segunda-feira, 6 de abril de 2015

Saindo da moita. Literalmente.

Nesses anos todos que acompanho F1, um dos piores pilotos que me recordo se chama Pedro Paulo Diniz. Junto com Ricardo Rosset, dos piores que o Brasil produziu e chegaram à F1. Foram cinco anos de F1 para o filho de Abílio Diniz e não precisa dizer que os contatos de pai ajudaram bastante para que Diniz ficasse esse tempo todo na F1, mesmo sem mostrar o mínimo talento. Porém, após o malfado projeto da F-Renault brasileira, pouco se soube do ex-piloto. 

Numa entrevista recente para a revista Trip (Aqui a reportagem completa), Pedro Paulo Diniz explica a mudança radical em sua vida, seus primeiros anos no automobilismo, o glamour da F1 e o que faz hoje. Abaixo, algumas partes da entrevista dada por Pedro Paulo Diniz.

Quais são suas memórias mais antigas de infância? 
Não tenho tantas recordações de infância. As primeiras são da mudança para a casa na avenida Cidade Jardim, eu tinha uns 3 anos. Eu não queria ficar lá nem a pau, esperneava. Era uma casa enorme, e eu estava acostumado com a casinha que a gente tinha. Eu fui um moleque mais fechado. Não curtia a escola. Foi algo imposto, e eu não me encaixava, tinha dificuldade de aprender. Em coisas que me interessavam, como matemática, uma coisa mais exata, eu até ia bem. Mas português, eu pensava “para quê? Já sei falar, sei escrever...”. Com certeza, uma escola mais construtivista teria me fisgado melhor. Porque eu gostava de inventar. Desmontar as coisas em casa, liquidificador, aspirador, fazia carrinho. Eu tinha bastante criatividade, mas realmente minha relação com a escola era difícil.

Seu pai é uma figura muito forte, associada à ideia de dedicação exclusiva ao trabalho, À força de produção. Ao mesmo tempo que é muito admirado, também é criticado por isso. Como é ser filho do Abilio, principalmente quando criança? 
Acho que quando a gente é criança não percebe muito essa coisa, mas meu pai sempre foi uma figura dominadora. Depois, mais adolescente, vai caindo a ficha. Logicamente a gente vivia uma vida que não era normal. Meu pai já tinha bastante dinheiro, então a gente morava numa supercasa, tinha motorista, segurança. Mas meu pai sempre foi bem caxias na educação, de querer dar para a gente uma realidade mais parecida com a de todo mundo.

 Você tem três irmãos do primeiro casamento do Abilio. a adriana sempre foi mais reservada e nunca trabalhou com a família. Já a Ana Maria é tida como o braço direito do seu pai na empresa. o João paulo também trabalhou no grupo, e sempre foi muito mais forte nos esportes, o que seu pai valoriza. E você, o caçula, vendo isso, se sentia o patinho feio? 
Não é consciente isso, de se sentir patinho feio. Mas, por ser o caçula, acho que peguei uma fase muito ruim do relacionamento dos meus pais, tive um pouco menos de atenção deles. Não tinha tanta competição, porque a diferença de idade é muito grande. A Ana eu até falo que é minha segunda mãe, dez anos mais velha. Quando surgiu a coisa de correr de kart me deu aquela luz.
Como isso apareceu na sua vida? 
Eu sempre fui ligado em motor, desde moleque. Vinha aqui pra fazenda, ficava na motinho o tempo inteiro. Quando tinha 15 anos, um amigo me chamou para dar uma volta de kart em Interlagos. De primeira, vi que levava jeito pra coisa. E pensei: “Pô, que legal, um negócio que eu sei fazer!”. 
Me fez muito bem, aumentou minha autoestima. Meu pai falou: “Melhor você correr na pista do que na Marginal”. E me incentivou, me deu um kart, comecei a correr e mudou minha vida, me encontrei. Eu também era superdesregrado, aí comecei a querer fazer esporte, estar bem fisicamente pra correr. Eu era um moleque sem rumo, e isso me deu um.

