabeu, mas agora sei como é. Porém, havia algo de estranho no ar. Muita festa. Muita purpurina. E o resultado foi uma desclassificação alarmante em pleno Castelão lotado. A série B começou de mal a pior, mas a chegada do treinador Sergio Soares garantiu uma arrancada parecida com 2009 e fez a torcida sonhar novamente com o acesso, mas o Ceará falhou nos momentos decisivos.

Em seu ano do centenário, o Ceará montou um time forte com claros objetivos: ser tetracampeão estadual, campeão do Nordeste e subir à Série A. E o time parecia ter condições para tal. No meio campo, permanecia Ricardinho. Estreando no início de 2013, com pinta de de camisa 10, o maestro alvinegro logo tomou de conta da meia cancha alvinegra. No gol, chegava Luís Carlos, considerado o melhor goleiro da série B e tendo feito uma exibição de gala pelo Paraná contra o próprio Ceará num Castelão cheio. A zaga tinha Sandro, um negro alto, forte e cabeludo, que logo se tornou uma barreira na zaga alvinegra. João Marcos ainda era o pulmão da equipe, enquanto Magno Alves, ao lado de Bill, fazia gols em profusão. O tetra foi conquistado em duas tensas finais, com dois 0x0. Porém, na Copa do Nordeste o Ceará teve uma campanha irrepreensível, com direito a goleada em cima do Vitória por 5x1 no PV, mas a Copa do Nordeste escapou numa final contra o Sport e novamente com o Castelão lotado. Contudo o Ceará apareceu para o Brasil na Copa do Brasil. Num jogo inesquecível, o Ceará derrotou o Internacional por 2x1 em pleno Beira-Rio com autoridade, fazendo o mesmo no jogo de volta no Castelão. A crítica nacional ficou impressionada com a forma como o Ceará jogava, que naquele momento liderava com solidez a série B. Porém, a mesma Copa do Brasil que ajudou a propagar o nome do Ceará nacionalmente, destruiu os sonhos do Ceará em 2014. Num desastroso jogo contra o Botafogo, quando levou dois gols nos acréscimos, o Ceará foi eliminado da Copa do Brasil e degringolou na série B, perdendo a chance do acesso já nas rodadas finais, mesmo com o retorno de PC Gusmão.

O nome do Ceará aparecia nacionalmente muito bem. Foram duas semifinais na Copa do Nordeste. Duas bolas na trave para subir à série A em dois anos seguidos. Uma grande exibição na Copa do Brasil. Mas tudo no quase. O Ceará queria mais. Foram contratados alguns jogadores de forma pontual, como Uilliam Correia, Sandro Manuel, Eloir, Charles e Marinho. Luís Carlos permanecia fechando o gol. Ricardinho continuava brilhando no meio campo. E Magno Alves, maior artilheiro em atividade no mundo, continuava fazendo seus gols. O início da Copa do Nordeste foi turbulento, com o Ceará vencendo, mas sem convencer. O técnico Dado Cavalcanti parecia aquele professor que sabe muito, mas que os alunos não confiavam. Caiu. Entrou Silas Pereira, jogador de Copa do Mundo e treinador promissor, mas que queria voltar à aparecer no mercado de técnicos. Uma vitória sobre o rival encheu o Ceará de moral. Contra o Vitória, pela terceira vez no caminho do Ceará no mata-mata da Copa do Nordeste, o alvinegro fez duas grandes partidas, principalmente em Salvador e se qualificou para enfrentar o Bahia na final. O grande Bahia. Mas hoje o Ceará também é grande. Na verdade, sempre foi. E com duas vitórias, o Ceará conquistou ontem o maior título em sua centenária história. Em todo o país, se fala do recorde de público no Castelão. Voltando sete anos no tempo, ninguém poderia imaginar o Ceará do jeito que está. De uma fachada quebrada, feia e alvo de protestos da torcida, hoje o Ceará tem uma bela estrutura, elogiada por vários jogadores que por aqui passaram. Salário atrasado é coisa do passado e hoje os jogadores fazem questão de vir para cá, pois sabem que o Ceará é bom pagador. Se antes as contratações tinham nomes como Faeco e Juranílson, hoje somos capazes de deixar nomes como Marcos Aurélio e William no banco. Compramos um Centro de Treinamento que é um dos melhores do Nordeste. Mas a diretoria do Ceará quer mais. Quer construir um estádio e voltar à série A. E por lá ficar mais do que os dois anos do biênio 2010/11. Quer manter um clube saneado e que apareça para o Brasil como uma das forças do Nordeste, algo que se perdeu alguns anos atrás, mas hoje está genuinamente de volta. Se antes o Ceará tinha apenas torcida, hoje tem torcida, estrutura e bons times. Algumas vezes usei a primeira pessoa nesse texto e o motivo é muito simples: eu participei de tudo isso. Fiquei com raiva nas dolorosas derrotas, mas também vibrei muito no sucesso, pois amo o Ceará Sporting Club. No momento em que escrevo, tenho apenas três horas de sono, devido à emoção do jogo de ontem. Mas eu sei que ainda não acabou. Tem muito mais ainda por vir! 

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