Como foi sua carreira no kart? 
Ganhei algumas corridas, segui as categorias, não ganhei nenhum campeonato... Mas dava pra ver que tinha talento. Eu fazia pole pra cacete, mas era um puta porra-louca, batia na corrida. E era esforçado na parte mecânica, gostava de entender como funcionava.

A grana fez muita diferença no seu processo no automobilismo comparado com alguém sem esse dinheiro todo? 
Fez, né? O automobilismo é muito movido a grana. Se você tem equipamento bom, faz diferença. Eu tive essa condição, mas corri atrás porque meu pai não dava nada de mão beijada. Logicamente ele me abriu várias portas, mas, quando passei pra Fórmula Ford, fui atrás, fiz apresentação em empresa, consegui patrocínio. Claro que com as portas que ele me abriu, com o Pão de Açúcar, facilitou a história toda.

O que seus irmãos achavam disso? 
A gente nunca conversou muito sobre isso, mas eu sentia que principalmente o João tinha certo incômodo, do tipo “esse moleque não faz nada, só fica brincando de correr de carro”. Acho que meu pai sempre pensava que era meio brincadeira, mas via que eu estava mais focado, então apoiava. Mas, quando falei que ia morar na Inglaterra para correr, aí ele não gostou. “E faculdade? Vai ficar brincando desse negócio pra sempre?” Ele não achou graça e foi dificultando as coisas.

Como? 
Não me dava muita grana, tive que ir lá, garimpar uma equipe. Depois de seis meses eu estava vivendo numa bibocazinha, totalmente diferente do que eu tinha aqui, na mordomia da casa da mãe, com empregado. Mas foi muito legal porque tive que aprender a me virar. Eu tava com 19, 20 anos. Arranjei a equipe sozinho, aprendi inglês, que eu não sabia.

E como foi esse começo de carreira? 
Meu sonho era correr na Fórmula 1. Mas na Inglaterra era difícil, porque eu saí daqui sem grandes resultados. Nos primeiros meses, meu pai não queria que eu fosse, mas depois viu que eu ia ficar e começou a ajudar mais. Mudei para um lugar mais bacana, comprei um carro. Mas foi ficando pesado porque eu vi que não tinha aquele talento natural que eu imaginava. Isso era foda, porque um moleque de 20 anos se acha super-herói. E nessas categorias, Fórmula 3, Fórmula 3000, foram resultados medianos.

Como você foi parar na Fórmula 1? 
O dono da minha equipe de Fórmula 3000 tinha o sonho de ir para a F1. A gente foi juntando um time, o Pão de Açucar ajudou e eu consegui o patrocínio da Parmalat. Aí lançaram a Forte Corsi, e entrei na Fórmula 1 com eles. O primeiro ano foi meio maluco, não tinha estrutura, uma bagunça. No segundo ano fui para uma equipe mais estruturada, a Ligier. Aí começou a ficar mais legal a brincadeira. Eu era bom em pista muito rápida, mas acho que isso tinha mais a ver com inconsequência.

Você não tinha medo? 
Eu queria tanto provar alguma coisa, que era meio inconsequente. Era o kamikaze, largava em 16º e na primeira volta estava em sexto. Numa dessas, em Silverstone, tava um puta vento, numa curva rápida meu carro rodou, voou na zebra e bateu de ré no muro. Uma puta porrada. Meu banco foi para dentro do tanque de combustível. A cabeça foi para a frente, quebrei a quinta vértebra, podia estar paralítico. Graças a Deus... o chefe aí em cima não deixou. Isso foi no primeiro ano de Fórmula 3. Fiquei quatro meses parado.

Você sofreu outros acidentes? 
Na Fórmula 1 tive uns acidentes pesados. Um na Argentina, quando reabasteci. Não sei o que aconteceu, a boca de combustível ficou aberta e na primeira freada a gasolina pegou no freio, que fica incandescente, e o carro virou uma bola de fogo. Eu sempre tive na cabeça que eu estava protegido. Pensei: “Caramba, tinha tanta certeza de que não ia morrer, agora vou morrer aqui!?”. O fogo envolveu tudo, não via mais nada. Saí do carro sem tirar o volante, até hoje não sei como fiz isso. Graças a Deus não aconteceu nada. E tive outro, em Nürburgring: capotei na largada a uns 200 por hora, e o carro caiu de ponta-cabeça. Dei uma puta sorte, tinha fogo também. Novamente o chefe lá em cima me protegeu.

Como era o lado que todos imaginam, da mulherada, do glamour na Fórmula 1? era como as pessoas fantasiam? 
É legal pra cacete. Quando você chega nos lugares é tratado como um rei. Em toda cidade aonde o circo ia, tinha mordomia, todo mundo bajulando, foi bem divertido. Por outro lado era tenso, tem muito interesse. Muita gente com muita grana e fama, pessoas com um ego enorme, disputavam quem ia sentar à mesa do príncipe de Mônaco no jantar, essas coisas.

Qual era o seu personagem nesse teatro? 
No início eu tinha 25 anos, dei uma deslumbrada. As pessoas vêm pedir autógrafo, você começa a se achar. Sempre tive namoradas bonitas. Todo mundo ficava falando da namorada do Pedro Paulo Diniz, isso aparecia nas revistas. Então meu papel era o de playboy da Fórmula 1. E, por isso, eu circulava num ambiente ainda mais elevado do que o que eu deveria estar. Morei em Mônaco oito anos, acabei ficando amigo do príncipe, circulava nesse mundinho de glamour mesmo. No começo você entra no jogo, acha legal, se sente o bacanão. Você se acha fodão por comprar uma Ferrari com desconto, circular em Mônaco com ela. Mas faltava alguma coisa. No primeiro dia é como criança com brinquedo novo, depois enjoa. E não preenche nada.

Sobre isso, qual foi a coisa mais incrível que você se lembra, dessas de playboy internacional? 
Acontecia o tempo todo. No GP de Mônaco tinha as festas com o príncipe, no palácio. Em Saint-Tropez, o glamour do glamour, eu chegava na boate e tiravam as pessoas da mesa para o monsieur Diniz sentar. Tinha milionários do mundo todo, outros pilotos… Faço aniversário no mesmo dia que Naomi Campbell. Então a gente fazia três festas em Saint-Tropez, as festas de Naomi Campbell e Pedro Paulo Diniz. Era a maior palhaçada da Terra. Mas era interessante. Experiências que foram válidas para ver o máximo daquilo que a sociedade entende como glamour.

Qual a coisa mais maluca que você comprou na época? 
A Ferrari, o objeto me fascinava. Mônaco é complicado, você entra na onda morando lá. Se você não tivesse uma Ferrari, era um zé-ninguém [risos].
Quanto você ganhava? 
Ganhava US$ 2,5 milhões por ano. Uma grana alta pra qualquer um, imagine para um moleque de 25 anos. E morando lá, uma puta vida boa.

Como foi seu final de carreira na Fórmula 1?
Em 1999 eu estava correndo na Sauber, o melhor carro que tive. Mas eu estava com 29 anos, me via em situações que eu já não curtia tanto. Mesmo as festas e o glamour, eu já estava achando tudo meio sem graça, vazio. Foi perdendo o encanto. Daí em 2000 apareceu essa história de ficar sócio do Alain Prost, deixei de ser piloto pra ser dono de equipe. Foram dois anos difíceis... e era o primeiro negócio da minha vida, tive o incentivo do meu pai, a gente analisou junto, ele achou legal. Mas foi frustrante... O Prost é muito difícil, não escutava ninguém. Foi assim que saí da Fórmula 1.

Como você saiu dessa sensação de fracasso e voltou a trabalhar? 
Voltei com o rabo entre as pernas, não sabia muito o que fazer. Aí a Fórmula Renault estava entrando no Brasil e pediram minha ajuda. Fechei um contrato legal de cinco anos pra implantar o negócio aqui. Chegamos a ter 50 funcionários, nos dois primeiros anos me deu prazer. Mas comecei a questionar o que eu queria mesmo. Comecei a entender e procurar outras coisas na vida. Foi quando comecei a fazer ioga.

Quem levou você para a ioga? 
A Fernanda Lima, que é minha amiga. Nos tempos de modelo dela em Milão a gente deu umas saídas, namorou um pouquinho. (Nota do blogueiro: O PPD podia ser fraco como piloto, mas comeu a Fernanda Lima. É como se diz hoje, um mito!) Quando voltei, mantivemos contato. Um dia ela me falou da ioga, me deu o endereço, fui e começou a fazer sentido. Comecei a conviver com um pessoal bem diferente do que eu tava acostumado. Eu estava procurando pessoas que estivessem fora desse mundo superficial em que eu vivi muito tempo. Gente mais normal, com interesses mais reais. E encontrei nesse grupo.

Você vivia uma certa duplicidade. Descobrindo toda essa simplicidade de um lado mas andando de avião particular. Não dava uma confusão? 
Trabalhei bastante isso na minha cabeça. O chefe lá de cima deu isso a você. Eu ganhei de nascer nessa família, com todos os prós e contras. Já tive essas encanações, mas quando percebi que o Pedro podia e tinha que ser o Pedro em qualquer lugar, liguei o foda-se. Ando com segurança, sou acionista do Pão de Açúcar, são partes da minha vida. Fazer ioga de manhã e depois pegar o avião particular pro Caribe era a minha realidade, não posso negar.

Você sempre namorou modelos e atrizes famosas. Como se encantou pela Tati, uma atriz iniciante, de família simples, de um mundo diferente do seu? 
Eu vivia naquele padrão, tendo como referência as modelos, mulheres exuberantes e ligadas em exposição. Era meu mundo na época. Demorou um pouco pra cair a ficha e para eu perceber que tinha algo muito mais forte e especial com a Tati, que ela também era bonita mas que com ela era muito mais legal o papo, a troca física, tudo muito mais intenso.

Onde você vive hoje? 
Depois do primeiro filho tivemos a Catarina. Em 2005, 2006, com esse acordo que meu pai fez no Pão de Açúcar, a gente resolveu fazer um escritório da família separado da empresa e fui escolhido para administrá-lo. E dentre os bens estava essa fazenda. Comecei a cuidar dela e pensei em fazer algo sustentável aqui. Descobri que existe agricultura orgânica, que planta sem aditivo químico e ainda preserva o ambiente. Comecei a estruturar um projeto, e isso cresceu. Daí a gente pensou que, em vez de passar um dia na semana, pudesse morar aqui. Já são dois anos e meio.

Como está sendo essa experiência? 
É tudo muito novo e instigante. É interessante aprender como são os processos da natureza e como replicar isso para criar um alimento mais saudável. Fora os outros benefícios, poder criar meus filhos na fazenda. E o fator humano também é crítico, precisa trabalhar as pessoas, instaurar uma nova cultura dentro desse pequeno núcleo, nessa pequena comunidade. Criar um pensamento diferente, produzir sem destruir.

E como você se imagina com 60 anos? 
Me imagino aqui. A vida fora de grandes centros faz muito sentido pra nós, a gente não sente falta. Talvez de um cinema [risos]. Mas pesando os prós e contras, um cinema só pesa muito pouco.
Você está mais ou menos há uns dez anos sem dar entrevista. Por que aceitou agora? 
Eu me protegi por um tempo, quis desaparecer, para ficar tranquilo, viver a vida sem me sentir muito invadido. Minha técnica para ter menos isso foi tentar sumir da mídia, não me preenchia em nada, não me deixava feliz me ver na revista. Foi muito fácil. Mas primeiro acho o trabalho da Trip muito legal. E você falou deste tema, Anonimato, que poderia até motivar os outros a pensar nisso. Achei que não feria meu princípio de não aparecer. Hoje eu vou ao shopping e ninguém me reconhece! Funcionou! E isso não vai fazer mudar.

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